Um romântico generoso e dois brancos sentimentais: eis os Melhores Vinhos de Lisboa

Concurso da CVR Lisboa atribui Grande Ouro ao Azulejo branco da Casa Santos Lima, ao Romeira branco da Enoport e ao generoso branco Villa Oeiras, do Município de Oeiras.

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Num ano em que a Região de Lisboa está a disparar para patamares “frenéticos”, adaptando para o quadro geral (consumo, vendas e exportações) um adjectivo que o presidente da CVR, Francisco Toscano Rico, utiliza em relação à evolução do enoturismo local, o concurso Os Melhores Vinhos de Lisboa deu o maior destaque a três vinhos com origens românticas e sentimentais. As medalhas de Grande Ouro caíram para a Casa Santos Lima (Azulejo, branco), para a Enoport (Romeira, branco) e para o Município de Oeiras (Villa Oeiras, generoso branco).

“Com este concurso de 2023, celebramos mais uma vez o trabalho dos viticultores de Lisboa e o percurso ímpar da região, com uma crescente notoriedade e reputação junto dos consumidores e críticos de vinho”, sintetiza Francisco Toscano Rico. O presidente da CVR Lisboa fala disto: as vendas totais em 2022 cresceram mais de 5,5 milhões de garrafas, as vendas na restauração nacional aumentaram acima dos 100 por cento, com os vinhos brancos de Lisboa a subirem mais de 25 por cento, o enoturismo na região cresceu, então, “a um ritmo quase frenético”, e a região está a exportar uma média de 100 garrafas por minuto e a atingir uma quota de mercado de 20 por cento (retirando deste quadro o vinho do Porto).

Tanta pujança na Região de Lisboa deve-se a um investimento forte na inovação, na diversificação de lotes, no progresso do sector. Mas a alma de um negócio tão viçoso ainda pode estar assente em razões mais sentimentais e românticas.

Um azulejo do século XVIII

Comecemos por uma história do Azulejo, que, no lote branco de 2022, levou mais uma medalha para a Casa Santos Lima, que mantém as principais instalações na Quinta da Boavista, em Alenquer, 45 quilómetros a norte de Lisboa, pertença da mesma família há cinco gerações.

“A marca Azulejo, brancos, tintos e rosés, já arrecadou 14 medalhas de ouro em anos recentes”, conta o proprietário da empresa, José Luís Oliveira da Silva. “O Azulejo tem cerca de oito anos e o rótulo vem da fotografia de um azulejo que eu tinha numa casa no Algarve, do século XVIII. Achei que daria um belo rótulo”, explica.

“É um vinho com Arinto, Fernão Pires e Sauvignon Blanc. Conseguimos um resultado final melhor do que cada casta individualmente”, assume, sublinhando que a Casa Santos Lima também produz bons monovarietais. “Se me perguntar se é o nosso melhor branco, eu diria que não, mas temos mais de 200 referências”, prossegue, referindo que o preço de venda ao público ronda os 3 euros e que a acidez e o carácter aromático do vinho o predispõem como um excelente aperitivo antes do jantar, entre outras ocasiões ou harmonizações.

Desta colheita foram produzidas cerca de 100 mil garrafas, sob supervisão do enólogo Hermano Veloso, num trabalho em rede da equipa de enologia da Casa Santos Lima, liderada a nível nacional por Vasco Martins. A empresa produz também nas regiões Algarve, Alentejo, Douro, Vinhos Verdes e Açores (a primeira vindima da Casa Santos Lima no Pico foi em 2022, esses vinhos chegam agora ao mercado). Exporta acima de 90 por cento da produção.

Mas é de Lisboa que estamos a falar e a Casa Santos Lima “é o maior produtor da região há muitos anos, com mais de 50 por cento dos vinhos de Lisboa” a serem produzidos pela empresa. “Exportamos a maioria da produção para 60 países e em muitos mercados temos muitos importadores, com muitas marcas em circulação simultaneamente”, explica. “Temos uma variedade muito grande de castas e centenas de hectares na Região de Lisboa, o que nos permite produzir várias combinações, tentando ir buscar o melhor a cada casta e fazer que dois mais dois seja igual a cinco. Ou seja, valor acrescentado.”

A escala da Casa Santos Lima é gigante para a realidade portuguesa e continua a crescer. A área de vinha que detém na Região de Lisboa, toda dentro do concelho Alenquer, totaliza 440 hectares. “Mas, à medida que obtemos as respectivas licenças na UE e em Portugal, temos vindo a aumentar área. E temos ido ao encontro do mercado, que pede mais brancos”, admite Oliveira da Silva, que defende que “em Portugal e no mundo, os vinhos que estão a crescer mais são os brancos, os espumantes, os chamados sparkling, os rosés e só depois os tintos, porque também partem de uma base de consumo mais alargada”.

As novas Caves Velhas

O Caves Velhas – Romeira branco 2022, que foi lançado há cerca de três meses como parte do plano da Enoport para a recuperação das Caves Velhas, ganhou a sua primeira medalha. “Sim, começou logo a ganhar”, reage Paula Faria, directora Executiva e Operacional da Enoport.

“As Caves Velhas eram uma empresa antiga de Bucelas e, para voltarmos à tradição, criámos uma marca-chapéu com esse nome. As Caves Velhas foram constituídas nos anos 1950 e compradas em 2002 pela Enoport. Era uma empresa multi-região, que tinha, por exemplo, vinhos do Dão”, explica.

Sob esse chapéu Caves Velhas, a Enoport lançou “há uns dois anos” o Romeira tinto e, este ano, o branco. Para maior precisão, nos últimos anos foram lançados o tinto, o branco monocasta Chardonnay, o rosé e, finalmente, este branco.

Mas o plano é mais ambicioso: o renascimento de uma marca com grande prestígio. “Fizemos um grande investimento no relançamento das Caves Velhas. Estamos a preparar o lançamento de um Romeira de uma gama acima, que terá divulgação num evento especial, mais para o fim do ano”, revela.

Além disso, a Enoport está a revitalizar as antigas instalações das Caves Velhas, no centro de Bucelas, e a recuperar as caves, que têm um dos seus encantos num túnel onde se armazenava vinho.

Sobre o vinho premiado, Paula Faria destaca que se trata de um branco da Região de Lisboa com uma mistura das castas Arinto, Chardonnay e Fernão Pires. “No terroir, destaca-se pelos solos calcários, tanto em Bucelas como no Cadaval, com influência atlântica, das serras em Bucelas à Serra de Montejunto, no Cadaval”, sublinha.

Na boca, “sente-se bastante que é um vinho acídulo”, pontua a executiva. E revela que a Enoport está preparada para produzir até 13 mil garrafas. “O vinho está a ter muito boa saída. Fizemos um enchimento de seis mil garrafas e vamos fazer outro em breve”, anuncia. O preço do Romeira branco 2022 na venda ao público ronda os 5,49 euros.

A elegância da princesa de Carcavelos

O outro Grande Ouro, dos três atribuídos no concurso, foi para o Villa Oeiras, um generoso branco produzido pelo Município de Oeiras. Com algum romantismo e muita efabulação, Alexandre Eurico Lisboa, coordenador técnico do projecto da vinha e do vinho da autarquia, diz que se trata de um vinho superior de um lote com 15 anos que remete para a elegância de uma princesa.

“O terroir da região demarcada de Carcavelos vai de Paço de Arcos a São João e apanha quase dez localidades”, começa por dizer. “É muito específico. Em Colares, há plantas completas de pé franco, sem enxertos, porque a filoxera nunca entrou e lhe deu uma dimensão de produtor nacional.” Ora, Colares, Bucelas e Carcavelos existem desde 1908, mas “são regiões milenares”. “Nestas regiões, há registos de trabalho na vinha e no vinho de há mais de mil anos. E há mais de 500 anos que fazemos vinhos em Carcavelos”, enquadra Alexandre.

Prosseguindo com a caracterização da região num tom de encanto e romantismo: “Na Região de Lisboa, com excepção do Estoril e da Arrábida, temos vento Norte-Noroeste, ou seja, vento de cara”, diz. “Colares está na primeira linha de mar em solos de areia. Recebe o vento de frente o dia inteiro, mas o vento acaba à noite. Entra em terra, sobe a Serra de Sintra e faz o conhecido ‘capacete de Colares’, provocando temperaturas mais baixas. Quando penso em Colares, penso num faroleiro, com pele coriácea, de impermeável amarelo, com mau feitio, mas cheio de histórias e generoso”, assume, para, então, se virar para casa.

“Em Carcavelos, não temos as encostas a poente, mas a sul, e temos ventos de Noroeste das nove da manhã às nove da noite. São vinhas com total exposição solar e com as videiras a fotossintetizar num quadro a sul. À noite, há uma inversão térmica e uma brisa atlântica morna. Quando penso em Carcavelos, penso na princesa a secar os longos cabelos todo o dia e à noite num spa com água salgada. Aqui temos a elegância”, analisa.

A longa história, com encantamentos, mas muitos detalhes preciosos para a produção dos vinhos generosos de Carcavelos (“na região demarcada de Carcavelos não há tranquilos, só generosos”), contada pelo coordenador técnico do projecto, é para chegar precisamente aqui: “O adjectivo para os vinhos da Carcavelos é esse, elegância”, insiste o arquitecto paisagista que trabalha na autarquia desde 1994 e que, desde que assumiu a gestão dos espaços verdes, em 2001, se manteve sempre como coordenador deste projecto.

Com a legitimidade da experiência, Alexandre Eurico Lisboa destaca o álcool, o açúcar, a acidez e a salinidade como as principais características dos vinhos de Carcavelos. “São vinhos muito frescos e muito ácidos e com uma expressão salina muito evidente, que aparece no final da prova, o que é estranho num vinho doce”, nota. “São vinhos muito encorpados, persistentes e com um final seco, o que é uma contradição no mundo dos vinhos”, insiste.

“Aqui, os vinhos são fortificados, generosos, e podem variar entre 15 e 22 graus de álcool. Nós gostamos de os fazer com 18 a 19 graus, porque baixando o álcool conseguimos abrir os outros aromas”, revela.

O vinho medalhado pela CVR Lisboa, o Villa Oeiras Generoso Branco Superior, é de um lote de 2021 que ficou entre os melhores 30 vinhos portugueses no ranking da revista Wine Enthusiast. “Ficou em 133.º em mais de 18 mil, sendo escolha do editor. O lote de sete anos foi medalha de platina, portanto, ficou nos primeiros 250 de entre 24 mil do mundo inteiro.”

Deste Villa Oeiras Generoso Branco Superior, produziu-se um lote final em 2022 de cerca de 45 mil litros. “Com o levantamento de mais hectares de vinha, a produção vai subir para 60 ou 70 mil litros já este ano. E, até final da década, chegaremos perto dos 100 mil litros”, informa. Neste momento, dos cerca de 31 hectares de vinha de Carcavelos, perto de 20 mil estão na Quinta Marquês do Pombal, centro de operações e produção do Município de Oeiras. “Nós abrimos as portas da adega para os produtores mais pequenos fazerem aqui os seus vinhos como quiserem”, conclui.

Para terminar, outra pequena história generosa”: “Thomas Jefferson [terceiro presidente dos Estados Unidos da América] escreveu e comprou vinhos aqui na Quinta do Marquês do Pombal”, conta Alexandre Eurico Lisboa com entusiasmo, sublinhando que até Jefferson, uma personagem de ressonância universal, na altura diplomata em serviço na Europa, se rendeu aos encantos eflúvios de Carcavelos.

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