Há alguns meses, Colleen Kane apercebeu-se de que estava a perder o contacto com o lado espiritual da vida. Sentia-se perdida. Para ela, reavivá-lo significava aproximar-se da Terra.
Assim, Kane, de 28 anos, voltou a práticas antigas que tinha começado nos seus 20 anos — mas que pouco tempo depois tinha posto de lado — e acrescentou outras novas, como analisar uma newsletter de astrologia e fazer rituais ao ar livre durante as fases de Lua Nova e Lua Cheia. Ou meditar com cristais. Procurando formas de conectar-se e de ser guiada pelos antepassados, os quais acredita que se manifestam por meio de uma energia misteriosa que une todos os seres vivos.
Num domingo recente, deitou-se no chão ao lado de uma dúzia de outras mulheres, todas nos seus 20 ou 30 anos, num estúdio escuro com tecto alto em Falls Church, na Virgínia do Norte. Estava iluminado apenas por um pequeno altar de canto, adornado com pequenas luzes, flores, cartas de tarot, terra, sementes e imagens de antigas figuras espirituais femininas, em celebração ao Dia da Mãe. Aí, uma líder do workshop falou sobre a "Big Earth Energy". A grande energia da Terra.
Estes workshops e quem neles participa fazem parte daquilo que os especialistas descrevem como uma ampla onda de espiritualidade e religião voltada para a natureza. Este movimento está a mudar tanto as denominações religiosas tradicionais nos Estados Unidos como aqueles que não possuem afiliação religiosa, mas encontram-se numa busca espiritual.
Espiritualidade e posicionamento político
De acordo com a empresa de sondagens PRRI (Public Religion Research Institute), quase 27% dos americanos afirmam não ter religião, comparando com 16% em 2006. Actualmente, representam uma percentagem maior da população do que qualquer outro grupo religioso e constituem 38% das pessoas com idades compreendidas entre os 18 e os 29 anos, segundo os dados da PRRI.
Alguns estão também, segundo os inquéritos, profundamente fartos da fusão entre religião e política. Uma sondagem da Pew Research — centro de pesquisa apartidário sediado em Washington, EUA — realizada no Outono passado revelou que 73% dos norte-americanos entre os 18 e os 29 anos afirmam que os locais de culto "deviam manter-se afastados dos assuntos políticos".
Muitos estão à procura de uma espiritualidade que tenha, antes de tudo, a ver com afinidade, crescimento pessoal e cura. E, embora a crise climática esteja a alimentar parte do interesse pela espiritualidade baseada na natureza, alguns dos que a praticam dizem que não são necessariamente atraídos pelo activismo ambiental.
"Não que haja algo de errado com o activismo social", disse Renee Shaw, co-organizadora do workshop de sábado. "Mas aqui estamos interessados numa modalidade de cura, e todos os processos naturais de cura vêm da natureza e de práticas antigas, e de fazê-lo em comunidade".
Práticas baseadas na natureza
Shaw pratica e ensina um tipo de kickboxing espiritual do Sudeste Asiático que entrelaça várias ideias místicas sobre temas relacionados com espíritos das árvores e sobre encontrar lucidez através da matriz de todos os seres vivos.
Rain Manarchuck, de 24 anos, outra aluna de Shaw, coloca a questão de forma um pouco mais directa: está farta de qualquer comunidade religiosa ou espiritual que seja exclusiva.
"Isto é: reunir-se, conectar-se à natureza. É isso. Pessoas que trabalham em contabilidade ou no boxe; não há alinhamento político. Todos cantam juntos, tentam conectar-se uns com os outros, é apenas uma cultura de aceitação e amor", declarou sobre o grupo. "É assim que a religião deveria ser".
Muitas das práticas baseadas na natureza que estão a surgir actualmente – incluindo a astrologia, os cristais e o xamanismo – têm milhares de anos. Mas os praticantes, como aqueles no Centro de Beleza e Bem-Estar de sábado passado, reflectem uma nova era, dizem os especialistas.
A partir de 2020, pela primeira vez, uma minoria de norte-americanos afirmou à consultora Gallup que faz parte de um espaço religioso. E quase metade dos americanos que não vão a cerimónias de culto disseram que uma das principais razões foi por "preferirem fazê-lo sozinhos". A geração Z e os millennials, em particular, não vêem as práticas baseadas na natureza como rebeldes ou alternativas.
"Tal como acontece com o género, tudo isto é tão aberto e fluido para as crianças", disse Shaw, falando sobre os adolescentes e pré-adolescentes que cria com a sua ex-mulher, que é episcopal (pertencente a Igreja Episcopal, liderada e governada por bispos. É uma das denominações cristãs mais comuns nos EUA). "Para eles, não é uma luta. Não é do género: 'Como é que integramos esse assunto?'. É mais como: 'Claro que reencarnamos. Claro que vivemos muitas vidas. Claro que somos episcopais e podemos acreditar em Deus'”.
A crise climática e a religiosidade
Esta época é também diferente devido à crise climática e ao intenso interesse pelo ambiente.
Os livros que oferecem novas investigações sobre a inteligência das árvores e das plantas têm estado no topo das listas de bestsellers há vários anos consecutivos. Entre eles, destaca-se o romance Sobre o céu (The Overstory, em inglês), vencedor do Pulitzer em 2019, uma carta de amor às árvores, que no livro se elevam literal e eticamente acima dos personagens humanos. Há também Braiding Sweetgrass: Indigenous Wisdom, Scientific Knowledge, and the Teachings of Plants (ainda sem tradução disponível em Portugal), sobre a relação recíproca entre as pessoas e a natureza.
"As espiritualidades naturais profundas estão a espalhar-se com rapidez por todo o mundo, especialmente desde a criação do Dia da Terra [em 1970], e estão a ganhar força", disse Bron Taylor, um académico de estudos ambientais da Universidade da Florida que é considerado um dos maiores especialistas em religião e natureza.
Em 2016, Taylor publicou uma longa análise dos impactos das principais religiões no meio ambiente (e chegou à conclusão de que é preciso mais pesquisa). Citou dezenas de estudos que mostram um conjunto crescente de evidências de que as experiências na natureza produzem o seu próprio tipo de transcendência e admiração.
A análise incluiu activistas ambientais que vêem a natureza como sagrada, cientistas que vêem a sua espiritualidade ligada à natureza e uma elevada correlação entre as pessoas que relatam sentir um "sentimento de admiração pelo universo" e serem ateus ou agnósticos. O crescimento do secularismo também está a alimentá-lo, diz ele, "como um terreno fértil".
O crescente interesse pela espiritualidade da natureza também é evidente entre os grupos religiosos institucionais. As organizações evangélicas estão a levar cada vez mais as pessoas para a natureza e a enfatizar a "interconexão" humana com outras formas de vida, em vez da "dominação sobre" — a estrutura considerada padrão no evangelicalismo americano — movimento cristão que surgiu após a Reforma Protestante — até recentemente. Ou novas áreas no seminário, como o mestrado em teologia e ecologia lançada pelo seminário da Universidade de Princeton em 2022 ou o certificado de cuidado com a criação que o Lexington Theological Seminary iniciou em 2020.
A rabina Jennie Rosenn, fundadora da Dayenu, uma organização climática judaica, destacou que o aumento das espiritualidades e práticas baseadas na natureza a que tem assistido se tem sido desenvolvido ao longo de décadas. Mas só agora é que a crise climática injectou um sentido de urgência em torno de questões e desafios existenciais e espirituais, afirma a Rabina. Até mesmo alguns grupos ambientalistas seculares, segundo afirma, começaram a dar formações espirituais destinadas a criar espaços seguros e acolhedores para lidar activamente com a ansiedade e o luto.
