Nem oito nem 80: para lá do negacionismo e do catastrofismo climático
Nas últimas semanas, o planeta registou um aumento sem paralelo de temperaturas que causou perturbações em várias regiões do globo. Na Europa, países como Itália, Espanha e Grécia têm registado temperaturas que excedem os 40ºC, resultando em incêndios devastadores e na deslocação de numerosas pessoas. O Médio Oriente e o Norte de África também têm sido assolados por ondas de calor implacáveis, com temperaturas que chegam a atingir os 51 graus Celsius, provocando longos cortes de eletricidade e testando os limites da sobrevivência humana.
Tudo isto vem na sequência de um mês de junho que foi considerado o mais quente jamais registado, com ondas de calor mortíferas que afetaram os Estados Unidos, o México e a Índia. Além disso, no Atlântico Norte, as temperaturas oceânicas em maio atingiram uns espantosos 1,6°C acima dos registos anteriores, superando-os por uma margem invulgarmente ampla.
Vários especialistas estão atualmente a manifestar grande preocupação, alertando para o facto de estarmos prestes a quebrar certos sistemas planetários de regulação climática cruciais e sugerindo, inclusive, que julho poderá ser o período mais quente registado dos últimos 120.000 anos da história da Terra. Este extraordinário salto de temperaturas pode ser atribuído a dois principais motores: em primeiro lugar, a libertação incessante de gases de efeito de estufa, resultante de actividades humanas, nomeadamente a combustão de petróleo, gás e carvão; em segundo, o ressurgimento do fenómeno climático cíclico El Niño.
Confrontados com a magnitude dos acontecimentos correntes, os negacionistas têm-se deparado com crescentes dificuldades em refutar a inegável veracidade da crise climática. Mas, por outro lado, há quem mergulhe progressivamente no pessimismo catastrofista, em que um sentimento de desespero domina toda a discussão, tornando soluções viáveis aparentemente ilusórias.
A história tem demonstrado repetidamente que atitudes de oito ou 80 raramente culminam em resultados positivos. Lamentavelmente, as narrativas prevalecentes atualmente em torno das alterações climáticas oscilam frequentemente em torno de dois argumentos aparentemente opostos: a convicção de que “as alterações climáticas são uma farsa fabricada pela elite de esquerda” e a certeza do nosso fado coletivo — a total aniquilação da humanidade.
Embora pareçam díspares, estes argumentos são, de facto, perpendiculares entre si, pois ambos produzem uma adversidade comum.
Os negacionistas climáticos apresentam sistematicamente um padrão de desprezo ou banalização das observações científicas, selecionando habilmente os dados para propagar fake news e racionalizar a sua posição de inação. Estas são frequentemente adotadas e disseminadas através dos “cientistas das redes sociais”, que exacerbam a confusão pública e consolidam a falta de ação.
Já os proponentes do catastrofismo climático reconhecem, de facto, o consenso científico e a realidade inegável de um planeta a aquecer progressivamente. Porém, optam por adotar uma perspetiva de irreparabilidade, envolvendo o nosso futuro coletivo num derrotismo generalizado. Esta atitude, baseada no medo, visa geralmente induzir as pessoas à mudança, ao salientar as terríveis consequências que se avizinham. No entanto, a história também nos oferece perfeitos exemplos de como estratégias baseadas no medo muitas vezes saem pela culatra, produzindo resultados contraproducentes.
De facto, tal como o negacionismo, o catastrofismo ecoa uma perigosa desconexão entre indivíduos e ambiente. À medida que as pessoas sucumbem a um sentimento de impotência perante a perceção de uma catástrofe iminente, acabam por se distanciar emocionalmente da urgência da questão, dificultando assim o tão necessário impulso para a adopção de políticas climáticas eficazes e minando a necessidade de uma mudança transformadora. Afinal de contas, se estamos todos destinados a um fado infeliz, porquê preocuparmo-nos? Porque não desfrutar simplesmente da nossa existência enquanto dura?
Para ser claro, a atual conjuntura planetária exige ações decisivas e o tempo para tal esgota-se a largos passos. No entanto, perante a urgência crescente, encontrar um equilíbrio adequado entre a esperança e a necessidade de resposta imediata revela-se extremamente crucial. Pessimismo em relação ao clima é um luxo ao qual não nos podemos dar.
Reconhecer a gravidade da situação não nos deve levar ao abismo do desespero; pelo contrário, deve servir como um convite à vigilância reforçada e a um compromisso inabalável. É imperativo que renunciemos aos raciocínios extremos e abracemos a realidade, conscientes de que as escolhas que fizermos em resposta a esta crise determinarão profundamente a trajetória do nosso futuro. Aliás, é fundamental termos presente que hoje dispomos de todos os meios para efetuar a mudança!
O Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC) traçou um caminho claro: reduzir as emissões de CO2 em 50% até 2030 e atingir “net-zero” até 2050, a fim de minimizar os impactos mais severos, sublinhando que a tecnologia, as directrizes e os fundos necessários para tal estão à nossa total disposição.
Assim, a noção de esperança, embora suscetível de ser considerada cliché ou como uma confiança de que tudo vai correr bem, é tudo menos isso. A esperança encarna o realismo, constituindo um empenho resoluto na exploração de possibilidades, e está longe de ser descabida; de facto, encontra-se muito bem fundamentada e documentada.
Então, o que nos impede de ser bem-sucedidos? Dê uma vista de olhos à atual conjuntura política global e aos interesses do mercado dos combustíveis fósseis, e aí obterá a resposta.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico.