Em 2019, os Coldplay anunciaram uma pausa nas digressões: voltariam quando os concertos fossem mais benéficos – ou menos prejudiciais – para o planeta. Agora, percorrem o mundo com a digressão Music of the Spheres, homónima do último álbum, e vão actuar em Portugal, no Estádio Cidade de Coimbra, desde quarta-feira, dia 17 de Maio, até domingo, dia 21. A tour da banda que vê o mundo “all yellow” promete ser muito verde, assumindo uma lista extensa de compromissos com o ambiente. Existe, no entanto, algum cepticismo quanto a estas promessas ambientais.
A cidade de Coimbra deverá receber mais de 200 mil pessoas para os quatro concertos do grupo de Chris Martin, o que representa uma pegada ambiental significativa. Por isso, a banda britânica assumiu mudanças no transporte, materiais, logísticas, uso de energia, alimentação e até no aconselhamento dado aos fãs para garantir que a digressão produz o mínimo de emissões possíveis.
E as que produzir? Os Coldplay, na secção de sustentabilidade do site oficial da Music of the Spheres, comprometem-se a “extrair mais CO2 do que a digressão produz, apoiando projectos baseados na reflorestação, rewilding, conservação, regeneração dos solos, captura e armazenamento de carbono e energias renováveis”. Para tal, “a digressão financiará a plantação – e a protecção ao longo da sua vida – de milhões de novas árvores, incluindo uma árvore por cada bilhete vendido”.
Quem se quiser juntar aos artistas na preocupação ambiental e ajudar a diminuir a pegada ecológica da digressão pode instalar a aplicação Coldplay, que incentiva a que se use meios de transporte com baixas emissões carbónicas. Quem se comprometer a fazê-lo tem direito a um código promocional. Além de receber um desconto, o uso da app contribui para que a banda possa medir a sua pegada carbónica, que se compromete a contrabalançar com soluções baseadas na natureza, como a reflorestação e conservação.
Depois de anunciar o regresso às digressões com um carimbo verde, a banda recebeu algumas críticas nas redes sociais por não abandonar completamente as viagens aéreas privadas. Além disso, foi acusada de greenwashing [quando uma entidade diz ser amiga do ambiente e não é] devido à parceria com a Neste, que, apesar de afirmar no seu site ser “líder mundial na produção de combustível de aviação sustentável, gasóleo renovável e soluções de matérias-primas renováveis”, é uma petrolífera ligada a um grande caso de desflorestação. Segundo um estudo da organização ambiental Friends of the Earth, citado no jornal britânico The Guardian, os fornecedores de óleo de palma da Neste foram responsáveis pelo “desmatamento de pelo menos 10 mil hectares de floresta em países como a Indonésia e a Malásia entre 2019 e 2020”.
"Nós não escolheríamos esses parceiros", indica Susana Fonseca, da associação Zero, ouvida pelo Azul e referindo-se à petrolífera Neste. No entanto, "não é isso que torna estes objectivos menos importantes", considera. "É melhor que façam alguma coisa do que não se faça nada, e têm uma extensa explicação daquilo que pretendem, o que é também um serviço educativo e de sensibilização ambiental." Além disso, o facto de a banda fazer uma série de exigências aos recintos onde actua pode ser positivo, comenta a vice-presidente da associação Zero, porque "se os locais tiverem cada vez mais este tipo de pedidos vão actualizar e adaptar as práticas até para outros eventos". Fica, no entanto, uma ressalva: é preciso perceber, no fim da tour, "como se concretizam os objectivos".
Energia renovável em palco
O termo dança energética nunca foi tão literal como nesta digressão. A pista de dança dos Coldplay produz energia cinética (a partir do movimento), que é usada para alimentar o palco, construído com uma combinação de material leve, baixo em carbono e reutilizável, como o aço reutilizável. Existem também bicicletas no recinto com o mesmo objectivo: quem estiver a assistir pode pedalar para gerar energia. Além disso, a energia necessária para os concertos será recolhida por painéis fotovoltaicos, dispostos em torno dos estádios, atrás do palco e “onde for possível”, lê-se no site da banda.
A banda britânica desenvolveu parcerias com diferentes marcas e instituições para tornar possíveis os seus objectivos ambientais. Juntamente com a BMW, desenvolveu “a primeira bateria de espectáculo móvel e recarregável de sempre – feita a partir de baterias recicláveis do automóvel BMW i3 –, que vai alimentar o espectáculo com energia renovável” onde quer que ele vá, afirmam. Aliou-se também à referida Neste, uma empresa petrolífera finlandesa, que deverá fornecer combustível “produzido 100% a partir de matérias-primas renováveis, principalmente resíduos e detritos, como o óleo alimentar usado”, garantem os Coldplay.
Ainda assim, os músicos afirmam que a digressão foi desenhada para que as viagens aéreas fossem diminuídas o máximo possível, mas que “não é possível evitar a 100%”. Garantem que vão voar maioritariamente e sempre que possível em voos comerciais; no entanto, dizem ser “inevitável” fazer por vezes viagens aéreas especificamente para a banda e toda a sua equipa. Para compensar, pagarão em todos os voos comerciais e não comerciais “uma sobretaxa para utilizar ou fornecer combustível de aviação sustentável (SAF), quer para uso próprio, quer para uso de terceiros”.
Os espectáculos dos Coldplay são pautados por uma imensidão de efeitos especiais, luzes, cores e confetti. Para manter a estética pretendida de forma sustentável, foram necessárias algumas adaptações. A banda diz ter actualizado o equipamento para um “sistema mais eficiente, com um sistema de iluminação e laser de ecrãs LED de baixo consumo e com um sistema de som com menos 50% de consumo de energia [em relação à digressão anterior]”, o que vai também, afirmam no site, reduzir drasticamente o ruído ambiental no exterior dos recintos.
Nos efeitos especiais, os confetti são 100% biodegradáveis e precisarão de menos gás comprimido para os lançar. As pulseiras LED que os fãs usam e que deixam rasgões de luz ao som da voz de Chris Martin são feitas de materiais à base de plantas, garante a banda, e são 100% compostáveis. Para manter a pirotecnia, o grupo diz ter recorrido a uma fórmula que precisa de menos carga explosiva e que reduz significativamente (ou quase elimina) químicos nocivos, acrescenta.
Para maximizar a eficiência de água, vai ser pedido aos recintos que instalem arejadores para torneiras (que reduzem o fluxo da água) e sanitas com pouca descarga e que reduzam a pressão da água para atenuar o desperdício. “Sempre que possível”, vão existir estações para que os fãs possam encher as garrafas reutilizáveis (que os Coldplay incentivam a trazer – mas, atenção, “sempre que possível”). O PÚBLICO contactou a promotora dos espectáculos em Coimbra para saber o que era “possível” nos concertos portugueses, mas não obteve resposta.
“Como sempre fizeram”, afirmam os Coldplay no site da digressão, vão doar 10% de todos os seus lucros a um “fundo para boas causas”, que serão distribuídos “entre projectos ambientais e de consciência social e instituições de caridade, incluindo ClientEarth, The Ocean Cleanup e One Tree Planted”.
Apesar de os Coldplay terem uma "máquina de marketing", como refere Susana Fonseca, reconhecerem o impacto que têm e "tentarem conscientemente diminuir isso", e estarem a dar "o exemplo, a chamar a atenção, e a assinalar esta como uma preocupação importante, é sempre bom", comenta a vice-presidente da Associação Zero.
Texto editado por Claudia Carvalho Silva