Em vez de ajudar a resolver o problema mundial dos resíduos plásticos, a reciclagem pode estar a agravar um problema ambiental preocupante: a poluição por microplásticos.
Um estudo recente sobre um centro de reciclagem no Reino Unido sugere que entre 6% e 13% do plástico processado pode acabar por ser libertado na água ou no ar sob a forma de microplásticos. Essas partículas minúsculas omnipresentes com menos de cinco milímetros são encontradas em todo o lado, desde a neve da Antárctida até ao interior dos corpos humanos.
“Esta é uma lacuna tão grande que ninguém sequer considerou, muito menos investigou realmente”, disse Erina Brown, uma cientista especialista na área dos plásticos que liderou a investigação na Universidade de Strathclyde em Glasgow, Escócia.
A investigação vem juntar-se às preocupações crescentes de que a reciclagem não é uma solução tão eficaz para o problema da poluição por plásticos como muitos poderão pensar. Apenas uma fracção do plástico produzido é reciclado: cerca de 9% em todo o mundo e cerca de 5% a 6% nos Estados Unidos, de acordo com algumas estimativas recentes.
O estudo foi realizado num único centro de reciclagem de plásticos, mas os especialistas afirmam que “as suas conclusões não devem ser tomadas 'de ânimo leve'”.
“É um estudo muito credível”, disse Judith Enck, uma ex-funcionária sénior da EPA (Environmental Protection Agency — Agência de Protecção Ambiental norte-americana) sob a presidência de Barack Obama, e agora presidente da organização Beyond Plastics. Esta especialista, que não esteve envolvida na investigação, nota: “É apenas uma unidade, mas levanta questões preocupantes e deve inspirar as agências de regulação ambiental a replicar o estudo noutros centros de reciclagem de plástico.”
Como a reciclagem de plástico funciona?
Embora existam diversos tipos de plástico, muitos especialistas afirmam que apenas os produtos feitos com os plásticos classificados como um e dois – números apresentados num pequeno triângulo, o símbolo da reciclagem, nas embalagens [o tipo 1 diz respeito a polietileno tereftalato, mais conhecido como PET, e o 2 é o polietileno de alta densidade] – são reciclados de modo eficaz nos Estados Unidos. Nos centros de reciclagem, os resíduos de plástico são geralmente seleccionados, limpos, cortados ou triturados em pedaços, derretidos e remodelados.
Não é surpreendente que esse processo possa produzir microplásticos, disse Enck. “O modo como os centros de reciclagem de plásticos funcionam implica muito atrito mecânico”, afirmou.
Brown e outros investigadores analisaram os pedaços de plástico encontrados nas águas residuais geradas pela unidade escolhida para este estudo. Estimaram que a instalação poderia produzir até 2,9 milhões de quilogramas de microplástico por ano, ou seja, cerca de 13% da massa total de plástico recebida anualmente.
Os investigadores também encontraram quantidades elevadas de microplástico quando testaram o ar nas instalações, declarou Brown.
O impacto dos filtros
O estudo também analisou as águas residuais da unidade após a instalação dos filtros. Com a filtragem, a estimativa de microplásticos produzidos caiu para cerca de 1,3 milhões de quilogramas anuais.
Mesmo com a utilização de filtros, os investigadores estimaram existir até 75 mil milhões de partículas de plástico por metro cúbico nas águas residuais da fábrica. A maioria das peças microscópicas era mais pequena do que 10 micrómetros – aproximadamente o diâmetro de um glóbulo vermelho humano – e não visível a olho nu. E mais de 80% abaixo dos cinco micrómetros, revelou Brown.
A responsável referiu que o centro de reciclagem estudado era “relativamente moderno” e optara por instalar filtragem. “É realmente importante considerar que muitas instalações, em todo o mundo, podem não ter nenhuma filtragem”, disse ela. “Podem ter alguma, mas não está de todo regulamentada.”
Embora sistemas de filtragem eficientes possam ajudar, Brown e outros especialistas defendem que não são a solução definitiva. “Não creio que possamos filtrar o nosso caminho para sair deste problema”, disse Enck.
Mais investigação e melhor regulamentação
Enck e outros especialistas em plásticos, não envolvidos na investigação, afirmam que este trabalho sublinha a necessidade de analisar a questão mais profundamente.
“As descobertas são certamente alarmantes o suficiente para merecerem uma investigação mais aprofundada e uma maior compreensão da dimensão do problema”, afirmou Anja Brandon, directora associada da política de plásticos dos EUA na Ocean Conservancy, uma organização sem fins lucrativos dedicada à preservação dos oceanos.
Ao contrário de outras formas que levam os microplásticos a acabar no meio ambiente, as unidades de reciclagem podem ser fontes identificáveis, declarou Brandon.
“Sabemos de onde vem a poluição (…) e podemos tomar medidas para fazer algo a esse respeito por meio de licenças, regulamentos e todo o tipo de regras que temos disponíveis”, afirmou. “Esta é uma área em que podemos agir, desde que aprendamos um pouco mais.”
Muitos dos requisitos de licenciamento ambiental nos Estados Unidos são baseados em normas antigas que deveriam ser actualizadas para reflectir “a melhor ciência disponível”, acrescentou Brandon.
Kara Pochiro, porta-voz da Association of Plastic Recyclers, uma associação comercial internacional que representa a indústria de reciclagem de plástico, disse que “as fábricas de reciclagem de plástico não têm todas os mesmos sistemas de tratamento de água, mas as unidades de reciclagem estão sujeitas a regulamentos nacionais, estaduais e locais, incluindo leis ambientais.”
“Todas as unidades de reciclagem de plásticos trabalham em estreita colaboração com o centro de tratamento de resíduos do município local, incluindo com amostras e testes de terceiros em intervalos acordados mutuamente”, salientou Pochiro. A EPA confirmou que analisará o estudo.
Continuar a reciclar
Apesar das conclusões do estudo, os especialistas enfatizaram que a resposta não é parar de reciclar.
“O que este estudo não nos diz… é que devemos parar de reciclar plástico”, afirmou Brandon. “Enquanto continuarmos a usar plástico, a reciclagem mecânica é realmente o melhor cenário para o fim de vida desses materiais, evitando a necessidade de produzir cada vez mais plástico.”
Os resíduos de plástico que não são reutilizados ou reciclados acabam geralmente em aterros sanitários, ou incinerados, disse Enck. É importante que as pessoas continuem a tentar reduzir a quantidade de plástico que utilizam.
“Esta não é a principal razão para este problema tão significativo com os microplásticos no ambiente”, advertiu. “Mas é potencialmente parte do problema e há uma ironia no facto de envolver a reciclagem.”