A Companhia aérea do Reino Unido, Virgin Athlantic, avançou que o voo teste efectuado na passada terça-feira de Londres para Nova Iorque foi alimentado apenas por combustível de aviação sustentável, ou SAF (sigla inglesa para Sustainable Aviation Fuel). Esta categoria alargada de combustível de aviação sustentável gera menos emissões de carbono do que as misturas de querosene fóssil convencional.
O biocombustível deste voo foi fabricado a partir de gorduras residuais e açúcares vegetais e, segundo o comunicado de imprensa da companhia aérea, emitiu menos 70% de carbono do que os combustíveis de aviação à base de petróleo. O voo aterrou no Aeroporto Internacional John F. Kennedy na tarde de terça-feira, 28 de Novembro.
Os especialistas afirmam que combustíveis ecológicos podem, um dia, desempenhar um papel importante na redução da pegada carbónica da indústria da aviação. Contudo, neste momento, a produção deste tipo de combustíveis é residual: o SAF representa cerca de 0,1% do consumo actual de combustível das companhias aéreas.
“O SAF é crucial para a transição da aviação [para zero emissões carbónicas], especialmente nesta década”, afirma Andrew Chen, director da descarbonização da aviação no Instituto Rocky Mountain, um think-thank sobre energia limpa. “Mas o problema é que não produzimos SAF suficiente”, acrescenta.
O voo da Virgin Atlantic movido cem por cento a biocombustível foi uma proeza isolada. A companhia não vai oferecer voos regulares movidos a SAF, até porque os motores dos aviões não foram concebidos para funcionar apenas com este tipo de combustível. Além disso, é demasiado caro e raro para que seja prático para as companhias efectuarem rotas exclusivamente a combustível ecológico.
Não obstante, Chen considera a viagem um marco importante: “É necessário dar destaque a este voo, ao progresso que tem sido feito e à necessidade de uma maior produção de SAF, dada a importância deste combustível na descarbonização da aviação”.
Voos a carbono zero: os SAF não são a solução
Combustíveis de aviação ecológicos podem ser feitos a partir de uma vasta lista de matérias-primas, como milho, gorduras de animais, algas, lixo municipal ou águas residuais. Calcula-se que as emissões de carbono destes combustíveis sejam 50% menos do que os que têm por base o petróleo.
Contudo, também os biocombustíveis produzem algumas emissões. A utilização de SAF, por si só, não é a solução para a indústria da aviação atingir as zero emissões. Para atingir esse objectivo, a indústria teria de desenvolver novas tecnologias que permitissem aos aviões funcionar com baterias eléctricas, hidrogénio líquido ou outra fonte de combustível ainda por comprovar.
Segundo Andrew Chen, serão necessários vários anos para desenvolver plenamente estas tecnologias e muitas décadas para que as companhias aéreas as implementem totalmente nas suas frotas.
Até lá, os aviões vão continuar a funcionar maioritariamente a querosene, derivado do petróleo. “Não há como evitar a queima de combustível, por isso o SAF é a única forma de substituirmos os derivados de petróleo” e reduzir as emissões de carbono dos aviões agora, salienta o especialista.
Um problema aromático
A principal vantagem dos SAF é serem combustíveis “drop-in”, ou seja, podem ser misturados com o combustível de aviação normal e colocados nos motores, tendo um impacto imediato. Neste momento, já se faz a incorporação de uma percentagem de SAF no combustível de aviação, todavia, existe um limite para a quantidade de biocombustível que um motor de aviação pode consumir.
Combustíveis para aviões à base de petróleo têm na sua constituição compostos aromáticos que mantêm os motores a funcionarem correctamente. Muitas das versões dos SAF não possuem estes compostos. Para o voo da Virgin, foi necessário misturar um biocombustível à base de gordura com um “aroma sintético de querosene”, a partir de açúcares vegetais, que tem os compostos aromáticos necessários para manter o funcionamento normal do motor de um avião.
A ausência deste aroma essencial é um dos obstáculos para voos cem por cento movidos a combustíveis sustentáveis. Porém, Chen considera que este é um “mal menor”: Primeiro, a indústria tem de descobrir como aumentar a produção de combustível ecológico, “ainda há muito trabalho a fazer” reforça.
“A galinha e o ovo”
O mercado dos combustíveis sustentáveis é pequeno e cresce muito lentamente. Para o especialista da descarbonização na aviação este é o típico problema da “galinha e do ovo”: Companhias aéreas não querem comprar SAF porque é mais dispendioso que combustíveis normais. Já as refinarias não querem investir em novas instalações de fabrico (que poderiam ajudar a baixar os preços destes combustíveis), porque não existe procura suficiente por parte das companhias aéreas.
Alguns governos e grupos industriais estão a tentar quebrar este impasse e impulsionar o crescimento do mercado de SAF. Nos Estados Unidos, a Lei da Redução da Inflação oferece créditos fiscais a companhias aéreas que comprem combustíveis sustentáveis. Já a União Europeia aprovou leis que exigem que as companhias utilizem, pelo menos, 70% de combustíveis sustentáveis até 2050.
Por sua vez, o Fórum Económico Mundial lidera um sistema de créditos de carbono com base nas vendas de SAF. Através do desenvolvimento de um sistema contabilístico, as companhias aéreas podem calcular quantas emissões de carbono evitam com a utilização de biocombustíveis. Estas “emissões evitadas” são convertidas em créditos e vendidas a passageiros ou empresas que procurem compensar as emissões que geram ao voar.
“Vemos muito mais atenção, mais actividade, investimento e acordos de compra a longo prazo, em torno dos SAF”, diz Chen. “Tudo isto são bons sinais, mas ainda estamos na fase inicial de crescimento de um mercado que precisa de ser muito maior”, sublinha.