Há mais recursos no oceano para além da vida marinha
Há uns dias, enquanto jantava com um grupo de amigos, alguém perguntou se Portugal tinha uma extensão muito maior do que a sua área continental. Começámos por discutir o significado de plataforma continental, de zona económica e exclusiva e do processo de extensão da mesma. Fiquei curioso e, antes de a conversa mudar de rumo, perguntei: “Quais as razões para querermos tanto território?”
Primeiro houve silêncio, depois houve referência às pescas, à biodiversidade e à proteção do oceano. Argumentos válidos, e críticos, no atual cenário de crise climática. Por coincidência, no final da conversa alguém perguntou se conhecemos o que existe no fundo do mar. Por ser aquele que mais próximo trabalha nessas áreas, respondi que não, que infelizmente não conhecíamos. A conversa prolongou-se por mais alguns minutos, mas sem nenhuma referência aos recursos não-vivos do oceano. Se o debate terminou por ali, esta persistiu na minha cabeça por mais alguns dias e este texto começou a ganhar forma.
O período compreendido entre 2021 e 2030 foi declarado pelas Nações Unidas como a década para as ciências oceânicas e para o desenvolvimento sustentável dos oceanos: a Década do Oceano. Se durante este período nada mais acontecer, que se celebre o envolvimento de Portugal no acordo alcançado pelos Estados-membros da ONU para o tratado de proteção da biodiversidade do alto-mar. Um processo que se prolongou por mais de duas décadas, que é um marco na política internacional e um passo importante para a proteção dos recursos naturais marinhos.
Que se celebre também a Conferência dos Oceanos da ONU, um encontro realizado há quase um ano, co-organizado pelos governos português e queniano, e que juntou no Parque das Nações, em Lisboa, líderes mundiais e decisores de alto nível para discutir assuntos relacionados com o oceano. Foi uma cimeira que, para além dos encontros políticos, contou com uma série de eventos paralelos geograficamente distribuídos por toda a grande Lisboa, para a promoção da ciência, da tecnologia e para a mobilização de recursos para o investimento em ciências do mar.
Apesar dos esforços, a literacia do oceano, ou a compreensão sobre a nossa influência no oceano e a influência do oceano em nós, é escassa, intermitente e ainda ao alcance de poucos. Acima de tudo, a comunicação sobre o oceano tem um viés e faz-se maioritariamente sobre os recursos marinhos vivos, negligenciado as áreas do conhecimento relacionadas com os recursos não-vivos do fundo do mar e do subsolo marinho.
Num período crítico de combate à crise climática, e que se quer rápido na transição energética, os recursos marinhos não-vivos, e a sua exploração sustentável e responsável, são essenciais e deviam ser uma prioridade nacional. Os recursos não-vivos do oceano podem contribuir para suprir a atual falta de minerais críticos essenciais na construção da tecnologia associada à produção de energia renovável.
Quer a infraestrutura, quer as baterias de grande escala necessárias para o armazenamento da energia produzida requerem grandes quantidade de minerais, como são exemplo o lítio, o cobalto e os elementos das terras raras. As previsões sobre a quantidade de reservas disponíveis destes minerais são inferiores às necessidades previstas, e a descoberta de novos depósitos potenciará a criação de cadeias de fornecimento mais seguras do ponto de vista ambiental e dos direitos humanos. Uma prioridade no atual contexto europeu.
Este tipo de recurso mineral é expectável que exista no fundo do mar e no subsolo marinho sob jurisdição nacional. Apesar do potencial nacional, não existem dados, ou uma grande infraestrutura de investigação de âmbito nacional que permita adquirir e processar novos dados, ou modelar de forma integrada e sistemática os poucos dados existentes. Falta uma caracterização detalhada da distribuição espacial dos recursos não-vivos no oceano português que nos permita ter uma posição de liderança na transição energética sustentável.
Desde 1975 foram criados 25 ministérios do mar, ou equivalente, mas a aposta na economia azul referente aos recursos não-vivos do oceano foi sempre residual. Com dois terços da década para o oceano pela frente, o combate à crise climática deve passar por priorizar os recursos marinhos não-vivos.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico