Uma companhia de cruzeiros britânica foi forçada a pedir desculpas aos passageiros que testemunharam o abate de aproximadamente 80 baleias-piloto nas Ilhas Faroé neste domingo. Os passageiros da Ambassador Cruise Line chegaram ao porto da capital de Tórshavn, onde uma caçada tradicional havia tornado o mar vermelho. Os caçadores utilizaram barcos a motor e um helicóptero para encurralar as baleias numa praia próxima, antes de as arrastarem com ganchos e as esquartejarem com facas.
A companhia de cruzeiros britânica rapidamente emitiu um pedido de desculpas aos passageiros que foram surpreendidos pelas imagens da caçada (Grindadráp em feroês). “Ficámos profundamente desapontados com a ocorrência desta caçada, especialmente numa altura em que o nosso navio se encontrava no porto, e apresentámos as nossas sinceras desculpas a todos os que estavam a bordo e que possam ter testemunhado este angustiante acontecimento”, afirmou a empresa num comunicado.
Embora a carnificina tenha apanhado a companhia de cruzeiros de surpresa quando chegou a Tórshavn, a empresa tinha conhecimento deste acontecimento anual. Numa carta de 2021 dirigida ao primeiro-ministro das Ilhas Faroé, o director executivo Christian Verhounig manifestou a sua consternação pela caça aos golfinhos ocorrida em Setembro. Nesse mesmo ano, a empresa associou-se à ORCA, um grupo de conservação marinha sediado no Reino Unido, numa campanha contra a caça à baleia e aos golfinhos.
Antes da viagem de Julho, a ORCA e a Ambassador tentaram levantar a questão junto do governo das Ilhas Faroé e do Visit Faroe Islands, o gabinete de turismo. As tentativas falharam. A companhia de cruzeiros também incentiva os seus hóspedes e membros da tripulação a rejeitarem a indústria, não comprando nem comendo carne de baleia ou de golfinho. O gabinete de turismo não respondeu aos pedidos de comentário do The Washington Post.
O conselheiro-chefe do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Cultura das Ilhas Faroé, Svein Magnason, afirmou numa mensagem por email que o turismo e a caça à baleia que ocorrem lado a lado “não causam preocupação ao governo, embora as caçadas possam ser uma visão dramática para os espectadores não familiarizados com o abate de mamíferos”. O governo local publicou posteriormente a mesma resposta numa declaração no seu sítio Web.
“Apesar de este tipo de caça tradicional ocorrer durante muitos anos nas Ilhas Faroé para sustentar as comunidades locais, opomo-nos veementemente a esta prática ultrapassada, que acreditamos estar agora a tornar-se comercial, com carnes a ser vendidas nos supermercados locais”, declarou a empresa.
Caça à baleia: um problema ambiental e de saúde
Durante séculos, os ilhéus que vivem no arquipélago isolado do Atlântico Norte dependeram do mar. A caça à baleia era o seu meio de subsistência. Actualmente, o país de cerca de 53.000 habitantes possui supermercados modernos e restaurantes de fast-food.
No entanto, os faroenses continuam a participar na caça às baleias, uma actividade comunitária que remonta a 1584, quando, conforme os registos governamentais, foram mortas quatro baleias-piloto. As imagens de uma praia repleta de baleias-piloto lembram a caça aos golfinhos em Taiji, no Japão, retratada no documentário, vencedor do Óscar de 2009, The Cove – A Baía da Vergonha.
A carne e a gordura são distribuídas entre os habitantes da ilha, e alimentam as pessoas, um dos argumentos usados na defesa da manutenção da caça. No entanto, os especialistas em saúde alertam para o facto de os cetáceos conterem níveis perigosos de mercúrio, metais pesados e poluentes.
Segundo a secção britânica da Whale and Dolphin Conservation, estudos recentes demonstram uma ligação directa entre doenças como Parkinson, hipertensão e aterosclerose das artérias carótidas em adultos das Ilhas Faroé e o consumo de carne de baleia-piloto. As crianças e grávidas estão especialmente expostas a um risco elevado.
