Reserva Natural da Malcata – um diamante em bruto 42 anos à espera

É tempo de a reserva natural cumprir o seu destino: tornar-se zona selvagem a fervilhar de vida, tanto em diversidade como em abundância, e criar verdadeiras novas oportunidades de desenvolvimento.

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A bela e icónica Reserva Natural da Malcata celebra 42 anos de existência. Uma história que começou cheia de esperança, possibilidade e sonhos, é hoje um conto de oportunidades perdidas, degradação ambiental e abandono.

A reserva foi criada em 1981 depois da campanha Salvemos o lince — à data, era o último local do país a ter lince-ibérico —, que era cada vez mais raro e que na reserva via o seu habitat de mosaico mediterrâneo ser substituído por pinheiros, pseudotsugas e eucaliptos para a indústria da celulose e da madeira.

Mas a reserva falhou: se o objetivo era preservar o lince-ibérico e o lince desapareceu, a reserva falhou; se o objetivo era parar a expansão das plantações florestais e recuperar matos e florestas nativas, a reserva falhou; se o objetivo era criar uma área natural com ecossistemas mediterrâneos, completos e funcionais, a reserva falhou; e, se a reserva deveria promover o desenvolvimento local, também falhou.

O lince existe no símbolo do parque, centros interpretativos, estátuas e murais, mas não existe na reserva, as plantações das décadas de 70 e 80, feitas antes de a zona ser declarada área protegida, permanecem e, para além da recentemente descoberta colónia de abutres-pretos, de alguns veados e javalis, e de algumas zonas com manchas formosas de medronheiros nos vales recônditos, a zona permanece despida de vida. Com casas dos serviços florestais e dos vigilantes da natureza abandonados que podiam ser concessionadas a operadores turísticos e animais domésticos “cabras sapadoras”, ao invés de animais selvagens na reserva natural.

Falhou nos últimos 33 anos, mas não precisa de continuar a falhar. É tempo de a reserva natural cumprir o seu destino, tornar-se uma zona selvagem a fervilhar de vida, tanto em diversidade como em abundância, e criar verdadeiras novas oportunidades de desenvolvimento.

Olhar para a reserva e pensar só no lince é pouco, são 16.000 hectares sem povoações no interior da reserva, com vários tipos de relevo e habitats, um potencial imenso, um diamante em bruto. É tempo de renaturalizar a Malcata, de imaginar um novo selvagem, de sonhar possibilidades.

A área de núcleo da reserva já existe, mas está degradada, é necessário converter as plantações de árvores exóticas em zonas de mosaico de pasto, matorral e floresta mediterrânea, usar as nascentes para criar charcas na paisagem e parar a caça e controlar o furtivismo em toda a reserva.

Restaurar a teia da vida na Malcata, estabelecer cadeias tróficas completas, com boas densidades de herbívoros, de animais grandes como cavalos, vacas e burros em regime selvagem, a médios, como cabras-montesas, veados, gamos, muflões e castores, a pequenos, como perdizes, tartarugas e coelhos. Criar as condições para os carnívoros se estabelecerem, o lobo e o lince. E recuperar a brigada de limpeza, com as quatro/cinco espécies de abutres da Península Ibérica. Até considerar reintroduções ambiciosas de adaptação climática como tamareiras, gazelas-do-mediterrâneo ou camaleões.

A Malcata é um compasso de ligação, de norte a sul, de este a oeste, entre as planícies a sul e o planalto a norte, entre os dois lados do Sistema Central, entre a serra da Estrela do lado português e a sierra de Gata e de Francia do lado espanhol. Corredores ecológicos são chave para que a vida selvagem se possa adaptar às alterações climáticas e se expandir para novas zonas.

Igualmente importante é minimizar conflitos e maximizar benefícios, promover a coexistência entre a vida selvagem e as populações locais e apostar num verdadeiro turismo de natureza, para descobrir uma serra selvagem, não paisagens vazias. Como seriam as vilas do Sabugal ou Penamacor? Como seriam as aldeias de Meimoa, Meimão, Malcata, Quadrazais ou Fóios? É olhar para os nossos vizinhos espanhóis, ver zonas idênticas e imaginar as possibilidades. As portas de entrada para as zonas selvagens de linces, ursos, abutres e lobos em Andújar, Cantábria, Extremadura ou Sanabria são aldeias vivas, com gente e dinamismo. São histórias de esperança e sucesso onde o regresso da vida selvagem é terreno fértil para o desenvolvimento local.

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São precisas iniciativas duradouras, não só iniciativas pontuais, estratégia a longo prazo, não desorientação, visão a 50 ou 70 anos, não ano a ano. A Malcata tem mais potencial para ser um parque nacional clássico do que o Parque Nacional Peneda-Gerês, podia até ser um grande parque transfronteiriço ao longo da fronteira com Espanha. Se noutras partes do país o ICNF faz conservação no “terreno do vizinho” (em terrenos de terceiros, de privados e baldios), na Reserva da Malcata o ICNF detém uma grande parte dos terrenos da reserva, entre 70% e 80%, e não existem povoações dentro do perímetro da reserva. Não há razão para a apatia e falta de ação.

Talvez um dia a Reserva da Malcata seja um parque nacional, onde a vida selvagem seja diversa e abundante, ligada a outras partes da península por corredores ecológicos, uma fonte de riqueza e oportunidades para as populações locais e uma estrela brilhante de orgulho para a região.

Parabéns à Reserva Natural da Malcata, um sonho à espera de ser realizado, um diamante em bruto à espera de ser lapidado.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico