A inércia está a ser tão prejudicial como a falta de chuva
A água é um bem essencial à vida e as secas, cada vez mais frequentes em Portugal continental, exigem uma resposta capaz de enfrentar esta situação cada vez mais gravosa e que afeta, sobretudo, o Alentejo e Algarve.
As alterações climáticas estão a colocar a Europa à beira de uma catástrofe, provocando uma redução das reservas de água subterrânea, devido à grave escassez de água durante os meses de verão que, desde 2018, se tem vindo a prolongar ano após ano. Desde então, não houve um aumento significativo nos níveis de águas no subsolo, que se apresentam constantemente baixos. O alerta provém dos resultados de um estudo publicado na revista científica Geophysical Research Letters através da utilização de gravimetria por satélite para recolha de dados, por forma a observar os recursos hídricos subterrâneos e documentar as mudanças observadas nos últimos anos.
Em Portugal, este alerta foi precedido pelas graves consequências que a seca endémica, registada nas regiões a Sul do rio Tejo, tem provocado na agricultura e diversos setores da economia, com destaque para o impacto severo a nível dos habitats naturais. Em fevereiro de 2022, mais de 60% do território de Portugal continental estava em seca extrema, de acordo com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera. Soaram as campainhas de alarme, mas pouco tem sido feito e as medidas veiculadas, designadamente nos Planos de Eficiência Hídrica, ficam-se pelas intenções.
Contudo, segundo a Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos, Portugal consome apenas 7,5 mil milhões de metros cúbicos de água por ano – 7% vão para o consumo doméstico, 5% para a indústria e 87% para a agricultura – quando as reais disponibilidades são de 112 mil milhões de metros cúbicos (100 mil milhões estão nos sistemas aquíferos e 12 mil milhões nas albufeiras).
Estes valores indicam que o problema da seca incide principalmente na má gestão dos recursos hídricos que não deixa a água chegar onde faz falta. Diria ainda que alguns dos projetos recentes, e que serão desenvolvidos no âmbito do financiamento do Mecanismo Europeu de Recuperação e Resiliência, pecam pela parcialidade e timidez, quando seriam necessárias, por parte do Governo, soluções arrojadas e integradas.
Não se vislumbra intenção do Executivo em renegociar a Convenção de Albufeira, ficando-se pelo anúncio de Portugal e Espanha “continuarem a dialogar e a procurar soluções para minimizar os impactos da escassez da água”. Permanecemos no campo das intenções.
É tempo de passarmos à ação e abordarmos a questão dos transvases sem preconceitos.
A pior forma de gestão hidrográfica é continuar a acenar com o fantasma dos transvases por um lado e por outro ignorar que criar um adutor isolado de captação a partir do Rio Guadiana no âmbito do Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve é insuficiente.
Sejamos claros: já existem transvases em Portugal, apenas lhes é conferido outro nome. O sistema Alqueva, na bacia do Guadiana, faz transvases para o Rio Sado. Apelidado de “adução de água” desenvolve-se entre a barragem do Alqueva até à Barragem de Vale do Gaio, interligando Álamos, Loureiro, Pisão e o circuito hidráulico de Odivelas, cobrindo uma apreciável dimensão de território.
Quanto à prevista captação junto ao Pomarão, em Mértola, e sua adução até à albufeira de Odeleite, limitar-se-ia ao abastecimento parcial dos usos urbanos, turísticos e agrícolas da parte leste da região algarvia.
Será isto suficiente, quando o maior aquífero do Algarve, (Querença Silves) se encontra em estado medíocre, por diminuição do seu nível devido à seca, e as barragens algarvias mantêm níveis muito baixos?
O combate às alterações climáticas é uma urgência que justifica, sem dúvida, uma gestão criteriosa e o máximo aproveitamento da água disponível. Justifica também que os projetos futuros sejam alvo de uma dimensão adequada. Por exemplo, que critério técnico fundamenta a criação de uma única estação de dessalinização no continente?
É tempo de se iniciar um projeto sério sobre os transvases. Estas são infraestruturas cujas canalizações, abertas ou fechadas, podem ser desenvolvidas dependendo dos quilómetros em que a água vai ser transportada e da evaporação existente nas respetivas zonas, o que permitem interligar os grandes sistemas, levando água onde ela abunda para zonas onde escasseia.
Lisboa é um exemplo paradigmático. A cidade não consome água de nenhum furo, nem de uma captação próxima. A água vem de um ponto longínquo, uma solução técnica baseada na análise de onde havia água em quantidade e qualidade suficientes para levar da origem ao seu destino. Se é possível em Lisboa, porque não estendemos o exemplo a outras cidades do país?
Lamentavelmente, não estão a ser feitos os aproveitamentos da água que temos e esta inércia só agrava as problemáticas condições resultantes das alterações climáticas.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico