O presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis), Rodrigo Agostinho, acompanhou um parecer técnico do órgão e negou nesta quarta-feira, 17 de Maio, um pedido feito pela Petrobras para perfurar a bacia da foz do rio Amazonas com o objectivo de explorar petróleo na região.
A decisão foi tomada após o Ibama demonstrar preocupação com as actividades da petrolífera numa região de vulnerabilidade socioambiental.
“Não restam dúvidas de que foram oferecidas todas as oportunidades à Petrobras para sanar pontos críticos de seu projecto, mas que este ainda apresenta inconsistências preocupantes para a operação segura em nova fronteira exploratória de alta vulnerabilidade socioambiental”, diz Agostinho no documento.
A perfuração inicial era alvo de pressão da Petrobras, do Ministério de Minas e Energia e até do líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que é do estado onde fica o local que a empresa pretendia perfurar. Como mostrou a Folha de São Paulo, no entanto, o Ibama já vinha indicando que faltavam estudos que comprovassem que a perfuração, mesmo que inicial e para estudos, não teria impacto ambiental.
O Ibama apontou especificamente a falta da chamada Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS). A Petrobras argumenta que o estudo não é obrigatório e que protocolou outros que demonstram a viabilidade do empreendimento.
Mas o parecer cita a ausência da AAAS como um importante obstáculo para a licença, uma vez que o potencial de impacto do empreendimento é grande e que a análise seria relevante por se tratar de uma nova frente de exploração dos recursos naturais brasileiros — seria a primeira vez que tal actividade seria permitida na região.
O Ibama afirma que a região da bacia da foz do Amazonas é de extrema sensibilidade socioambiental, por abrigar unidades de conservação, terras indígenas, mangais e grande biodiversidade marinha.
Segundo o órgão, a área abriga espécies ameaçadas de extinção, como o boto-cinzento, o boto-vermelho, o cachalote, a baleia-comum, o peixe-boi-marinho, o peixe-boi-amazónico e um cágado de carapaça negra conhecido por tracajá (Podocnemis unifilis).
O processo de licenciamento ambiental do bloco FZA-M-59 foi iniciado em 4 de Abril de 2014, a pedido da BP Energy do Brasil, empresa originalmente responsável pelo projecto. Em Dezembro de 2020, os direitos de exploração de petróleo no bloco foram transferidos para a Petrobras, que teve o pedido de licença definitivamente negado nesta quarta-feira.
É a segunda negativa para actividades de perfuração na região —em 2018, o Ibama negou a emissão de licença para cinco blocos sob controlo da empresa Total.
A exploração da foz do Amazonas era tida por ambientalistas como um dos empreendimentos de maior potencial de impacto no país actualmente, a par do asfaltamento da BR-319 —rodovia que corta a Amazónia — e a Ferrogrão (projecto de ferrovia que tem como objectivo escoar a produção de grãos do Centro-Oeste por portos da região Norte).
Após o anúncio da negativa, o Observatório do Clima, rede de entidades centradas na agenda climática, afirmou em nota que a decisão do Ibama protege um ecossistema virtualmente desconhecido e mantém a coerência do Governo Lula.
“O presidente do Ibama agiu tecnicamente e de maneira correcta, mas a decisão neste caso enseja um debate mais amplo sobre o papel do petróleo no futuro do país. O momento é de estabelecer um calendário para a eliminação dos combustíveis fósseis e acelerar a transição justa para os países exportadores de petróleo, como o Brasil, e não de abrir uma nova fronteira de exploração”, diz Suely Araújo, especialista-principal em políticas públicas da entidade e ex-presidente do Ibama.
Decisão técnica
Na segunda-feira (15), durante um seminário organizado pela Folha de São Paulo, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Brasil, Marina Silva (Rede), disse que a decisão sobre o pedido da Petrobras para perfurar a foz do Amazonas dependeria de critérios técnicos que considerassem a sustentabilidade ambiental, social e económica.
A afirmação foi feita no debate online Desafios do governo Lula para ambiente e clima, realizado com apoio da Open Society Foundations e mediado pelos jornalistas Cristiane Fontes e Marcelo Leite.
Ainda na segunda-feira, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), havia defendido num outro evento a possibilidade de a empresa estudar a bacia da foz do Amazonas. O “emedebista” também esteve no seminário organizado pelo jornal, mas num segundo painel.
Marina participou na conversa ao lado de Tereza Campello, directora socioambiental do BNDES, Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, e Mauricio Terena, assessor jurídico da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil). “É inegável que tenha altíssimo impacto ambiental, simbólico e político”, disse a ministra sobre a exploração na região.
Marina afirmou ainda que o Ibama tem autonomia em processos de licenciamento e que nunca foi pressionada a conceder licenças por decisão política. “No caso de Belo Monte, durante a minha gestão, [a licença] foi reencaminhada para estudos”, disse.
O Ibama concedeu licença à construção da central hidroelétrica apenas em Fevereiro de 2010, quase dois anos depois de Marina deixar o segundo Governo Lula. A sua posição contrária ao projecto foi, aliás, motivo de desgaste com o Presidente e desencadeou sua saída da pasta, à época.
Outro ponto levantado por Marina foi a necessidade de diminuir a pegada de carbono nas exportações brasileiras. Elogiou a atenção ao meio ambiente nos acordos firmados entre Lula e o líder chinês Xi Jinping e argumentou que o país asiático vai deixar de importar produtos de carbono intensivo. “Com isso, todo o mundo vai ter que fazer os deveres de casa. Nós podemos ficar trancados pelo lado de fora se o Brasil não compreender que precisa de exportar produtos de baixo carbono.”
Internamente, por outro lado, a China é um dos países que mais emitem CO2.
Os painelistas destacaram ainda a importância de um trabalho conjunto entre ministérios para reduzir o desflorestamento. “O desmatamento na Amazónia foi criado em grande parte pelo avanço da pecuária. Se não houver um ministério que cuide desse sector da economia e aja pela redução, fica muito difícil ter sucesso”, afirmou Astrini.
Exclusivo PÚBLICO/Folha de São Paulo
Nota da editoria: o PÚBLICO respeitou a composição do texto original, adaptando ao antigo acordo ortográfico e substituindo algumas palavras ou expressões não usadas em português de Portugal.
Colaborou Beatriz Gatti, de São Paulo. O projecto Planeta em Transe da Folha de São Paulo é apoiado pela Open Society Foundations.