“Lutar pelo clima não é crime”: julgamento de alunos detidos continua em Dezembro
Os estudantes em protesto pelo clima recusaram a suspensão provisória do processo e decidiram ir a julgamento. Cá fora, dezenas de pessoas apoiavam-nos. Julgamento não acabou e continua em Dezembro.
O julgamento dos quatros estudantes detidos em protesto pelo clima começou nesta terça-feira à tarde, em Lisboa. Cerca de 40 pessoas estiveram a manifestar-se no exterior do edifício F do Campus de Justiça, em Lisboa, em solidariedade com os quatro estudantes detidos a 11 de Novembro. “Não estão sozinhas”, gritavam, enquanto os activistas entravam para o julgamento, que terá uma segunda ronda a 9 de Dezembro.
Em causa estão os quatro estudantes que foram detidos quando estavam em protesto pelo clima na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL). Depois de terem sido ouvidos pelo Ministério Público a 14 de Novembro, os alunos recusaram a suspensão provisória do processo e escolheram ir a julgamento, para que o caso não fosse “silenciado”.
À entrada do tribunal, juntaram-se dezenas de pessoas que fizeram questão de manifestar o seu apoio e que defendem que “lutar pelo clima não é crime”. “Aquilo de que estamos à espera é de sermos ouvidas”, disse ao PÚBLICO a activista Ana Carvalho, uma das estudantes detidas, antes de entrar para o julgamento. “A emergência climática está aí à vista de toda a gente por mais que tentem silenciar.”
Por trás, os cânticos continuavam: “Lutar pelo clima não é crime”, cantava quem segurava faixas e cartazes por trás das grades protegidas pela polícia. “Aceitar a suspensão era aceitar que se remova à força pessoas que estão a lutar pela justiça climática e pela justiça social”, explicou ainda a activista Ana Carvalho. E uma coisa toma como certa: “Vamos continuar a lutar.”
Questionados durante o julgamento sobre a razão pela qual não quiseram sair da faculdade, Ana Carvalho respondeu: “Não queríamos sair por sentirmos que as nossas reivindicações não tinham sido ouvidas e não fazia sentido sair do nosso espaço. Era esse o princípio da nossa luta.”
Durante o julgamento, os estudantes explicaram que dormiram na faculdade e que os únicos pedidos que lhes tinham sido feitos eram: que não perturbassem as aulas, que não danificassem o espaço e que não incomodassem as funcionárias da limpeza. Os alunos dizem que cumpriram – ainda que pudesse ter havido algum ruído durante as aulas – e que as ocupações foram feitas de forma pacífica. Não saíram porque sentiam que as suas reivindicações não estavam a ser ouvidas, explicaram.
Já os agentes da PSP ouvidos durante o julgamento relataram que estiveram em diálogo com os estudantes ao longo da tarde de dia 11 de Novembro e que os alunos teriam de sair da faculdade porque o estabelecimento iria encerrar, disseram – mas os alunos “não acataram essa ordem”. Colaram-se ao chão e ligaram-se entre eles com tubos. Acabaram por ser detidos.
Frente Grisalha pelo Clima
E nem só de jovens se faz esta luta. Isabel Viana Alves tem 66 anos e veio de propósito até ao Campus de Justiça para mostrar solidariedade com os jovens detidos. “É uma luta que diz respeito a todos nós”, justifica. Conta que também participou nas lutas estudantis antes e depois do 25 de Abril e que os alunos de hoje estão a “lutar por um mundo melhor” — e têm sido “injustamente” criticados. Ao lado, outras pessoas com cartazes da Frente Grisalha pelo Clima — um movimento climático com pessoas de várias idades — misturavam as suas vozes com as dos activistas mais novos, em sinal de solidariedade.
Os activistas da Greve Climática Estudantil dizem que os quatro estudantes foram detidos “enquanto ocupavam pacificamente pelo fim do fóssil” e que a polícia entrou na faculdade “à moda da ditadura salazarista”. Os estudantes estavam a ocupar e a dormir na FLUL há alguns dias e a polícia chegou na noite de sexta-feira, dia 11 de Novembro, para os retirar: alguns estudantes saíram pelo próprio pé, mas outros recusaram-se. Três alunos ficaram colados ao chão, e a activista Ana Carvalho ficou a dar apoio – acabaram os quatro detidos durante algumas horas na madrugada de sábado, sendo libertados e notificados para audiência com o Ministério Público.
Segundo explicou na altura o advogado dos quatro jovens, André Ferreira, os alunos foram acusados de “introdução em local vedado ao público” e “não dispersão de uma reunião pública”. Os estudantes dizem ainda que a polícia utilizou “força excessiva” para retirar os alunos da faculdade, mas a PSP nega qualquer brutalidade policial.
Não estão sozinhas
Além do protesto presencial, o movimento de activismo climático Greve Climática Estudantil organizou uma campanha de apoio nas redes sociais chamada #NãoEstãoSozinhas, que pretende reunir mensagens escritas, em áudio, em vídeo ou através de fotografias de pessoas que estão solidárias com os estudantes detidos e com os protestos pelo clima.
No site, é possível ver já algumas mensagens de apoio de activistas como Alice Gato, Matilde Alvim ou Teresa Núncio (uma das alunas detidas à saída do Ministério da Economia, depois de se ter colado na entrada), e também de Alexandra Lucas Coelho, Joana Bértholo, João Camargo ou Margarida Vale de Gato, assim como grupos de activistas climáticos da República Checa e de Barcelona. Na altura dos protestos, centenas de pessoas assinaram também documentos a mostrar apoio aos protestos pacíficos dos alunos.
Os activistas comprometem-se a “voltar com mais força” na Primavera de 2023, dizendo estar a preparar a próxima vaga de ocupações para essa altura. Os activistas dizem ainda, segundo se lê no site da ocupação da Greve Climática Estudantil, que querem que pelo menos uma das ocupações aconteça fora de Lisboa.
As ocupações de estudantes no mês de Novembro aconteceram em Lisboa: os alunos ficaram a dormir e chegaram a bloquear entradas durante mais de uma semana na escola artística António Arroio, na Escola Secundária de Camões (mais conhecida por Liceu Camões), na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa, no Instituto Superior Técnico (IST), na Faculdade de Letras e na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
As principais reivindicações dos estudantes eram a demissão do ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva, e o fim dos combustíveis fósseis até 2030. Os protestos coincidiram com a Cimeira do Clima das Nações Unidas (COP27).