Seja a apresentar argumentos contra 32 Estados ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos ou em acções como as que atingiram os ministros do Ambiente e das Finanças com tinta verde, é incontornável o papel dos jovens na centralidade conquistada pelas questões ambientais. Mas será que a mesma geração que tem feito da justiça climática questão de activismo deseja fazer desta área a sua profissão? Os números do concurso nacional de acesso ao ensino superior sugerem que não. Mas, sendo este tema transversal, isso não quer necessariamente dizer que estejam a evitar a área.
O acesso ao ensino superior é um momento definidor sobre as opções de futuro profissional de cada jovem. Se olharmos para dados do concurso nacional de acesso – a principal porta de entrada nas universidades e politécnicos públicos para estudantes entre os 17 e os 19 anos –, nota-se que o número de colocados em cursos das áreas ligadas ao ambiente e sustentabilidade não está a crescer.
Pelo contrário: se a comparação for feita entre o concurso de ingresso deste ano e o de 2018 – o mais antigo para o qual o PÚBLICO solicitou dados à Direcção-Geral do Ensino Superior (DGES) –, apenas numa das áreas, a da Protecção do Ambiente, o número de estudantes aumentou. E, mesmo assim, tratou-se de um incremento ligeiro: há mais 20 estudantes nos cursos desta especialidade do que há seis anos.
Nas restantes áreas de estudo (Ciências Veterinárias, Ciências da Vida e Agricultura, Silvicultura e Pescas), o número de alunos diminuiu ao longo do período analisado. A evolução destes números teve tendências semelhantes nos quatro grupos de cursos que foram analisados, com um incremento gradual da procura entre 2019 e 2021, seguido de uma diminuição nos últimos dois anos.
As curvas são muito semelhantes quando se analisa o número de candidatos que colocam os cursos destas áreas de formação como primeira opção no boletim de candidatura ao ensino superior. O comportamento da procura por áreas de ambiente e sustentabilidade diverge do que aconteceu com o concurso nacional de acesso, quando analisado como um todo. Por exemplo, entre 2020 e 2021, houve uma diminuição de colocados. E nos últimos quatro anos bateram-se recordes históricos de estudantes inscritos.
“Esta é uma área de que se fala tanto, e parece que ninguém quer resolver os problemas”, desabafa o director do curso de Engenharia do Ambiente da Universidade de Coimbra, Nuno Cruz Simões. Ali ficaram vazias 60% das 21 vagas oferecidas, mesmo depois das três fases de colocações deste ano.
Como o explicar? “Temos pensado internamente e não temos ainda respostas para isso”, responde Simões. Nos últimos anos, o curso já tem tido “nitidamente” menor procura, analisa o mesmo professor universitário. No entanto, se, em anos anteriores, as vagas que sobravam no final da 1.ª fase do concurso nacional encontravam “dono” na 2.ª fase, este ano isso não aconteceu: “Foi mesmo mau.”
A licenciatura da Universidade de Coimbra não é caso único. No concurso nacional de acesso deste ano, foram ocupadas um pouco mais da metade (57%) das 548 vagas disponíveis em cursos de Engenharia ou Ciências Ambientais.
Foi um “ano decepcionante”, reconhece Mário Santos, director do curso de Ciências do Ambiente na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), outra licenciatura onde só entraram 13 estudantes (para 20 vagas) no fim das três fases do concurso nacional de acesso. “E a maior parte escolheu o curso como 2.ª ou 3.ª opção”, lamenta ainda o responsável.
Como o PÚBLICO já tinha notado no ano passado, também o sector agro-florestal mostra dificuldades em atrair jovens. Em cursos de Ciências ou Engenharia Agronómica só entraram 159 alunos na 1.ª fase do concurso nacional deste ano – num total de 460 possíveis. A taxa de ocupação ficou-se, portanto, nos 34,6%. No sector da Floresta o cenário é ainda pior: foram colocados 16 alunos (preenchendo 29,6% das vagas existentes).
No mesmo sentido, os cursos da área da Energia preencheram pouco mais de um terço das vagas disponíveis (102 entradas). Em sentido contrário, Biologia e Ciências Naturais (91,9%), o Mar (82,3%) e Veterinária e Zootecnia (88,8%) foram as áreas com maior procura no concurso nacional de acesso este ano.
Universidades reduzem oferta
A avaliar pelos dados disponibilizados pela DGES, não é só a procura dos estudantes pelos cursos da área do ambiente e sustentabilidade que não está a acompanhar a importância que os temas merecem nos últimos anos. O próprio compromisso das instituições de ensino superior com este sector parece estar em causa. Isto porque o número de vagas disponibilizadas nas diferentes licenciaturas diminuiu, em três das quatro áreas de estudo, num período de seis anos.
Em dois desses casos, essa redução da oferta aconteceu mesmo de forma significativa – havia, no arranque do concurso de acesso deste ano, menos 103 vagas em cursos do sector agrícola do que no início do período analisado, e menos 129 na Protecção do Ambiente.
A análise dos dados do concurso nacional de acesso talvez não seja suficiente para avaliar o interesse dos jovens em fazer da área ambiental o caminho para o seu futuro profissional. “Não é por haver esta nova consciencialização que a procura tende a aumentar”, começa por afirmar Helena Ribeiro, que dirige o curso de Ciências e Tecnologia do Ambiente da Universidade do Porto, um dos poucos a ter preenchido a totalidade das vagas disponibilizadas (40) no concurso de ingresso deste ano.
As preocupações com o clima e a sustentabilidade “são transversais a todas as áreas de conhecimento”, nota a mesma académica. Ou seja, o interesse dos jovens pelo tema não se traduz necessariamente na opção por um futuro profissional que passe por um trabalho como engenheiro do ambiente, agrónomo ou de energia.
A socióloga do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa Luísa Schmidt concorda com esta perspectiva. A sustentabilidade é uma “matéria transversal”: “As Ciências Sociais e Humanas, as Ciências Exactas, as Ciências Naturais, estão todas a criar conhecimento nestas áreas.” E dá um exemplo da sua área de estudo, em que foi pioneiro no estudo das questões ambientais, no final dos anos 1990: o Ambiente é actualmente a área com maior número de inscritos na Associação Europeia de Sociologia.
Estudantes são diferentes
“Mesmo um licenciado em Filosofia ou Direito pode ser especialista na área ambiental”, acrescenta Luísa Schmidt. Na actual organização do ensino superior, um jovem pode entrar numa determinada licenciatura e prosseguir estudos, desde que reúna um determinado nível de requisitos, num mestrado de um tema completamente diferente.
O que, para Luísa Schmidt, não oferece “dúvida nenhuma” é que as questões ambientais e climáticas são “uma parte das preocupações dos mais novos” e são “uma matéria que veio para ficar”. Por isso, acredita que, nos próximos anos, a tendência será para aumentar o número de estudantes a entrar nos cursos superiores destas áreas.
Para já, não é isso que mostram os dados do concurso nacional de acesso. O que não quer dizer que a centralidade das preocupações com o clima e a sustentabilidade não tenham um impacto nas instituições de ensino superior.
Mário Santos, que dirige o curso de Ciências do Ambiente da UTAD, nota uma diferença entre os alunos que entravam no curso no final dos anos 1990 – quando ainda era Engenharia do Ambiente – que “tinham um perfil mais técnico” e os estudantes actuais. “Os novos alunos são diferentes, são de mais largo espectro.” Biodiversidade, conservação da natureza e ecologia “são temas que lhes dizem muito”.
Nuno Cruz Simões concorda com esta análise: “É normal que os alunos venham para o curso com preocupações.” “O nosso desafio é transformar activistas em técnicos”, sublinha. Os activistas “têm um papel importante, chamam a atenção para as questões”, elogia o professor da Universidade de Coimbra. “Mas os técnicos é que vão resolver os problemas.”
Esse é um confronto que nem sempre é fácil para os jovens. Na primeira aula da licenciatura, Simões ou um dos seus colegas, costuma perguntar aos estudantes: “Vocês sabem que vão trabalhar para os poluidores?” “Essa transformação [das empresas e organizações] é o papel do engenheiro ambiental.”