A Justino's Madeira Wines, detido pela Granvinho, é o maior produtor, em volume, de vinho Madeira. Juntamente com a Henriques & Henriques — detida em 60 por cento pelo mesmo grupo — representará "65 por cento do mercado". Exporta 95 por cento da sua produção, que já inclui uma gama interessante de vinhos tranquilos, com a Denominação de Origem "Madeirense" e a Indicação Geográfica Protegida "Terras Madeirense". Mas não a vemos muito na região. Também não a podemos visitar.
Isso está prestes a mudar. A empresa encontrou o espaço que procurava "há já muito tempo" e conta abrir um centro de visitas no Funchal em 2024. "Recentemente adquirimos prédios no Funchal, onde vamos abrir um centro de visitas. [O Visitor's Center] fica numa zona muito bem localizada, no centro da zona velha. Terá sala de provas, restaurantes, loja de vinhos, wine bar, museu", revela, em primeira mão ao Terroir, o director-geral da Justino's, Juan Teixeira.
Neste momento, decorrem as obrigatórias "escavações arqueológicas", mas o projecto de arquitectura já está a ser trabalhado pelo gabinete do madeirense Rui Campos Matos. E a expectativa de Juan Teixeira é que a Justino's, cuja produção fica no Parque Empresarial da Cancela, na freguesia do Caniço, consiga inaugurar a nova casa (e montra) junto ao mar "no primeiro semestre de 2024". O investimento estimado é de "4 a 5 milhões de euros".
O novo centro de visitas é apenas um dos projectos que a empresa tem previstos para os próximos três anos. "Antes da próxima vindima", o também enólogo Juan Teixeira espera ver concluído o "projecto de 2,5 milhões de euros" que inclui a aquisição e colocação de cubas que possibilitem fazer micro-vinificações, "de 500 litros, 1000 litros, de pequenos produtores" (e dar continuidade à experimentação nos vinhos tranquilos), o "aumento da capacidade de armazenamento e a construção de uma Estação de Tratamento de Águas Residuais" (ETAR) — com vista à obtenção da certificação ambiental.
"Para 2025", está prevista nova cave de envelhecimento, na Cancela. "Uma unidade para visitas, onde vamos agregar tudo o que é madeira [5500 cascos, de diferentes capacidades]. Possivelmente terá uma unidade pequena de restauração", partilha Juan Teixeira sobre um projecto que rondará "os 3 ou 4 milhões de euros". Tudo somado, a empresa do grupo que também detém a Porto Cruz e a Dalva fará na Madeira um investimento de cerca de dez milhões de euros.
"Dos 2,5 milhões deste investimento [na adega], cerca de 1,4 milhões é ajuda comunitária, que depois é dividida entre a União Europeia e a região. Já não existe isto no continente, já não há ajudas de 55 por cento. Temos que aproveitar", refere, ao Terroir, Juan Teixeira.
Para além dos dois espaços de visitas, o projecto de enoturismo prevê ainda a criação de programas que levarão os visitantes a conhecer as vinhas de alguns dos "mais de 700 viticultores" a quem a Justino's compra uvas. "Queremos ter em cada zona, para cada casta, uma vinha, seja alugada, seja em parceria, para que consigamos fazer um circuito enoturístico.
Vem aí nova gama, de nome Fanal
Na enologia, a atenção da equipa de Juan Teixeira, com quem trabalham mais dois enólogos, Flávia Rosário e Nuno Duarte, tem estado na reestruturação do portefólio de vinhos tranquilos, "uma brincadeira que começou no ano 2000 com um tinto da casta Tinta Negra, na altura mal-amada mas que representa 85 por cento da produção da ilha". A expressão dos tranquilos no negócio da empresa "não chega a 1 por cento", com uma produção total de 18 mil garrafas, mas é, apesar disso, uma aposta, que o novo Visitor's Center, no Funchal, ajudará a divulgar.
Hoje, a Tinta Negra está apenas em tintos de lote, mas no futuro há-de voltar à colecção da Justino's que nos próximos meses aparecerá no mercado com três gamas: Colombo IGP Terras Madeirenses (PVP 18 euros), Colombo DO Madeirense (PVP, actualmente, entre 18 e 35 euros) e Fanal DO Madeirense, que passará a ser o rótulo dos monovarietais já existentes e será assinatura para tudo o que forem "vinhos fora da caixa", sejam eles licorosos ou tranquilos.
Em 2023, a empresa vai lançar "o primeiro biológico da Madeira, um Verdelho da Quinta das Vinhas, localizada no Estreito da Calheta", assim como um monovarietal de Listrão, "oriundo de vinhas de chão do sítio das Cancelas no Porto Santo, e um Sercial de espaldeira [bardo ou linha] da Fajã de Barro", em Porto Moniz, na costa Norte da Madeira. O biológico sairá já em Abril e nasce das vinhas de um antigo campo experimental que já foi gerido pelo Instituto do Vinho, do Bordado e do Artesanato da Madeira mas que nos últimos anos voltou para as mãos do proprietário dos terrenos, a família Welsh.
Nos vinhos brancos, a empresa está a trabalhar o Arnsburger na Madeira e o Caracol no Porto Santo. Nos tintos, tem feito blends de Touriga Nacional, Tinta Barroca, Aragonês, Syrah ou Cabernet Sauvignon. A Tinta Negra está lá, mas ainda não brilha a solo. Nos tintos pelo menos, já que o rosé é feito desta casta regional que "até há uns anos não era possível colocar nos rótulos". Como as mondas ainda são "pecado" para os viticultores madeirenses, que "podam a vinhas para dar muito", a Justino's procura "vinhas velhas, pouco produtivas, que, mesmo estando em latada, consigam ter concentração". Esse trabalho, de pedagogia e selecção, começa a ser feito pelo recém-criado departamento de viticultura, cujo responsável é o enólogo Nuno Duarte.
A Justino's foi fundada em 1926 por António Justino Henriques de Freitas, na altura como Justino Henriques, Filhos, Lda, mas já existia antes, como empresa familiar, desde 1870. O negócio ficou em família até ao início da década de 1950, quando a empresa foi vendida a sociedades com capital madeirense e continental. Em 1981, mudou novamente de dono, quando foi adquirida pelo coronel da Força Aérea Portuguesa Sigfredo da Costa Campos, que impulsionou as exportações e uma década mais tarde se associou ao grupo La Martiniquaise com o objectivo de conseguir modernizar produção e instalações — a actual adega, na Cancela, é dessa altura, foi construída em 1994. Com a morte do militar, a histórica casa de vinho Madeira passou a ser totalmente detida pelos franceses, cuja operação em Portugal está sob o chapéu do grupo Granvinho (nova denominação da Gran Cuz).
O passado da Justino's está muito ligado à venda a granel. Quando se aventurou no chamado vinho de mesa, "70 por cento" do seu negócio era o granel de vinho Madeira. "A partir de 2001 as exportações a granel foram proibidas. Aí mudamos o nosso chip, tivemos que nos virar para o engarrafado e isso implicou uma data de alterações. Neste momento, 25 por cento é granel, 75 por cento é engarrafado. Estamos a partir do grande para as micro-vinificações, lotes pequenos. E é isto que dá mais-valia à marca Justino’s. Se não fizermos isso, não teremos hipóteses no futuro."
E esse futuro, na tal gama Fanal, contará também com um gin, "destilado com zimbro e frutos madeirenses", e um rum "envelhecido em barricas de vinho Madeira", uma parceria com o produtor local O Reizinho.