O gás natural no mar do Algarve
Por muito alto que fosse um humano caminhando numa praia do Algarve não conseguiria ver, quando olhasse o mar, a linha de horizonte além de 5 a 6 quilómetros, ou seja, à volta de 3 a 3,5 milhas marítimas.
Se preferisse passear no alto de uma falésia com cerca de 30 metros de altura e quisesse escrutinar a superfície oceânica, poderia, com a sua visão natural ou aumentada por tecnologia óptica, alcançar até 21km (11,5 milhas). Isto, claro, se o dia estivesse límpido e pudesse circular sem restrições impostas por vedações de alguma grande unidade hoteleira ou mansão particular.
Mesmo que fossem militantes da tese "Terra plana" ou pertencessem a seita semelhante, não escapariam os passeantes à limitação imposta pela curvatura do planeta e, por isso, não poderiam ver um daqueles gigantescos hotéis flutuantes, que dão à costa pela manhã para descarregarem recolectores de bugigangas, caso circulassem além das mencionadas distâncias.
Porque as leis da física a isso obrigam, não se consegue vislumbrar, qualquer que seja a dimensão de agigantado mostrengo, estando ele além de 25/30 km da costa, e, assim sendo por razões científicas, nunca haverá sensível incómodo da comunhão com a natureza devido a objecto real com avultada dimensão e a tais distâncias.
É certo que há quem agite adamastores imaginários que, além das suas desmaterializadas, mas horrendas fauces, chegam mesmo a soltar subjectiva pestilência líquida e gasosa. Mas, a esses recomenda-se tomarem regularmente drageias culturais e lerem bons textos de ética comportamental, principalmente antes de irem debitar alarmismo a qualquer canal televisivo.
Imaginemos, então, que o quasímodo tem por alcunha FLNG. Clarificando: trata-se de uma unidade, ou plataforma flutuante, destinada a fazer a liquefacção de gás natural no mar alto (Floating Liquifued Natural Gas), e, sem vir para terra, carregá-lo em embarcações especializadas que transportariam o precioso vector energético liquefeito até Sines, Matosinhos, ou, mesmo, até à Madeira, Açores ou qualquer outro interessado na Europa. E há alguns que querem escapar aos monopólios e monopsónios que asfixiam as soberanias respectivas.
Está comprovada a existência de muito significativas reservas de puríssimo gás natural na costa algarvia longínqua (30 a 40 km), em quantidades que dariam para abastecer todas as necessidades portuguesas até cerca de 2050. Ali ao lado, em águas espanholas, isso já está a acontecer. O actual ministro da Economia repetiu há pouco tempo o que tinha dito há uma década: a 40km da costa algarvia existem reservas de gás natural suficientes para cobrir o consumo interno de Portugal durante 15 anos. E ele conhece bem o que fala.
Sabe-se que, nos tempos que correm, é um sacrilégio falar em aprovisionamento energético que não passe pela dogmática transição feita à base de fotovoltaicas, eólicas, hidrogénio verde, colossais carradas de miríficas baterias de acumuladores e extensões incomensuráveis de rede eléctrica de transporte e distribuição, tudo coisas que são e serão suportadas com fundos de financiamento públicos e/ou à custa da carteira dos consumidores.
É provável, por isso, que o colega do referido ministro que tem a pasta da dita transição já lhe tivesse dado amorosamente com o testemunho na cabeça, só para o recordar do testamento passado pelo antecessor, aquele pesado e fervoroso ambientalista que, nos intervalos, se deslocava em carros de elevada potência, movidos a destilados de petróleo, e, quase sempre, a velocidades adequadas à sua enorme e descuidada pressa.
Há poucos anos repicaram os sinos alertando para o atentado ao Algarve que seria explorar, no mar, a distâncias insusceptíveis de visualização objectiva, o recurso energético gás natural, não associado a petróleo, e, portanto, sem possibilidade de concretos impactos por contaminação das águas oceânicas relacionados com produtos líquidos ou sólidos. Muito menos seria credível que um significativo tóxico, devido a acidente, chegasse às apetecíveis e rendáveis praias algarvias.
Por muitos abaixo-assinados, por muito frequentadas que sejam as manifestações espontâneas cuidadosamente organizadas, dizer que é falsa a notícia propagada quanto às potenciais lesões socioeconómicas e ecológicas derivadas do gás natural que, em concreto, existirá abaixo dos fundos marinhos situados a cerca de 40km da costa.
O turismo e a pesca, se não forem pelo caminho da exploração despudorada que já asfixia muitos outros destinos mundiais ou que exauriram pesqueiros estratégicos, não serão afectadas pelo aproveitamento do vital recurso gás natural nos termos e condições preconizados na formulação acima registada.
Perigoso para os legítimos interesses algarvios, e do país, é a existência de estradas perigosas, a inexistência de cuidados hospitalares suficientes, carência de transportes públicos electrificados em ferrocarril, a escola pública depauperada, a ocupação de centenas ou milhares de hectares com painéis fotovoltaicos, o estrangulamento da pesca e a pornográfica especulação dos grandes grossistas e retalhistas. Até os desempregados de Matosinhos (Galp) e de Sines (EDP) poderiam encontrar solução mais credível numa plataforma FLNG do que nos muito apregoados empregos verdes.
E o que dizer do silêncio de todos os grandes defensores do ambiente, perante a hiperbólica proposta governamental para o eólico em offshore?
Portugal não pode nem deve sujeitar-se aos ditames da ignorância fundamentalista, prescindindo, como seria o caso, da exploração e utilização deste precioso recurso endógeno, desde que seja, obviamente, feita através de forma em que os interesses públicos, colectivos e naturais sejam salvaguardados. E, fazendo-o, o país nem põe em causa, por mais intangível que ela seja, a meta energético-climática prevista para 2050.