O que é que se sabe sobre a influência das alterações climáticas nos tornados nos EUA?
Este Inverno trouxe uma actividade recorde de tornados em grande parte do Sul dos EUA.
A ligação entre o aquecimento das temperaturas globais e os fenómenos climáticos extremos é cada vez mais evidente, com ondas de calor sem precedentes e quantidades extraordinárias de precipitação. Embora seja mais difícil identificar a relação entre as alterações climáticas e a concentração de tornados - tais como os que causaram a morte de pelo menos 26 pessoas no centro dos Estados Unidos na sexta-feira -, os cientistas dizem que há motivos para acreditar que existe uma ligação.
Por exemplo, há “amplas provas” de riscos crescentes de tornados durante estações tipicamente com menos tempestades, diz John Allen, professor de meteorologia na Universidade Central do Michigan. Este Inverno trouxe uma actividade recorde de tornados em grande parte do Sul dos EUA.
Novos estudos sugerem que, à medida que as temperaturas médias aumentam, os tipos de tempestades intensas que frequentemente geram tornados estão a tornar-se mais comuns fora da região do Midwest, onde tradicionalmente estavam as regiões da “linha de tornados”. Um estudo recente prevê que até 2100 o número médio anual de “super-células” - tempestades maciças e rotativas conhecidas pela produção dos tornados mais severos - a atingir o este dos Estados Unidos aumentará 6,6%.
Isto sugere que também é provável que mais tornados ocorram, mas os cientistas ainda não estão preparados para o declarar. “Não há nada concreto para dizer que ‘sim, vamos ver mais tornados’”, explica John Allen.
Aqui estão os factores que influenciam quando, onde e com que frequência os tornados se formam.
Temperaturas altas significam mais “combustível” para tempestades
As temperaturas médias globais aumentaram mais de 1,1 graus Celsius desde o final do século XIX, e o impacto é claro: o ar mais quente fornece mais energia para que as tempestades se desenvolvam e intensifiquem, e retém mais humidade, o que também pode alimentar as tempestades.
O ar quente e húmido é um ingrediente chave para o desenvolvimento de tempestades severas. Estas tempestades, que podem originar tornados, surgem de demasiada instabilidade na atmosfera inferior - um choque entre o ar quente e abafado perto do solo e o ar mais frio e mais seco que está no topo. As tempestades formam-se como uma forma de restabelecer o equilíbrio na atmosfera.
Na prática, isto significa que o ar quente sobe rapidamente para a camada fria que está em cima, enquanto o ar frio corre em direcção ao solo. É este movimento que desencadeia a precipitação, quando a humidade no ar quente condensa, e também pode produzir rotação dentro das tempestades - que podem transformar-se em tornados.
Um clima cada vez mais quente significa um aumento dessa instabilidade, explica John Allen. Quanto mais quente o ar estiver mais próximo do solo, e quanto maior for a diferença de temperatura em relação ao ar acima dele, maior será a probabilidade de este subir e causar violentos confrontos atmosféricos.
Estação de tornados pode deslocar-se para Este
Um clima mais quente não aumenta necessariamente o potencial para tempestades de Verão, quando as condições quentes e abafadas tornam as tempestades da tarde mais comuns, explica Harold Brooks, investigador no Laboratório Nacional de Tempestades Graves em Norman, no estado de Oklahoma. É provável, contudo, que o aquecimento global tenha impacto em alturas do ano e em partes do país onde as temperaturas têm sido historicamente demasiado frias para produzirem tempestades severas.
Em algumas partes dos EUA, os tornados podem acontecer em todas as alturas do ano, mas a época tradicional dos tornados ocorre de Março a Maio e, em menor escala, em Outubro e Novembro - alturas de mudança de estação, em que as diferenças na temperatura do ar e nos níveis de humidade são mais prováveis.
Invernos cada vez mais suaves nos EUA significam que a instabilidade atmosférica que propicia tempestades que tendem a desencadear tornados pode estar presente com mais frequência no início da Primavera e no final do Outono.
Um estudo publicado em Janeiro na revista científica Bulletin of the American Meteorological Society revela que isto se poderia traduzir num aumento de 61% das “super-células” em Março e de 46% em Abril. Os investigadores também identificaram riscos crescentes de tempestades de tornados no Sudeste, com menos probabilidades em estados como Oklahoma e Kansas.
Para desenvolver as previsões, os investigadores criaram modelos da actividade das tempestades com base em projecções de aquecimento para as próximas décadas.
Walker Ashley, autor principal do estudo e professor de meteorologia e geografia de catástrofes na Universidade de Northern Illinois, disse à Associated Press que acredita que esta mudança já está em curso.
“Os dados que vi convenceram-me de que estamos a viver isto agora mesmo”, afirmou à AP três dias antes de um tornado EF4 (o segundo nível mais grave numa escala até 5) ter atingido o Mississípi, no final da semana passada, causando a morte de pelo menos 26 pessoas. “O que vimos nos dados a longo prazo está, na realidade, a ocorrer neste momento.”
Efeitos que limitam o desenvolvimento
Existem, no entanto, factores potenciais que limitam o desenvolvimento de tempestades e tornados.
Outro ingrediente importante para o desenvolvimento de tornados é conhecido como “gradiente vertical” da velocidade do vento, ou seja, as diferenças na velocidade do vento a altitudes variáveis. Níveis mais elevados deste gradiente (ou seja, diferenças maiores na velocidade do vento) ajudam as tempestades a organizarem-se em super-células e a desenvolverem a rotação necessária para os tornados.
Espera-se que o gradiente do vento diminua como resultado das alterações climáticas, explica Kimberly Hoogewind, investigadora da Universidade de Oklahoma, já que este é impulsionado por um contraste entre ar quente próximo do equador e ar frio no Árctico e esta diferença está a diminuir à medida que as regiões polares aquecem rapidamente.
E há ainda um fenómeno que os meteorologistas referem como uma “tampa” atmosférica sobre as tempestades. Se a camada de ar a dois ou três quilómetros acima do solo se torna demasiado quente, é necessária demasiada energia para que o ar quente e abafado sob ela se eleve e desencadeie tempestades. As alterações climáticas podem tornar mais forte esse efeito de tampa, conhecido como “inibição convectiva”.
Ainda assim, não é claro se essas influências se vão traduzir em menos tornados. Enquanto o gradiente da velocidade do vento e a inibição convectiva permitirem o desenvolvimento de tempestades nos dias em que o “combustível” para tempestades está presente, os riscos de tornados continuarão a ocorrer, explica a investigadora.
Tendências são difíceis de identificar
Há ainda um desafio central que complica qualquer análise sobre o que poderia conduzir ou inibir a formação de tornados: por mais ferozes que possam ser, os tornados são fenómenos minúsculos em comparação com a escala do aquecimento do planeta.
Modelos complexos são utilizados para projectar a meteorologia futura num clima em mudança, e, embora possam dar uma ideia razoável de como as médias e os extremos se vão deslocar, é difícil traduzir isso em algo que se desenrola ao longo de apenas alguns quilómetros, se não mesmo uma questão de metros.
“Eles estão numa escala tão pequena que nem sequer sabemos como pensar sobre eles à escala do clima”, explica Harold Brooks, do Laboratório Nacional de Tempestades Graves. “É fundamentalmente difícil”.
Texto traduzido por Aline Flor