Votos para 2023 em matéria de conservação da natureza
Em matéria Ambiental, 2023 será um enorme desafio para Portugal. Desde logo, nas políticas energéticas e transição climática, mas também na gestão da água, na economia circular, no mar, no ordenamento do território – na atualização e consolidação dos Instrumentos de Gestão do Território, nas políticas florestais, e em matéria de Biodiversidade e Conservação da Natureza.
Centrando-nos apenas nestas últimas a tarefa é já hercúlea: contrariar a perda de Biodiversidade, reforçar a Conservação da Natureza e a Rede Nacional de Áreas Protegidas (e Classificadas), e desenvolver um plano nacional de restauro da natureza deverão ser objetivos em 2023.
A Biodiversidade e as Mudanças Climáticas estão intimamente ligadas e não será possível resolver um problema sem o outro, daí que as políticas de Ação Climática não possam ser pensadas isoladamente, mas devam integrar ações e medidas concretas que invertam a perda de biodiversidade e promovam a salvaguarda e a proteção dos ecossistemas e espécies. É hoje inequívoco o papel desempenhado pelas Áreas Protegidas na conservação da Biodiversidade, nesse sentido, a aposta no reforço da Rede Nacional de Áreas Protegias, deveria ser a prioridade nacional.
Todos referimos a amiúde as ineficiências da gestão das Áreas Protegidas de âmbito nacional, o menor investimento e a degradação das relações e da proximidade com as comunidades locais, a redução de meios afetos às áreas protegidas, e até o desaparecimento no léxico administrativo (e público) destes termos.
No entanto, Portugal tem responsabilidades internas e externas em matéria de metas a atingir até 2030, no que à conservação da natureza e da biodiversidade diz respeito.
A Estratégia de Biodiversidade 2030 da União Europeia (UE) e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável definiram a meta de 30% de território classificado como área protegida (ou classificada com plano de gestão ativo e eficaz) até 2030. O restauro da natureza, cuja lei está em vias de aprovação na UE, obriga a planos nacionais de restauro de habitats e espécies, e estabelecerá objetivos e obrigações de restauro para um vasto leque de ecossistemas terrestres e marinhos, devendo 20% estar concretizados até 2030.
O cumprimento cabal destas metas e destes objetivos pelo Estado Português faz-se, por um lado, com reforço da Autoridade Nacional da Conservação da Natureza e, por outro, uma aposta clara no fortalecimento e na valorização das Áreas Protegidas, dotando-as de um modelo de gestão capaz e financiamento adequado, que valorize a proximidade, a competência técnica e o conhecimento do território, e favoreça o diálogo e a responsabilização.
Só um modelo de gestão focado no território e na conservação pode alavancar as Áreas Protegidas e contrariar o declínio a que temos assistido. O regresso de diretores às Áreas Protegidas de âmbito nacional, não sendo a panaceia para todos os males da conservação, poderá ser um contributo concreto, a par da revisão do decreto-lei que consagra a cogestão nas Áreas Protegidas, dando-lhe maior flexibilidade e adequando-o a um modelo de governança centrado na valorização da conservação da natureza em si mesma.
Simultaneamente, uma rede local de conservação da natureza, que dote os municípios de recursos técnicos para concretizar as medidas de mitigação da perda de biodiversidade e restauro da natureza, contribuirá para estes objetivos e ajudará a potenciar mudanças significativas na nossa qualidade de vida e na sustentabilidade do país.
2030 está aí ao virar da esquina!
Temos todos de arregaçar as mangas e começar a trabalhar! Precisamos de estratégia e de um compromisso nacional que nos permita concretizar este enorme desafio. Por isso, este não é o tempo de reformas estruturais que envolvam a conservação da natureza. A transferência de competências da Administração Direta do Estado para as regiões (CCDR), prevista na Resolução de Conselho de Ministros nº 123/2022, de 14 de dezembro, envolvendo a gestão de Áreas Protegidas (em particular a cogestão) e a conservação da natureza, vem ao arrepio das responsabilidades do Estado Português, num processo que pode ser interpretado como demissão de uma função essencial do Estado e de desestruturação da Rede Nacional de Áreas Protegidas. Transferir a gestão das Áreas Protegidas de âmbito nacional, no todo ou em parte, para as regiões é também alterar-lhes o âmbito da classificação.
O património natural é um ativo nacional! Um ativo de que todos nos orgulhamos e que a todos compete preservar.
O país está confrontado com enormes desafios, tem metas a cumprir num curto espaço de tempo, e não deve seguir caminhos que impliquem novos riscos para o património natural ou impeçam uma visão integrada da salvaguarda do bem comum e de uma das nossas marcas identitárias.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico