Como chegámos ao acordo na COP28? Onde esteve Portugal nos bastidores e negociações?
À saída do plenário, o PÚBLICO ouviu o ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro, sobre esta que é considerada uma vitória da política climática a nível global.
Esta quarta-feira, quase precisamente 24 horas depois da hora final idealizada pelo presidente da COP28, Sultan Al-Jaber, os 197 países reunidos na cimeira do clima das Nações Unidas aprovaram o primeiro balanço global do Acordo de Paris, um dos textos centrais desta conferência.
À saída da sala onde se realizou o plenário, o PÚBLICO ouviu o ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro, sobre esta que é considerada uma vitória da política climática a nível global.
Na segunda-feira, Portugal tinha reagido em conjunto com a União Europeia à versão preliminar apresentada pela presidência da COP28. Por um lado, a proposta continua “alguns aspectos essenciais”, como o facto de ser necessário “reconhecer uma correcção de rumo” e a necessidade de manter à vista a limitação do aumento da temperatura em 1,5C, sendo necessário “reduzir as emissões em 43% e atingir o pico em 2025”.
Por outro lado, explica o ministro, no âmbito da ambição, em particular no capítulo da mitigação, “não havia nem linguagem, nem compromisso suficientemente fortes que correspondessem a esse reconhecimento do ponto de vista da ciência”.
Leia aqui algumas das respostas do ministro às questões sobre como se chegou a este texto e a sua visão sobre o que é que significa este acordo.
O que é que se passou nos bastidores?
A União Europeia rejeitou colectivamente – Portugal também – o texto apresentado na segunda-feira, recorda o ministro.
Houve um trabalho da União Europeia e de outras partes, como os EUA, o Brasil e os pequenos Estados insulares, que procurava que este primeiro balanço global “reflectisse a ambição que era necessária, no compromisso das várias partes, para corresponder ao que preocupa [Portugal] relativamente à alteração de curso que era necessária”, descreve Duarte Cordeiro.
“Transição” é suficiente?
Na interpretação de Portugal e da União Europeia, esta “linguagem do fim dos fósseis”, de afastamento destes combustíveis, “vale tanto como a linguagem do ‘phasing out’”. “Sabemos que diplomaticamente às vezes bloqueamos relativamente a determinadas expressões, mas todos assumimos na União Europeia que ‘transitioning away’ é sair da era dos combustíveis fósseis”, afirmou o ministro do Ambiente e da Acção Climática, pedindo “emprestadas” as palavras das organizações. Na prática, a UE assume que a expressão significa a saída dos combustíveis fósseis, pelo menos “no que diz respeito a tudo o que conseguimos substituir”.
A declaração assume também metas ambientais e fins dos subsídios aos combustíveis fósseis. “Esta declaração, do ponto da sua ambição, está muito mais em linha com o que a ciência nos diz.”
O que é que vai mesmo ter de “descarbonizar”?
Neste acordo, recupera-se alguma linguagem que já existia noutras declarações, como a de Glasgow (que previu uma redução do carvão), mas é a primeira vez que são introduzidas referências a todos os combustíveis fósseis.
É também assumido um conjunto de metas pelas quais a União Europeia se bateu, como a duplicação da eficiência energética e a triplicação das energias renováveis.
“Foi também estabelecida a necessidade da descarbonização rápida dos sectores, do ponto de vista energético”, com destaque para a substituição por renováveis. As tecnologias de captura de carbono poderão ser usadas nos sectores “em que é complicado fazer essa captura, ou o abatimento”, destaca o ministro.
No que diz respeito ao fim dos subsídios aos combustíveis fósseis, foi retirada alguma da linguagem “que abria alçapões para a sua utilização”, diz Duarte Cordeiro, e foi alinhada com o mandato assumido pelos Estados-membros da União Europeia, que era o fim desses apoios “excepto nas políticas de combate à pobreza”.
É isto que a União Europeia queria?
“É um compromisso, como não podia deixar de ser”, diz o ministro, já que “todas estas declarações são de natureza consensual” – o que implica exigir mas também fazer cedências.
O texto não inclui algumas das ambições que a União Europeia tinha, como o fim de novas licenças para o carvão, mas o governante faz notar que “os países estão em estágios de desenvolvimento distintos, nem todos têm acesso ao financiamento ou à capacidade tecnológica que muitos dos países mais desenvolvidos têm”, sendo necessário um princípio de compreensão.
O ministro elogiou ainda a “capacidade técnica” dos negociadores da União Europeia, que trouxeram um contributo importante na obtenção destes resultados.
Para Portugal, o que muda?
O facto de se ter conseguido uma declaração “fecha com chave de ouro a participação de Portugal na COP”, trazendo também “uma perspectiva de esperança que é muito necessária na política climática”, afirma o ministro do Ambiente. “Precisávamos deste sentimento, uma percepção global de que esta alteração de curso e esta ambição resultarão na procura destes objectivos essenciais.”
Para um país como o nosso, é muito importante este acordo global. “Sabemos que não basta ao nosso país ter ambição climática – é importante o mundo ter ambição climática. Se não conseguirmos, um país como o nosso, com exposição às alterações climáticas, sofrerá muito mais no futuro”, alerta Duarte Cordeiro.
Qual foi o nosso contributo?
Um dos contributos importantes de Portugal, no contexto da delegação europeia, foi estabelecer pontes com outras partes “com que [Portugal se dá] naturalmente melhor”, como o Brasil. “Tivemos o nosso papel de auxiliar, quando foi preciso estabelecer pontes com outras partes, com outras visões, com outras perspectivas. Procurámos fazê-lo trazendo essas perspectivas para dentro da União Europeia, levando as perspectivas da União Europeia para dentro dessas outras zonas do globo e procurando estabelecer aproximações.
Este diálogo mostrou também à UE a importância de reconhecer claramente “que há diferenciações nacionais quer nos picos, quer no esforço que tem de ser feito”. “Essa diferenciação, que, por exemplo, era muito cara para o Brasil, foi estabelecida no texto”, afirma Duarte Cordeiro.
Essas pontes foram lançadas graças a um “um papel especial” da secretária de Estado da Energia e do Clima, Ana Fontoura Gouveia, que esteve no Dubai durante todos os dias da COP a acompanhar a participação portuguesa.
Por fim, na programação da COP28, o pavilhão de Portugal foi também um espaço que tentou ilustrar “a participação das várias entidades nacionais e o compromisso de várias instituições portuguesas, que depois também têm ramificações internacionais”, além de mostrar parcerias ao nível da CPLP e dar “palco para compromissos mais firmes, mais afirmativos do país”.
E o financiamento dos países em desenvolvimento?
O ministro do Ambiente e da Acção Climática sublinha também o trabalho feito a nível do financiamento, começando com o fundo de perdas e danos, uma das primeiras notícias desta COP.
“Foi feito um trabalho importante ao nível do financiamento, a consagração de que é necessário multiplicar o financiamento disponível à adaptação, mas também reformar o financiamento internacional.”
A disponibilidade e a reforma dos modos de financiamento internacional para adequar os meios de concretização desta transição “é essencial, se queremos que todos estejam dentro do barco deste processo de transição”, reforça o ministro.
Outra das soluções para aliviar o peso que recai sobre os países mais pobres (e mais endividados) são as debt-to-nature ou debt-to-climate swaps, ou seja, a troca de dívida por compromissos com os fundos climáticos. “Portugal tem procurado ser um exemplo, dentro daquilo que é um país da nossa dimensão, com as nossas relações, com a nossa escala, ao nível do financiamento, com programas inovadores ao nível da troca da dívida”, afirma Duarte Cordeiro, referindo-se à reconversão de uma parte das dívidas de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe, assinada durante esta COP. Para o ministro, estes mecanismos “vão fazer escola na forma como outros países se relacionam e encontram soluções inovadoras”.
Houve novidades em matéria dos oceanos?
Para Portugal, é importante que as declarações consagrem aspectos relativos aos oceanos. “Sem a consagração internacional dos oceanos, não conseguimos fazer migrar para os planos nacionais o impacto que os oceanos podem ter, desde logo na captura de carbono e no trabalho que tem de ser feito do ponto de vista da adaptação”, explica o ministro.
No balanço global, há várias referências aos oceanos, o seu papel na mitigação e na adaptação e a importância do seu restauro, descreve o governante.
E, agora, é para passar à prática?
Duarte Cordeiro refere as palavras de Sultan Al-Jaber, presidente da COP, que na sua intervenção foi sempre recordando a questão da concretrização. Também para a União Europeia a questão do acompanhamento e execução deste plano é importante. “Este é o primeiro global stocktake, é suposto isto acontecer de cinco em cinco anos. Esta capacidade de acompanhamento da implementação vai ser determinante”, afirma o ministro, já de olhos postos nos planos que deverão ser entregues daqui a dois anos, na COP30, que decorre em Belém, no Brasil.
O PÚBLICO viajou a convite da Fundação Oceano Azul