Dar boleia à bicharada — a importância de programas de reintrodução
Reintroduções são momentos mágicos para quem trabalha em conservação e restauro da natureza, ocasiões solenes para educação ambiental e uma das melhores soluções para reverter a perda de biodiversidade e bioabundância. Mas o que se entende por reintroduções? Porque são importantes? E que animais ou plantas reintroduzir?
Reintroduções são, segundo a IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza), “um movimento mediado pelo ser humano de organismos vivos de uma zona para outra”. Pode haver quatro tipos: reforços populacionais (para reforçar uma população ameaçada), reintrodução (para recuperar a distribuição histórica de uma espécie), migrações assistidas (movimento de uma espécie para uma nova área, fora da sua distribuição histórica) e substitutos ecológicos (solta de uma animal para desempenhar uma determinada função no ecossistema). Movimentos de animais são processos complexos, que devem ser desenhados para minimizar o stress nos animais e maximizar a probabilidade de sucesso, e as comunidades locais devem ser sempre consultadas.
Recuperar populações de animais é a chave para vivermos em harmonia com os limites do planeta. Ecossistemas funcionais armazenam grandes quantidades de carbono, filtram excesso de nutrientes e vários tipos de poluição, previnem e mitigam o efeito de incêndios e ajudam a armazenar água na paisagem. Mais do que apenas colocar animais em sítios onde desapareceram (reintrodução) e mover animais para sítios onde são pouco abundantes (reforço populacional), numa época de alterações climáticas é também importante mover espécies para novas zonas (migração assistida) e restaurar funções perdidas (substitutos ecológicos).
Inúmeras vezes o regresso de animais também cria oportunidades económicas, postos de trabalho, novos rendimentos e devolve vida a aldeias desertas, é olhar para os nossos vizinhos espanhóis com o birdwatching (observação de aves) na Extremadura, com o lince-ibérico em Andújar ou com o urso-pardo na Cantábria.
Em Portugal, Espanha e um pouco por toda a Europa, o abandono da atividade agrícola em terras marginais está a transformar antigos campos agrícolas em zonas de matos e floresta, com a melhoria de habitats e em alguns casos aumento da proteção legal, espécies raras são cada vez mais abundantes como o javali, o veado ou o lobo, de uma maneira passiva, pouco a pouco. Dando-lhe oportunidade, a natureza recupera.
Mas existem espécies em que o ritmo de expansão é lento, as populações demasiado pequenas ou os habitats estão demasiado fragmentados para recuperarem por si. O lince-ibérico é um bom exemplo, em perigo crítico de extinção no início dos anos 2000, programas de criação em cativeiro e solta em liberdade devolveram o lince a zonas de Portugal e Espanha. Outro exemplo é o castor na Europa, que passou de apenas oito populações-relíquias em alguns cantos do continente, no início do século XX, para hoje ser uma espécie cada vez mais comum e em expansão, muito devido à criação de novos núcleos populacionais.
Há imensas espécies que podiam expandir se, regressar ou chegar a Portugal, a lista é longa, desde espécies extintas, a espécies com um distribuição atual pequena quando comparada com a distribuição histórica até espécies que podem desempenhar funções perdidas a animais refugiados climáticos. Animais como castores e camaleões, de burros selvagens a focas-monge, de tartarugas terrestres a abutres até plantas como a tamareira ou a alfarrobeira.
É necessário aceitar que nunca se vai ter a informação toda, que programas de reintrodução são complicados e que imensas coisas podem correr mal, mas que numa época de extinções em massa o maior o risco é o de inação. É preciso passar de uma biologia sem ideias, fechada entre gabinetes de universidades, preocupada com caprichos. Para uma biologia oportunista, aberta a todos, no campo e mar, preocupada com o impacto da perda de biodiversidade e bioabundância a uma escala planetária e local, tanto nas pessoas como no meio natural.
Títulos como: Cabra Montesa de volta à Serra da Estrela depois de centenas de anos ou Tartaruga Terrestre à reconquista de Portugal ou Camaleões Mediterrâneos refugiados climáticos chegam à Serra da Arrábida cativam a opinião pública. O potencial para restauro ecológico é imenso, mesmo com todos os desafios que partilhar a paisagem com a vida selvagem coloca.
O renascer da natureza inspira e dá esperança. Queremos continuar a contar extinções ou começar a contar reintroduções? Gerir ecossistemas cada vez mais degradados numa espiral de declínio ou recuperar toda a complexidade dos ecossistemas e promover abundâncias? Conservação e restauro da natureza em modo trincheira ou uma conservação e restauro da natureza pró-ativa, oportunista e ambiciosa?
Faz falta dar mais boleias à bicharada.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico