Portugal precisa de mais filantropia ambiental
Filantropia, palavra de origem grega que significa “amor à Humanidade”, a nível mundial vale cerca de 750 mil milhões de euros ao ano, as principais causas apoiadas são religiosas, humanitárias e nas áreas de educação e ciência e na área da saúde. Apesar de haver críticas, o perfeito é inimigo do bom, muitas iniciativas são autênticas, boas e inovadoras, e em muitos casos nunca teriam acontecido sem filantropia.
A nível mundial nenhuma área é tão importante e recebe tão pouco financiamento filantrópico como a conservação e restauro da natureza, apenas cerca de 2% a nível mundial. O mundo natural permite a vida na Terra, o ar que respiramos, a comida que temos no prato e o conforto material em que muitos de nós vivemos, mas mesmo assim continua esquecido.
A filantropia em Portugal é relativamente rara – duas das instituições mais antigas e marcantes nesta área são a Fundação Gulbenkian ou a Fundação Champalimaud –, e apesar de nos últimos anos ter crescido, como são exemplos os apoios da Fundação Francisco Manuel dos Santos, da Fundação José Neves ou da Fundação La Caixa, continuam a ser poucas as iniciativas.
Portugal está num ponto quente de biodiversidade, é um lugar especial para a vida selvagem, mas a conservação e o restauro da natureza no país são uma miragem. O ICNF, o instituto responsável pela conservação e pelo restauro da natureza no país, é quase uma nulidade, há pouco ou nenhum financiamento, ou “bolsos rotos”. As áreas protegidas são pouco mais que linhas em mapas. Condenações ou investigações europeias por não proteger as espécies e os habitat ou por não controlar espécies invasoras são comuns. Quanto à expansão de espécies ameaçadas, acontece à boleia de Espanha, ao longo da fronteira. Está mau, e o nível é baixo, por isso, o potencial para melhorar é imenso.
É preciso criar uma rede de verdadeiras áreas protegidas em terra e no mar, reintroduzir espécies extintas e reforçar populações ameaçadas, criar corredores de norte a sul, de este a oeste para ligar áreas naturais e reduzir o impacto das alterações climáticas. Para restaurar rios, florestas, pântanos e campos, e devolver vida a paisagens vazias. Para promover a coexistência com a vida selvagem, das grandes cidades às aldeias mais remotas.
A filantropia pode ajudar, não só com estudos, mas com ações no terreno, para evitar “estudar até à extinção” ou a fazer mais do que a famosa “produção de relatórios”. Com escala e ambição, não com alguns milhares de euros, mas com alguns milhões, não para uma espécie, mas para um ecossistema, não para jardinagem (alguns hectares), mas para uma paisagem (milhares de hectares).
Existem exemplos inspiradores um pouco por todo o mundo, a Wyss Foundation apoia a African Parks com mais de 100 milhões de euros. A African Parks é uma ONG que gere, num modelo de parceria público-privada, mais de 20 parques em África e fez e continua a fazer algumas das ações de restauro da natureza mais ambiciosas do mundo (elefantes, rinocerontes e muito mais). Ou a Fundação Tompkins, na América do Sul, que quase sozinha tornou o Chile um dos países líderes na preservação e restauro da natureza, com a criação e ampliação de várias áreas protegidas terrestres e marinhas, e na Argentina criou modelos pioneiros de restauro de grandes paisagens degradas. Uma história inspiradora, de pessoas e natureza.
A nível mundial tem havido novos compromissos de filantropia para o mundo natural. Em Portugal, recentemente a Viridia e a Fundação Oceano Azul começaram a financiar ações no terreno e no mar. São boas iniciativas, mas é preciso mais, muito mais. Organizações internacionais como a ONU, relatórios de consultoras, fóruns internacionais dizem o mesmo: é preciso mais recursos para o mundo natural e incluir filantropia é chave.
Investir em filantropia ambiental é investir num legado duradouro, é fazer a diferença, é ficar nos livros de história. Porque não que deixar um parque nacional ou uma área marinha como legado? Ou apoiar a reintrodução de uma espécie extinta ao fim de centenas de anos? Ou dar o nome a um corredor de vida selvagem?
Famílias com mais recursos, de nomes antigos a novas fortunas, porque não investir em algo mágico? Porque não investir na natureza?
Portugal precisa de mais filantropia ambiental.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico