O Grande Lago Salgado estava prestes a desaparecer, mas teve uma mudança “milagrosa”

Um Inverno com quantidades de neve recorde nos EUA desencadeou uma recuperação do nível da água do lago, que no Outono se fixou num mínimo recorde.

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Uma placa avisa os barqueiros dos níveis baixos dos lagos na marina do parque do Grande Lago Salgado, em Magna, Utah, na quinta-feira. Todos os barcos foram retirados da marina no ano passado, devido aos baixos níveis de água do lago James Roh/The Washington Post

Há apenas três meses, um grupo de cientistas lançou um relatório com um aviso terrível: o Grande Lago Salgado do Utah, depois de décadas de uma seca que só acelerou nos últimos anos, estava prestes a desaparecer nos próximos cinco anos. No entanto, a neve que caiu em números recorde, atingindo uma altura de cerca de 20 metros em algumas zonas, trouxe uma réstia de esperança para aquele que é o maior lago de água salgada do Hemisfério Ocidental, um motor económico importante para o estado.

O Grande Lago Salgado tinha atingido valores mínimos recorde em Novembro quando o nível da água desceu para os 1,27 km acima do nível do mar, tendo perdido mais de 70% da sua água desde 1850, indica um relatório, publicado em Janeiro, de um grupo de investigadores da Universidade Brigham Young.

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Um mato de neve gelada derrete ao sol na quinta-feira em Brighton, Utah James Roh

Na quarta-feira, contudo, o lago já tinha subido um metro desde o ponto onde se encontrava há cinco meses, sobretudo devido à neve e chuva que caíram directamente no lago após uma série de tempestades carregadas de água durante toda a estação.

Esta temporada foi a sétima com maior número de nevões em Salt Lake City de que há registo, e está também entre as épocas com maior quantidade de neve de qualquer grande cidade dos EUA, chegando a atingir cerca de 2,20 metros de altura.

Celebrar com cautela

“Apesar de celebrarmos o nosso progresso, temos de continuar a dar prioridade aos esforços de conservação de água e tomar decisões sustentáveis de gestão de água para salvaguardar o futuro deste ecossistema vital e de todos os consumidores de água em toda a bacia [hidrográfica]”, disse Candice Hasenyager, directora de Divisão de Recursos de Água de Utah, num e-mail.

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Uma piscina de neve e água num trecho do leito do lago no extremo sul do Great Salt Lake esta quinta-feira James Roh

O manto de neve desta temporada promete elevar ainda mais os níveis de água durante as próximas semanas, à medida que a subida de temperatura vá derretendo a neve e assim que o escoamento entre no lago. A média do estado de neve acumulada, que é medida a partir do cálculo da quantidade de água contida na neve, alcançou os 76,2 cm na quinta-feira, superando o recorde de 1952 de 52,83 cm.

“A queda de neve deste ano é milagrosa. Depois de vários anos em seca, isto parece realmente uma resposta às nossas orações”, disse Ben Abbot, ecologista da Universidade Brigham Young, num e-mail. Abbot foi o autor principal do relatório de Janeiro, que deixou o aviso de que, se o lago desaparecesse, iríamos observar um “aumento generalizado da poluição do ar e da água, muitas entradas na Endangered Species Act [lei de espécies ameaçadas] e quedas na agricultura, indústria e na qualidade de vida em geral”.

Apesar da subida mais recente, o lago mantém-se quase dois metros abaixo do que é considerada “a altura mínima aceitável para a saúde ecológica e económica do lago”, segundo Abbott. O manto de neve, e o que acontece ao escoamento, é a chave essencial para que o lago consiga progredir rapidamente para um nível com mais 1,80 metros. Com um manto de neve acima da média, o nível do lago pode subir quase um metro, segundo a Divisão de Recursos de Água de Utah.

Mesmo que o nível da água recupere para um número “aceitável”, a sustentabilidade do lago a longo prazo vai depender das decisões sobre a gestão da água e dos esforços e conservação.

Uma quantidade recorde de precipitação neste Inverno em Utah já aumentou o volume do lago em cerca de um metro desde Novembro, quando foram atingidos níveis mínimos recordes e o escoamento da estação ainda não começou a sério James Roh
Moradores visitam o Grande Lago Salgado James Roh
Uma avalanche após a queda de neve James Roh
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Uma quantidade recorde de precipitação neste Inverno em Utah já aumentou o volume do lago em cerca de um metro desde Novembro, quando foram atingidos níveis mínimos recordes e o escoamento da estação ainda não começou a sério James Roh

“A precipitação considerável e os níveis de neve recorde melhoraram, sem dúvida, a situação do Grande Lago Salgado”, disse Hasenyager. “No entanto, é importante ter em atenção que é preciso mais do que um Inverno acima da média para reabastecer completamente os níveis de água do lago e enfrentar os desafios a longo prazo.”

Historicamente, a gestão do Grande Lago Salgado deu prioridade ao consumo humano da água e não à saúde da bacia hidrográfica, com a maior parte da água do rio e do riacho que flui para o lago a ser desviada para uso doméstico, empresarial e agrícola. Uma avaliação, realizada em Fevereiro por uma equipa de investigadores de Utah e funcionários do estado, constatou que 67 a 73% do declínio dos níveis da água se deve ao uso natural e humano da água.

Os níveis da água têm vindo a diminuir nos últimos anos por causa da seca intensa, causada provavelmente pelas alterações climáticas, e os impactos só têm vindo a diminuir devido à queda intensa de neve neste Inverno.

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Phragmites no extremo sul do Grande Lago Salgado em Magna, Utah, na quinta-feira. Os baixos níveis do lago proporcionam mais oportunidades para a propagação das espécies invasoras James Roh

Em Março de 2021, o monitor federal de seca mostrou que a maioria do estado estava em seca extrema ou excepcional, as duas categorias mais extremas das cinco categorias de seca. No último relatório, publicado na quinta-feira, a seca extrema e excepcional tinha desaparecido e a maioria do estado estava posicionado nas duas categorias menos severas de seca.

A redução do fluxo de água doce para o lago leva à existência de níveis muito altos de salinidade, que trazem consequências de grande escala, incluindo a libertação de poeiras tóxicas, má qualidade do ar, colapso de cadeias alimentares e a diminuição da quantidade de artémias que alimentam peixes e camarões vendidos em todo o mundo.

Uma avaliação de 2019 concluiu que um novo declínio dos níveis do lago poderia resultar em danos económicos entre os 1,69 mil milhões de dólares (cerca de 1,5 mil milhões de euros) e os 2,17 mil milhões de dólares por ano (1,9 mil milhões de euros), somando até 25,4 mil milhões de dólares e 32,6 mil milhões de dólares em perdas ao longo de 20 anos (de 23,1 mil milhões de euros e 29,7 mil milhões de euros, respectivamente).

Libertações mais controladas de água, tais como as organizadas por funcionários da cidade no início de Março, poderiam não só reduzir os riscos de inundação nesta Primavera, mas também ajudar a restaurar o nível de água do lago para valores saudáveis. No entanto, independentemente de quantas melhorias resultem do escoamento da Primavera, Abbott mantém-se fiel à ideia de que são necessários cortes no consumo de água, que ele e os co-autores recomendam no relatório do início deste ano.

“Temos de nos manter atentos à esfera da conservação”, disse Abbott. “Para repor o Grande Lago Salgado, precisamos de reduzir o nosso consumo de água entre 30 e 50 por cento.”

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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