As “grind”, como também são chamadas as caçadas, decorrem ao longo de vários meses, geralmente de Abril a Outubro, consoante a severidade das condições meteorológicas. O Verão costuma ser a época alta. “Se formos às Ilhas Faroé em Julho, o que esperamos?”, disse John Hourston, fundador da Blue Planet Society, um grupo sediado no Reino Unido dedicado a acabar com a caça. “A [companhia de cruzeiros] devia saber melhor.”
As baleias-piloto de barbatanas longas são um dos maiores membros da família dos golfinhos, ficando em segundo lugar em tamanho, apenas atrás da orca. Segundo a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica, esses animais altamente inteligentes medem de seis a oito metros de comprimento e podem pesar até duas toneladas, possuem cabeças arredondadas e boca voltada para cima, lembrando um sorriso.
O Visit Faroe Islands afirma no seu site que são mortas cerca de 800 baleias-piloto por ano, um número que o governo afirma ser sustentável. A Whale and Dolphin Conservation estima que a população mundial de baleias-piloto é de 800.000 a 1 milhão, e cerca de 100.000 residem nas águas das Ilhas Faroé. Até este ano, o governo registou 646 mortes de baleias, incluindo as 78 de domingo e as 445 de 14 de Junho.
As baleias não são o único alvo
Além das baleias-piloto, Hourston relatou que os caçadores têm como alvo outras pequenas baleias e golfinhos, como as orcas, os golfinhos-de-laterais-brancas-do-atlântico (Lagenorhynchus acutus) e as baleias-de-bico-do-norte (Hyperoodon ampullatus).
Em Setembro de 2021, os participantes mataram mais de 1400 desses golfinhos, uma contagem alarmante que obrigou o governo a limitar o número a 500. Não existe tal quota para as baleias-piloto, consoante informações da Whale and Dolphin Conservation. Nos últimos 20 anos, o grupo disse que mais de 20.000 mamíferos marinhos morreram nessas caçadas.
“É um desporto sangrento. Não é mais do que um passatempo de Verão”, disse Hourston. “Qualquer pequeno golfinho ou pequena baleia é apenas um jogo.” A União Europeia proíbe a matança de baleias e golfinhos; no entanto, o país autónomo do Reino da Dinamarca não é membro da organização.
Os funcionários do governo afirmam que as suas técnicas de caça melhoraram ao longo dos anos, embora os grupos de protecção dos animais discordem. A prática habitual consiste em prender um gancho no espiráculo – orifício respiratório que alguns animais marinhos possuem –, arrastar o animal para a praia, cortar-lhe a medula espinal e o fornecimento de sangue e cortar-lhe o pescoço com uma faca baleeira.
“É bárbaro e torturante, e realizado numa escala tão grande”, afirmou Hourston. “Essas pessoas vão precisar de apoio psicológico após verem isso.”
Na sua carta de 2021 ao primeiro-ministro, o director executivo da Ambassador Cruise Line deu a entender que a empresa poderia cortar as Ilhas Faroé dos seus itinerários se o país não tratasse da crueldade da caça.
Em 2014, a Disney eliminou o porto do seu programa; algumas companhias de cruzeiro europeias, como a AIDA e a Hapag-Lloyd, seguiram o exemplo. Nesta semana, a Ambassador explicou as suas razões para continuar a visitar o país, apesar das suas objecções à caça.
“Não apoiamos a caça ao vir aqui”, declarou a companhia. “Aproveitaremos sempre a oportunidade para lembrar às autoridades que os turistas querem maravilhar-se com a vida selvagem e não vê-la a ser morta.”
A directora executiva e co-fundadora da Animal Experience International, uma empresa canadiana especializada em viagens éticas com animais, Nora Livingstone, afirmou que os operadores turísticos não devem afastar os viajantes das tradições mais obscuras ou dos costumes mais inquietantes de um país. A exposição é uma forma de educação e pode ser um agente essencial de mudança.
“A caça às baleias é uma actividade extremamente dolorosa de ser testemunhada, mas ignorar essa realidade não ajuda nem os animais assassinados, nem a dar voz aos que participam da caça”, referiu numa declaração por email. “O proteccionismo para os viajantes só lhes permite ser ignorantes tanto em relação à cultura tradicional do lugar que visitam, como em relação aos seres sensíveis que estão a ser abatidos.”