Para ser competitivo lá fora, a qualidade do vinho português reclama outro preço
As visões de três jornalistas internacionais que estiveram na 7.ª edição do Alivetaste Sabores da Vida, que decorreu no Palácio do Freixo, no Porto.
Há pouco mais de um mês, uma das mais influentes críticas de vinhos do mundo, Jancis Robinson, admitia no Finantial Times que os vinhos portugueses deixaram de ser o segredo mais bem guardado entre os especialistas internacionais, especialmente no Norte da América. “É cada vez mais difícil ver os vinhos portugueses como outsiders”, escrevia a autora britânica, que prefere ser encarada como escritora em vez de crítica. Na Bélgica, na Alemanha e em Espanha, esta noção é mais evidente. A qualidade produzida em Portugal é incontestável, mas o país tem um problema de posicionamento no mercado, nomeadamente dos seus vinhos premium, apontam três jornalistas estrangeiros ouvidos pelo Terroir.
Os nossos vinhos são mais baratos do que aqueles que praticam França e Itália, por exemplo, nas mesmas categorias. E isso até pode ser positivo para a carteira de muitos portugueses, mas impede o sector de valorizar a qualidade que já tem. Um consumidor sem grandes conhecimentos em vinho tende a escolher a referência mais cara dentro de determinada gama — e isso não significa necessariamente que seja a melhor.
À margem da 7.ª edição do Alivetaste Sabores da Vida, que decorreu esta segunda-feira no Palácio do Freixo, no Porto, três jornalistas especializados partilharam as impressões sobre o vinho português, os territórios vínicos e gastronómicos que conheceram por cá no fim-de-semana, a convite da organização do evento, e, em geral, sobre o que aprenderam em vários anos a viajar pelo mundo do vinho, conhecendo regiões, produtores, terroirs e vinhos muito diferentes. A principal ideia que Kristel Balcaen (Bélgica), Thomas Hauer (Alemanha) e José Luis Murcia (Espanha) transmitiram ao Terroir é que Portugal terá de trabalhar melhor o posicionamento dos seus vinhos, de forma a valorizar, aos olhos dos consumidores, as suas referências de topo perante vinhos equivalentes de outros países.
“Se nos focarmos nos vinhos de alta categoria, percebemos que o posicionamento não é favorável à qualidade dos vinhos portugueses. Não será um problema agora, mas será no futuro. Portugal deve focar-se na qualidade e vender os grandes vinhos ao preço dessa qualidade”, diz Kristel Balcaen, belga da Flandres que escreve para diversos meios especializados e que, como freelancer, além de escrever sobre vinicultura é uma wine educator — “dou muitos cursos de educação para o consumo”.
“Uma das questões que vejo que Portugal terá de melhorar é o preço. Os vinhos portugueses são baratos comparativamente com Espanha e isso não é uma boa estratégia no longo prazo, porque dificilmente conseguirão competir com outros países”, acrescenta Thomas Hauer, jornalista que como freelancer escreve para várias publicações de enogastronomia.
José Luis Murcia leva muitos anos no mundo dos vinhos e da gastronomia. Como jornalista, mas também a liderar organizações, como a Asociación Española de Periodistas y Escritores del Vino (AEPEV), na qual foi reeleito presidente em Janeiro. A AEPEV “representa cerca de 200 profissionais, alguns da América do Sul, como jornalistas do México, da Argentina, do Chile ou Uruguai”, especifica.
Além disso, está no conselho de administração, como autor conselheiro, da FIJEV — Fédération Internationale des Journalistes et Écrivains des Vins et Spiritueux, com membros associados de mais de 60 países.
“O preço baixo dos melhores vinhos é um problema conjunto de Espanha e Portugal”, defende o espanhol que escreve regularmente para as publicações La Gazeta del Vino, a revista Gourmet e a Distribución y Consumo, uma revista trimestral da Mercasa, associação de carácter público que coordena uma rede de empresas públicas e de infra-estruturas comerciais e logísticas que pretende criar valor aos clientes, accionistas e à sociedade espanhola.
“Em geral, são demasiados baratos. Por exemplo, o Prosecco é um bom produto, mas simples. Para mim, abaixo do espumante português e do Cava espanhol. Mas a Itália soube posicioná-lo e vendê-lo mais caro”, enquadra José Luis Murcia. “Era importante para Portugal e para Espanha valorizar os seus produtos da mesma forma como a Itália valoriza”, analisa o especialista.
Produtores deviam ter "menos referências"
Kristel e Thomas levantam outras questões, que também interferem com o posicionamento dos vinhos portugueses, mas não só. “Pessoalmente, vejo problemas no grande número de referências que cada produtor cria. Qual é a lógica? Isto não beneficia estrategicamente, porque confunde os consumidores. Já há adegas que fazem isto: produzem menos referências. Ou seja, Portugal talvez se devesse concentrar mais qualidade do que quantidade”, assume Thomas Hauer. “E é muito complicado para o consumidor, porque se houver dez sparkling wines vai acabar por optar por um champagne, porque já conhece e é menos confuso”, acrescenta.
Já Kristel acha que a forma como os vinhos são baptizados para o mercado também não ajuda os consumidores de vinhos portugueses. “Os nomes dos vinhos atrapalham as escolhas, porque são complicados para os consumidores”, defende a autora que, em breve, lançará um livro onde Portugal e os seus vinhos e gastronomia foram incluídos.
“Tenho pronto um livro que vai sair em Outubro, como título Wine book for foodies [Wijnboek voor Foodies, na versão original em flamengo / neerlandês]. É sobre a harmonização de vinhos e comida e serão mencionados vinhos de várias regiões e com que comidas combinam. Portugal estará representado, porque é um país com produtos tão diferentes e muito característicos”, conta Kristel.
A propósito das harmonizações proporcionadas pelos vinhos portugueses: "Escrevo sobre comida, bebidas e viagens. E Portugal é um destino excelente para combinar tudo isto. Tem vinhos óptimos para harmonizar. Desta vez, andei pelo Douro, que é uma região maravilhosa, claro, mas é importante falar das outras regiões, porque todas têm vinhos e produtos espectaculares”, relata Thomas, sublinhando “as espectaculares paisagens e vinhas”.
Já José Luis Murcia, radicado em Ciudad Real (em Castela-Mancha), tem sempre as malas prontas e anda sempre em viagem pelo mundo do vinho. “Venho a Portugal com muita frequência, profissionalmente e de férias. Gosto muito dos vinhos portugueses e compro com muita frequência. Portugal tem algo que não têm outros países — talvez apenas Espanha e Itália: muitas castas autóctones que oferecem mais oportunidades”, explica.
“Esta é uma das grandes vantagens. Os vinhos portugueses têm muito a dar ao mundo, com a sua autenticidade e originalidade”, prossegue. “E, de cada vez que venho a Portugal, surpreendo-me”, admite, mencionando uma prova em que participou, promovida pelo enólogo (e amigo pessoal) Bento Amaral. “De 12 vinhos que apresentou, sete eu não conhecia. E olhe que eu apanho muitos vinhos portugueses”, conclui José Luis Murcia.
Sabores da vida à tardinha
A 7.ª edição do Alivetaste Sabores da Vida decorreu num ambiente que a organização, a cargo de Mário Rodrigues, que escreve sobre as áreas do vinho gastronomia e hotelaria há mais de 25 anos, pretendia “informal e criativo”.
O evento permitiu a troca de experiências e contactos entre profissionais ligados aos vinhos, gastronomia, turismo e comunicação social, este ano sob o mote "Terroir" e com uma novidade, a apresentação, pela Prochef de uma colecção de roupa para profissionais do sector inspirada em cores e paisagens africanas.
Pelo evento da Alivetaste, empresa que começou com um site sobre vinho, gastronomia e turismo, passaram cerca de 500 pessas, entre convidados — produtores e chefs, directores hoteleiros, empresários da restauração e responsáveis de entidades académicas e institucionais relevantes na enogastronomia e no turismo — e público em geral (este ano, havia alguns bilhetes à venda). No Palácio do Freixo, estiveram igualmente jornalistas e bloggers, nacionais e internacionais, como Kristel, Thomas e José Luis. Todos puderam provar vinhos seleccionados de 35 produtores de oito regiões vinícolas do país, e criações gastronómicas de 18 chefs.