Quem pagará o pato do Plano Nacional de Energia e Clima?
Tem sido afirmado que quanto mais energia renovável tivermos no sistema mais barata ficará a electricidade para os consumidores. A S&P Global prevê preços da energia à beira de um precipício em 2026 devido ao forte crescimento das energias renováveis, mas recomenda que os produtores tomem rapidamente medidas para equilibrar o investimento e atenuar o impacto de preços mais baixos e mais voláteis, acrescentando soluções de armazenamento e produção de hidrogénio. Caso contrário, os investimentos em energias renováveis e a transição energética poderão ser adiados, resultando em preços mais elevados durante mais tempo. Nada de surpreendente porque é expectável que as empresas invistam para ganhar dinheiro.
Com excesso de potência solar instalada, em muitos momentos a produção de energia solar excederá largamente a procura, tendo como repercussão a redução acentuada dos recursos despacháveis durante o dia e um aumento da necessidade de flexibilidade à medida que o sol se põe para continuar a dar resposta à procura. Se juntarmos a produção eólica à solar, o excesso durante o dia será ainda mais acentuado em dias de vento. A electricidade produzida tenderá para um valor de mercado zero quando a oferta ultrapassar a procura. Os investimentos só sobreviverão se a essas horas houver clientes que paguem pela electricidade um valor que permita a sustentabilidade do investimento e não houver às mesmas horas outros produtores, cá ou no estrangeiro, dispostos a vender mais barato!
Esta redução de preços reflectir-se-á no custo para o consumidor ou irão os consumidores pagar as perdas de rentabilidade das produtoras? Não havendo um aumento da procura alguns investidores correrão o risco de perdas financeiras. No entanto, a potência instalada de renováveis prevista no Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC) resultará num excedente de tal ordem que, se não for acompanhado pelo aumento da procura, e para que os produtores sobrevivam, alguém, consumidor ou contribuinte, irá pagar. E se excesso poderá trazer electricidade a preço zero durante o dia, como se reflectirá nos preços da energia ao fim da tarde? O pico de procura ao final da tarde exige a entrada em funcionamento de outras fontes de produção e, regra geral, vem acompanhada de um aumento de custos acentuado. Nos últimos meses, durante o dia, Portugal regista uma importação significativa de electricidade, beneficiando do excesso de produção em Espanha, e ao final da tarde, o preço dispara.
O consumo por indústrias electrointensivas que funcionem só quando existe produção renovável é atractivo? Dificilmente, apesar do investimento, de 60 mil milhões de euros, em renováveis. Mas é neste contexto que surge a aposta no hidrogénio verde. De acordo com o PNEC, “o aumento de capacidade instalada para a produção de eletricidade entre 2020 e 2030 (...) procura responder às necessidades de eletricidade decorrentes do desenvolvimento da indústria verde em Portugal. Neste contexto, prevê-se um desenvolvimento industrial acentuado em Portugal, que se traduz na existência de uma capacidade de eletrólise instalada da ordem dos 5,5 GW em 2030, adicionada da restante indústria dedicada à digitalização e transição energética”. Tal desenvolvimento contribuirá para 100 TWh de consumo de eletricidade, quase duplicando o consumo anual previsto no cenário conservador da DGEG para 2035.
Se 55TWh em 2035 seria uma catástrofe social, 100TWh em 2030 é pensamento mágico porque, mesmo que os electrolizadores previstos funcionassem 50% do tempo para produção de hidrogénio verde, o seu consumo seria 25 TWh/ano. A IEA (Agência Internacional de Energia, no acrónimo inglês) prevê um crescimento médio mundial do consumo de electricidade 3,3% ao ano. Em 2022, Portugal consumiu 50,4 TWh tendo crescido 2,4%. A estimativa para 2030 daria entre 59,5 TWh e 63,3 TWh (dependendo se usamos o crescimento actual ou o da IEA). Surpreendentemente o PNIEC espanhol apenas prevê 34% de aumento do consumo, apesar de um aumento substancial da produção e com arrojadas ambições de exportação. E Portugal poderá precisar...
A premissa do PNEC assenta no aumento significativo do consumo de electricidade. Com 100 TWh de consumo é previsível que se esgote quase toda a produção das renováveis durante o dia (parte para produção de hidrogénio), mas as necessidades não colmatadas pelas renováveis serão enormes ao cair da noite, excedendo uma procura superior a 6 GW cerca de 4000 horas por ano, levando a um défice significativo da capacidade de produção nacional. Mas será rentável produzir hidrogénio verde só quando houver excesso de electricidade? Se fosse sustentável financeiramente não seriam necessários subsídios! O apoio de 5,4 mil milhões de euros da Comissão Europeia é essencial ao crescimento do hidrogénio da Europa, na crença de que representa uma via para a reindustrialização. Em Portugal, produzir hidrogénio para exportar em vez de criar valor local justifica o investimento? Não existem melhores oportunidades para fazer parte do impulso global de investimento em tecnologias limpas?
Se pelo contrário o crescimento do consumo seguir a previsão da IEA, os valores de produção em excesso serão elevados durante o dia mas havendo previsíveis défices de produção no final da tarde. Qualquer das duas situações não é óptima! A introdução duma carga de base de produção de energia nuclear limitaria os problemas. Mas para a produção nuclear, de capital intensivo, ser rentável tem de ter quota razoável de funcionamento, o que obriga a limitar a penetração renovável intermitente. Os franceses sabem isto… e Portugal deveria fazer as contas!
Existem muitas promessas de electricidade barata, mas ninguém explica como tal milagre ocorrerá. O PNEC está pejado de intenções mas poderá não garantir a segurança de abastecimento. E o crescimento previsto de renováveis, mesmo acompanhado pela economia, poderá ter como consequência que, ou o consumidor/contribuinte paga, ou os investidores perderão. Não parece excelente como estratégia de futuro e não é difícil antever quem pagará o pato!