Claude Monet estava “aterrorizado”. Olhou pela janela e viu um cenário na paisagem londrina que o preocupou: sem nevoeiro, céu limpo. “Nem um pouco de névoa”, escreveu numa carta a 4 de Março de 1900 à sua esposa, Alice, enquanto o pintor francês visitava Londres. “Estava perplexo, e só podia ver todas as minhas pinturas terminadas.”
Depois, segundo escreveu em cartas traduzidas pelo museu Tate Modern, gradualmente acenderam-se fogos, e fumo e névoa da poluição industrial regressaram aos céus. O seu trabalho continuou.
Um novo estudo, publicado no dia 31 de Janeiro nas Actas da Academia Nacional das Ciências, analisou as mudanças no estilo e na cor em quase 100 quadros de Claude Monet e de Joseph Mallord William Turner, que são conhecidos pela sua arte impressionista e que viveram durante a Revolução Industrial da Europa Ocidental do séc. XVIII e XIX. O estudo descobriu que, à medida que a poluição atmosférica aumentou ao longo das carreiras de Turner e Monet, os céus nas suas obras ficaram também mais nebulosos.
“Os pintores impressionistas são conhecidos por serem extremamente sensíveis a mudanças na luz e no ambiente”, disse a cientista atmosférica Anna Lea Albright, autora principal do estudo. “Faz sentido que eles fossem muito sensíveis não só a mudanças naturais no ambiente, mas também a mudanças provocadas pelo homem.”
Transformar o céu
O início da Revolução Industrial transformou as vidas e os céus de Londres e Paris, as cidades natais dos pintores, em formas nunca antes vistas. Fábricas de combustão de carvão aumentaram as oportunidades de emprego, mas escureceram a atmosfera com poluentes nocivos, tais como o dióxido de enxofre.
Grande parte da mudança é notória no Reino Unido, que emitiu quase metade das emissões globais de dióxido de enxofre de 1800 a 1850; Londres foi responsável por cerca de 10 por cento das emissões do Reino Unido. A industrialização de Paris foi mais lenta, mas o aumento de dióxido de enxofre na atmosfera era notável após 1850.
Os poluentes atmosféricos podem alterar significativamente, de formas visíveis ao olho nu, a aparência de paisagens. Os aerossóis tanto podem absorver como dispersar a radiação solar. A dispersão da radiação diminui o contraste entre diferentes objectos, fazendo-os misturar-se mais. Os aerossóis também espalham luz visível de todos os comprimentos de onda, o que produz tonalidades mais brancas e luz mais intensa durante o dia.
Turner, um dos pintores mais prolíficos da Grã-Bretanha, testemunhou, durante a sua vida, os desenvolvimentos dramáticos em primeira mão — nasceu em 1775, na era da vela, e morreu na era do vapor e do carvão, em 1851.
Num dos seus trabalhos mais famosos, Chuva, Vapor e Velocidade – O Grande Caminho-de-Ferro Ocidental, pintou um comboio, a última maravilha da engenharia que permitiu às pessoas viajar a velocidades sem precedentes, prestes a atropelar uma lebre, o mamífero terrestre mais rápido da Grã-Bretanha. No entanto, os pormenores do quadro podem ser quase difíceis de discernir – névoa e nevoeiro escurecem grande parte da obra, destacando a crescente poluição do ar.
De acordo com o estudo, a nebulosidade neste quadro não foi um incidente casual ou pontual. A equipa examinou 60 obras de Turner de 1796 a 1850 e 38 obras de Monet de 1864 a 1901. Com recurso a um modelo matemático, compararam a nitidez dos contornos de objectos em relação ao plano de fundo; menos contraste significava mais névoa. Também olhavam para a intensidade da névoa medindo os níveis de branco; matizes mais brancos indicam geralmente uma névoa mais intensa.
Os investigadores descobriram que cerca de 61 por cento das alterações no contraste das obras acompanhavam o aumento da concentração de dióxido de enxofre nesse período de tempo. Encontraram também uma tendência no uso de tons mais brancos, mas puseram menos ênfase nestes resultados, uma vez que os pigmentos nas próprias pinturas podem ter desaparecido com o tempo.
As transformações visuais são acentuadas
Na obra de Turner Apullia em Busca de Appullus, de 1814, são notórias as arestas mais nítidas e um céu limpo. Em Chuva, Vapor e Velocidade – O Grande Caminho-de-Ferro Ocidental, pintado 30 anos mais tarde, dominam os céus nebulosos. Durante esse tempo, as emissões de dióxido de enxofre foram mais do que o dobro.
O início da carreira de Monet também diverge do seu fim. A obra Jardim em Sainte-Adresse, de 1867, contrasta fortemente com a série Casas do Parlamento, que começou por volta de 1899, quando passou algum tempo dentro e fora de Londres durante vários meses.
A equipa também avaliou a visibilidade, a distância à qual um objecto pode ser visto claramente, e descobriu que a visibilidade nos céus limpos de Turner e nas pinturas enevoadas antes de 1830 era, aproximadamente, de cerca de 25 quilómetros, mas diminui para dez quilómetros depois de 1830. Em várias obras da Ponte de Charing Cross, estima-se que o objecto visível mais longínquo estivesse a cerca de um quilómetro de distância.