Mark Brown dirige o Lifelines, um ministério ao ar livre do grupo evangélico Cru — conhecido anteriormente como Campus Crusade for Christ. A Lifelines teve um aumento nos participantes das suas viagens ao ar livre: saltou de 750 em 2013 para 1800 em 2017, tendo depois caído ligeiramente durante a pandemia antes de recuperar no ano passado. Nos últimos anos, os evangélicos estão a renovar a sua abordagem teológica da natureza para incluir o respeito pelos povos indígenas e um cuidado mais rico com a própria Terra, explicou Brown.
Visão divina da natureza
Brown acredita que as pessoas procuram na natureza a cura para a ansiedade, a dependência do ecrã e o materialismo.
"Os jovens sabem que têm uma necessidade desesperada de se relacionarem com a Terra e de estarem ligados a ela. De uma forma orgânica. Estão a tentar descobrir como o fazer", afirmou.
Dan Misleh é o fundador do Catholic Climate Covenant, um grupo que ensina e defende, numa perspectiva católica, a ecologia e o impacto das alterações climáticas nos mais pobres. Uma ferramenta-chave usada pelo grupo é o documento histórico da igreja de 2015 Laudato si' do Papa Francisco, que considera a relação abusiva dos humanos com a Terra uma "ruptura do pecado".
O objectivo de Misleh é inspirar mais activismo ambiental entre os católicos, mas a Laudato si' não teve o impacto que ele esperava. Assim como Taylor e outros activistas e especialistas ambientais baseados na fé, Misleh descobriu que o renovado interesse espiritual pela natureza não se traduz necessariamente em acções de apoio a políticas específicas ou na mudança de comportamentos.
"O que eu vejo é que há cada vez mais pessoas preocupadas com as alterações climáticas, porque cada vez mais pessoas estão a vivenciá-las. Agora estão a fazer perguntas mais difíceis: o que é que a ciência diz? Como é que a minha fé informa a minha compreensão do meu lugar no universo?", afirmou Misleh.
Quando fala com o público católico sobre as alterações climáticas, "uma coisa que lhes digo é: saiam para o ar livre. Há uma quantidade incrível de diversidade neste planeta. Isso remete-me para Deus — para mim. E Deus pediu-nos para sermos co-criadores com ele, para cuidarmos desta jóia".
Esta linguagem — de sermos "co-criadores" — é significativa. Para as principais religiões monoteístas, os seres humanos têm uma relação única e especial com Deus; são os únicos seres vivos feitos à imagem de Deus. E, por sua vez, adoram apenas o criador, não a criação.
Energia recíproca com a espiritualidade
Para as pessoas do grupo de Falls Church, o principal objectivo da sua prática conjunta é um sentido de ligação profunda.
Desde Novembro, Shaw e as suas parceiras nos eventos mensais — Liz Trabucco, especializada num tipo de ioga espiritual chamado Kundalini, e Bianca Ardito, que se dedica à dança e ao movimento — têm organizado workshops mensais gratuitos em datas como o solstício de Inverno, a Lua Nova e o Dia da Terra. Trinta ou quarenta pessoas inscrevem-se a cada vez, diz Shaw, seja para praticar no estúdio ou ao ar livre, mesmo à chuva. Alguns exercícios são intensamente emocionais, com pessoas a chorar.
Fiona Nordemann, de 28 anos, trabalha no desenvolvimento de uma organização sem fins lucrativos na área da saúde. Tendo crescido num lar não religioso na Suíça, sempre encontrou significado e afinidade na natureza e nos animais, "que é a base de quem somos".
Nordemann tem-se juntado ao grupo desde Novembro, e valoriza o sentido de comunidade com pessoas que também procuram o crescimento interior, o apoio à saúde mental e a discussão da ética partilhada. As conversas de grupo têm-se centrado na forma de abordar a questão das pessoas em situação de sem-abrigo e das pessoas que trabalham sem cuidados de saúde. Sozinha, medita, pratica ioga e lê livros sobre a espiritualidade.
"Com a natureza, há algo que regressa a nós. Estas coisas estão vivas e a ligação com elas pode dar-nos energia", disse. "Não sei como as outras religiões fazem as pessoas sentirem-se, mas sinto que esta espiritualidade é recíproca."
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post