Calor extremo, aumento do preço dos alimentos, seca e incêndios. É assim que os portugueses dizem ter sentido na pele as consequências das alterações climáticas, de acordo com um estudo global apresentado esta quinta-feira pela consultora portuguesa em sustentabilidade GreenLab e pela multinacional GlobeScan, que reúne a opinião de mil cidadãos de cada um dos 31 países da amostra.
Apenas 3% dos portugueses inquiridos afirmaram que as alterações climáticas não têm qualquer impacto na sua vida. Entre os restantes, 75% diz que a principal consequência do fenómeno é o calor extremo, enquanto 49% refere os períodos de seca e 48% identifica os incêndios como um problema ambiental. Ainda assim, o resultado mais “surpreendente” foi a associação “tão directa” entre alterações climáticas e aumento do preço dos alimentos, diz Luís Rochartre, consultor sénior da GreenLab.
Com 73% dos portugueses a referir que foram afectados pelas alterações climáticas ao ver o preço dos alimentos a subir – e 78% a considerar os alimentos amigos do ambiente mais caros –, o país distingue-se da média global, ficando em segundo lugar na lista sobre a identificação deste problema, ultrapassado apenas pelo Quénia (76%), uma das regiões que mais sofrem com as mudanças no clima.
Em comentário aos resultados, Luís Rochartre esclarece que os inquéritos foram realizados entre Julho e Agosto de 2022, pelo que a inflação – que tem vindo a disparar os preços de consumo – “ainda não era uma variável” considerada pelas consultoras. Ainda assim, é sabido que climas desfavoráveis podem contribuir para a escassez de alimentos (o que aumenta o respectivo preço). Aliás, os cidadãos dos países que mais sentem as alterações climáticas sofrem um maior risco de serem arrastados para situações de fome extrema.
76% dos portugueses poupam na energia em casa
O relatório “Healthy & Sustainable Living”, cuja amostra inclui Portugal pela segunda vez, identificou ainda que a acção ambientalmente consciente mais tomada é o uso de saco de compras próprio, com 86% dos portugueses a revelar que o fazem regularmente (a média global fixa-se nos 68%).
Luís Rochartre admite que a introdução do regulamento que desincentiva monetariamente a aquisição de sacos de plástico “veio ajudar a incentivar um comportamento que, provavelmente, seria mais difícil de implementar sem essa lei”, mas destaca o “aumento de consciência por parte dos consumidores”, numa altura em que o uso de sacos e embalagens reutilizáveis se torna cada vez mais frequente.
Por outro lado, 76% dos portugueses dizem reciclar e poupar em refrigeração ou aquecimento da casa – resultados “dentro do esperado”, num país onde a pobreza energética é das mais intensas da União Europeia.
O estudo não tentou perceber se poupar na regulação da temperatura do lar é uma acção ambiental consciente ou uma tentativa de não fazer disparar a conta da electricidade, mas o consultor sénior da GreenLab acredita que se trata de “uma mistura dos dois”. Aos factores estruturais, soma-se a variante do clima que, em Portugal, é relativamente ameno.
“Nos próximos anos, com a evolução destes indicadores, vamos conseguir entender se estamos perante uma resposta a condições socioeconómicas ou perante uma opção de consumo sustentável”, afirma Luís Rochartre, referindo-se à periodicidade dos relatórios anuais da GreenLab e da GlobeScan.
41% dos portugueses diz querer mudar mas apenas 14% mudou
Apesar de os inquiridos já terem adoptado alguns comportamentos amigos do ambiente no seu dia-a-dia, há um fenómeno global que ainda persiste: todos os anos, o relatório assinala um fosso entre a vontade de mudar para um estilo de vida mais sustentável e as mudanças efectivas.
Em média, 49% dos cidadãos dos países envolvidos dizem querer mudar, mas apenas 26% fizeram alterações no seu modo de vida durante o ano anterior. Em Portugal, o padrão repete-se, com 41% dos portugueses a admitir querer mudar e apenas 14% a terem feito algo pelo planeta no mesmo período.
“A qualidade de vida que nós atingimos porque temos acesso a um conjunto de produtos e serviços tem impacto e nós temos alguma consciência dele, mas há uma dificuldade em abdicar de determinadas coisas”, nota o consultor.
O comodismo não é, contudo, o único culpado. A nível mundial, a dissonância entre vontade e acção é mais evidente em estratos sociais específicos, nomeadamente nos idosos, nas mulheres e em pessoas com menor poder de compra. Segundo Luís Rochartre, isto deve-se ao facto de estes serem os grupos “mais socialmente vulneráveis” e sujeitos a condições socioeconómicas que reduzem a capacidade de passar à acção.
As mulheres, em específico, têm “uma consciência mais aguda em termos ambientais”, diz o consultor da GreenLab, mas correm maior risco de pobreza, em comparação com os homens. “Provavelmente, elas até terão mais consciência para assumir que gostariam de ter outro tipo de consumos e que não os têm porque não os conseguem atingir”, afirma.
Apesar destes indicadores, na generalidade, Luís Rochartre vê os dados através de uma lente positiva. Num país “particularmente exposto às alterações climáticas”, o relatório mostra que “a população portuguesa já interiorizou que vamos ser bastante afectados, até por causa dos fenómenos que têm ocorrido nos últimos tempos, como a seca, vagas de calor ou a vaga de frio que atravessamos neste momento”. O caminho que resta percorrer passa pela “mudança de comportamentos”, conclui.
Texto editado por Andrea Cunha Freitas