As crianças que vivem em zonas com elevadas taxas de pobreza estão mais susceptíveis a estarem expostas a vários poluentes no ar, e isso pode afectar o seu desenvolvimento quando ainda são novos, de acordo com um estudo publicado na quarta-feira.
A exposição elevada a elementos tóxicos no ar durante a infância pode reduzir as capacidades de leitura e de fazer operações matemáticas, fazendo com que fiquem para trás na escola – para alguns, este efeito equivale a perder um mês inteiro de aprendizagem no ensino primário.
Ainda que haja outros factores que possam afectar a preparação de crianças pequenas para a escola, o estudo mostra que a exposição à poluição do ar, por si só, corresponde a um terço do impacto, quando comparado com outros factores.
Há muito tempo que se sabe que as populações mais pobres são afectadas de forma desproporcional pela poluição do ar – mais do que os grupos com rendimentos mais elevados –, mas o estudo, publicado na revista científica Science Advances, avalia de forma mais profunda alguns destes impactos, explorando a situação socioeconómica e os efeitos no desenvolvimento cognitivo de crianças pequenas, analisando ainda as disparidades na qualidade do ar.
No estudo, os investigadores mostram como se formam as lacunas cognitivas a partir dos seis meses de idade e a forma como ficam enraizadas aos dois anos de idade, ainda antes de as crianças começarem a escola, afirmou o principal investigador e autor do estudo, Geoffrey Wodtke, dirigente do Centro Stone para a Investigação em Desigualdade Económica e Mobilidade da Universidade de Chicago.
“O estudo mostra que as crianças que nascem em bairros com elevados níveis de pobreza são mais susceptíveis a estarem expostas a poluentes do ar com efeitos neurotóxicos, e essas diferenças estão ligadas a desigualdades no desenvolvimento da primeira infância, sobretudo na leitura e nas capacidades de matemática, medidas quando entram para as escolas”, disse Geofrrey Wodtke ao The Washington Post.
Dez mil crianças acompanhadas
Os investigadores usaram os dados do Departamento de Educação dos Estados Unidos, que recolhe dados desde o nascimento de 10 mil crianças que nasceram perto de 2001, acompanhando-as também na altura em que entram para a escola. As crianças eram de várias partes dos Estados Unidos.
Os investigadores analisaram a situação socioeconómica e as concentrações de poluição do ar nas suas zonas de residência. Os cientistas acompanharam as crianças até aos seus quatro anos, quando mediram as suas capacidades de leitura e de matemática.
“O que é importante é que fornecemos algumas provas iniciais robustas de que nascer numa zona pobre afecta o início do desenvolvimento cognitivo, e isto acontece em parte por causa da exposição a poluição do ar com efeitos neurotóxicos”, afirmou Wodtke num comunicado.
Alguns cientistas que estudam saúde ambiental e pediatria não ficaram surpreendidos por estas conclusões, apontando para literatura passada e para investigação já existente sobre o efeito da exposição precoce a poluição do ar e a sua relação com resultados mais baixos em testes cognitivos. Mas este estudo abre a porta à compreensão de como a poluição do ar pode ter influência noutros factores que podem afectar o bom desenvolvimento neurológico das crianças.
“Isto é muito importante porque temos muitas desigualdades associadas à saúde de todo o tipo em crianças dos Estados Unidos que estão ligadas à pobreza”, disse Catherine Karr, epidemiologista ambiental e especialista de medicina pediátrica ambiental na Universidade de Washington.
“O ar puro faz parte da receita que todas as crianças deveriam ter para alcançarem o seu potencial máximo de saúde, incluindo a saúde cognitiva”, acrescentou Karr, que não fez parte do estudo.
Pobreza, poluição e saúde
No estudo, os cientistas fazem a distinção entre vários tipos de exposição a poluição. As comunidades mais pobres estavam mais expostas a partículas e a poluição ligada aos transportes, como o dióxido de azoto e monóxido de carbono – e este tipo de poluição aparenta ter mais impacto nas capacidades matemáticas e de leitura do desenvolvimento nas crianças de tenra idade. Ainda assim, os grupos com mais rendimentos também estavam mais expostos a poluentes como o ozono.
Geofrrey Wodtke explicou que o estudo não identifica os principais poluentes do ar que estão ligados a bairros mais pobres ou testes mais baixos nas escolas. Em vez disso, identifica muitas toxinas do ar que têm uma fraca ligação com ambos (maiores níveis de pobreza e de desempenho na escola).
Os especialistas referiram ainda que existem cada vez mais provas de que a exposição pós-natal a ar poluído está associada a lacunas nos testes cognitivos. Há indícios de que a exposição a partículas finas também está correlacionada com a redução da espessura cortical, que pode influenciar o processamento de informação, de aprendizagem e de memória. Há investigações anteriores que mostram que uma exposição a concentrações mais elevadas de pequenas partículas de poluição do ar está associada a pior comportamento nas crianças e a uma menor performance cognitiva.
A professora Anjum Hajat, do departamento de epidemiologia da Universidade de Washington, disse que o estudo “fornece mais evidências das ligações entre pobreza, poluição do ar e saúde”.
“Sabemos há algum tempo que viver em zonas de elevada pobreza pode ser mau para a saúde, logo conseguir perceber a razão para que tal aconteça permite-nos conseguir identificar melhor formas de agir”, disse Hajat, que não fez parte do estudo.
A investigação recente tem mostrado que a exposição das crianças a elevados níveis de poluição atmosférica faz com que tenham menos capacidades de aprendizagem na adolescência, segundo os estudos desenvolvidos pela Universidade de Columbia, nos EUA.
Hajat disse ainda que a ligação entre a poluição do ar e a pobreza está “bem definida”, assim como as ligações entre a pobreza e outros efeitos de saúde, mas “este estudo faz a ligação entre diferentes linhas de investigação para nos dar uma possível solução para melhorar o desenvolvimento das crianças”.
Exclusivo The Washington Post/PÚBLICO