“O impressionismo é frequentemente contrastado com o realismo, mas os nossos resultados sublinham que as obras impressionistas de Turner e Monet também capturam uma certa realidade”, disse o co-autor Peter Huybers, um cientista climático e professor na Universidade de Harvard. “Especificamente, Monet e Turner parecem ter mostrado realisticamente como a luz solar é filtrada pelo fumo e pelas nuvens.”
Talvez, alguns poderiam argumentar, o estilo de pintura de Turner e Monet tenha mudado ao longo das décadas, dando origem ao que agora chamamos arte impressionista. Mas os investigadores também analisaram o contraste e a intensidade em outras 18 pinturas de quatro outros artistas impressionistas (James Whistler, Gustave Caillebotte, Camille Pissarro e Berthe Morisot) em Londres e Paris. Encontraram os mesmos resultados: a visibilidade nas pinturas diminuiu à medida que a poluição atmosférica aumentava.
“Quando diferentes artistas são expostos a condições ambientais similares, pintam de formas mais similares”, disse Albright, com sede na École Normale Supérieure, em Paris, “mesmo que isso aconteça em diferentes pontos da história”.
Mais velhos, poderiam eles estar apenas a ver pior?
No seu resumo, o estudo também aborda a possível teoria de que a visão de Turner e de Monet piorou à medida que envelheceram, o que poderia afectar a sua capacidade de pintar uma paisagem clara. Mas Turner pintava objectos em grande detalhe no primeiro plano das obras enquanto desfocava os no plano de fundo, disse Albright. Monet não desenvolveu cataratas até décadas após ter começado as pinturas impressionistas.
Houve oftalmologistas, disseram os autores numa entrevista, que também avaliaram a visão dos artistas. Michael Marmor, professor de Oftalmologia em Stanford, disse: “Monet não era míope; Turner não tinha cataratas.”
Adicionalmente, as cartas de Monet para a sua mulher, enquanto vivia em Londres, fornecem provas convincentes de que ele estava perfeitamente consciente das mudanças ambientais à sua volta. Em algumas cartas, Monet até lamenta a ausência das novas indústrias para iluminar a sua criatividade: “Tudo está como morto: nenhum comboio, nenhum fumo ou barco, nada para excitar um pouco a imaginação.”
Inspiração na mudança
James Rubin, historiador de arte, que não esteve envolvido neste estudo, considera a investigação fascinante pela sua análise dos pigmentos e a progressão da desfocagem.
“O estudo providencia uma base empírica para o que os historiadores de arte observaram”, disse Rubin, que é um professor emérito de História da Arte na Universidade de Stony Brook, Universidade Estatal de Nova Iorque. “Estes artistas estavam certamente preocupados com e num período de mudança atmosférica.”
Rubin acrescentou que ambos os artistas foram buscar inspiração às mudanças ambientais que os rodeavam, mas certamente de perspectivas diferentes. O historiador resume-o: Turner era geralmente antimoderno. Monet estava pronto para celebrar a modernidade, que, para ele, sinalizava mudança.
Por exemplo, Rubin disse que se compreende actualmente que Chuva, Vapor e Velocidade – O Grande Caminho-de-Ferro Ocidental não é uma celebração de uma nova tecnologia.
“Qualquer pessoa que pense sobre a aparência do comboio pode ver que não passa de uma fornalha sobre rodas”, acrescentou. “Muitas pessoas temiam a velocidade à qual estes engenhos podiam viajar — a cerca de 56 km/hora.”
Em contraste, Monet enaltece efeitos estéticos da luz que se reflecte das nuvens no ar poluído e “celebra o espectáculo da mudança moderna”, segundo Rubin.
De O Grito até A Noite Estrelada
As pinturas que retratam mudanças ambientais e meteorológicas não são algo de novo. Alguns meteorologistas argumentam que O Grito, de Edvard Munch, ilustra nuvens polares estratosféricas. Alguns assinalam A Noite Estrelada, de Van Gogh, exactamente às 21h08 de 13 de Julho de 1889, em Saint Rémi Provence, França. Outras obras de Turner representam com precisão pores do Sol que ocorreram durante erupções vulcânicas, que se apresentam mais vermelhas devido à dispersão através da estratosfera carregada de aerossóis.
Fred Prata, cientista atmosférico, que analisou a meteorologia de O Grito, de Munch, disse que este estudo reforça a sua visão de que “a arte e a ciência são muito mais interligadas do que a maioria das pessoas acredita.”
Albright afirma que este estudo, na sua opinião, é “o primeiro a olhar para as mudanças antropogénicas no ambiente e como os artistas a podem ter captado em pintura sobre tela” e ao longo do tempo.
Artistas e outros que viviam nesta época em Londres e em Paris “estavam conscientes das mudanças na poluição atmosférica e envolvidos nessas mudanças,” disse Albright. “Talvez pudesse ser uma espécie de paralelo com a forma como a sociedade e os artistas da actualidade respondem a estas mudanças sem precedentes que experimentamos”, acrescentou.