Complexo Verdelago: pode o ministro fechar os olhos?
“Foi com bastante perplexidade que, este ano, de férias no Algarve, me deparei com a edificação do complexo Verdelago, na Praia Verde, em Castro Marim. Presumo que o Sr. Ministro do Ambiente e Ação Climática também se terá deparado, quando assumiu a pasta, com este escandaloso empreendimento a poucos metros do mar - que está a ser preparado para receber 340 residências, assim como um hotel com cerca de 200 quartos, num resort fechado - já quase pronto. Percebo. Mas não ficará Portugal em cheque, quando todas as diretivas europeias alertam para as alterações climáticas e necessária descarbonização das atividades humanas? Para além de se tratar de mais um 'prego no caixão' do que se tem feito na costa algarvia, já tão fustigada por uma construção completamente desenfreada. Os impactes ambientais negativos deste empreendimento serão desastrosos.”
Este é o primeiro parágrafo da carta que, em Setembro de 2022, escrevi ao ministro do Ambiente e Ação Climática, o engenheiro Duarte Cordeiro, e para a qual, até hoje, não obtive qualquer resposta. Por se tratar de um atentado ao Ambiente e à área protegida em questão, não posso de forma alguma deixar que este tema caia no esquecimento.
Recordo que falamos de uma área de aproximadamente 90 hectares, onde estão previstas mais de 10 mil camas. Serão por isso mais de 10 mil utilizadores a gerar ruído, assim como impactes negativos sobre as dunas e sobre os ecossistemas e a biodiversidade, além de provavelmente a levarem carro para o aldeamento. Isto não será se não um retrocesso a toda a doutrina apregoada pela União Europeia e tão necessária ao Ambiente?
Sei também que a Avaliação de Impacte Ambiental deu luz verde a este empreendimento, inserido numa Rede Natura 2000, por ser considerado de Potencial Interesse Nacional (PIN). Mas, sobre estes estudos, não comento, porque pessoalmente considero que servem interesses. Também sei que, pouco mais de dois meses antes da resolução do BES, foi apresentada uma proposta de aquisição de 100% deste empreendimento, que andou anos a tropeçar em burocracias e adiamentos sucessivos. Mas estas são outras lutas que não as do Portal da Construção Sustentável. Sempre acreditei que um empreendimento desta natureza, naquela localização, jamais seguiria em frente.
Tanto se tem falado, debatido e alertado para a erosão costeira e para os perigos a ela associados. Sabemos que a vulnerabilidade e a exposição das nossas zonas costeiras estão também a aumentar devido à erosão, que está a reduzir os limites entre a terra e o mar. Sabemos também do conjunto de demolições que estão previstas na orla costeira precisamente devido ao avanço do mar e depois deparamo-nos com uma construção nova em cima das dunas!?
Vou mencionar apenas quatro dos 17 objetivos para o desenvolvimento sustentável, objectivos esses que são da responsabilidade deste Ministério fazer cumprir:
- 10. Reduzir as desigualdades;
- 11. Cidades e comunidades sustentáveis;
- 14. Proteger a vida marinha;
- 15. Proteger a vida terrestre.
O empreendimento em condomínio fechado, onde as habitações mais acessíveis se situam nos 600 mil euros, irá mesmo contribuir para que, até 2030, a inclusão social seja promovida e empoderada? Estarão mesmo garantidas as oportunidades? Houve aqui eliminação de leis, políticas e práticas discriminatórias, fomentando políticas e ações adequadas a este respeito, para reduzir as desigualdades?
Analisemos o objetivo 11, o qual pretende fortalecer esforços para proteger e salvaguardar o património cultural e natural do mundo. Não estaremos a comprometer o património natural?
E sobre o objetivo 14, deveríamos até 2025 prevenir e reduzir significativamente a poluição marítima de todos os tipos, especialmente a que advém de atividades terrestres, incluindo detritos marinhos e a poluição por nutrientes. Não serão 10 mil camas junto à praia um absurdo quando queremos reduzir a poluição marinha?
Este objetivo pretende, entre outras questões: gerir de forma sustentável e proteger os ecossistemas marinhos e costeiros para evitar impactos adversos significativos, inclusive através do reforço da sua capacidade de resiliência, e tomar medidas para a sua restauração, a fim de assegurar oceanos saudáveis e produtivos, - qual o papel deste empreendimento neste objetivo?
Relativamente à vida terrestre, para a protegermos, deveríamos assegurar a conservação, recuperação e uso sustentável de ecossistemas, em especial florestas, zonas húmidas, travar a desflorestação, em conformidade com as obrigações decorrentes dos acordos internacionais, tudo o que não acontece aqui. Quantas árvores foram abatidas, inclusivamente sobreiros, para este empreendimento nascer?
Como quer Portugal evoluir com exemplos desta natureza? Como quer Portugal contribuir para o desenvolvimento sustentável tão apregoado e nas bocas do mundo?
Também percebo que o turismo é necessário ao desenvolvimento do país. Mas existem extensas áreas a Norte da Estrada Nacional 125 aptas a receberem empreendimentos imobiliários. Junto ao mar, devem ser privilegiados os “montes algarvios” muitos com mais de um século de existência, devidamente recuperados e, sim, fomentar o turismo de forma sustentável.
Pois, o que mais me transcende neste empreendimento é apelidarem-no de sustentável, com práticas sustentáveis, certificações ambientais e afins, por exemplo, quando descriminam o seu acesso, com preços exorbitantes para qualquer família comum portuguesa e, pior ainda, o princípio adjacente é completamente insustentável: a localização!
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico