COP27: o bom, o mau e o péssimo
A 27.ª Conferência das Partes (COP) da Convenção das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas decorreu em Sharm El-Sheikh, no Egito, entre 6 e 18 de novembro, com um prolongamento (já expectável) para a madrugada de dia 20.
Esta Conferência do Clima desenrolou-se num contexto particularmente desafiante decorrente de uma convergência de crises (climática, energética e de biodiversidade) e à luz de dados recentes preocupantes: o relatório das Nações Unidas que quantifica as emissões de Gases com Efeito de Estufa (GEE) esperadas para 2030 (UN Emissions Gap Report) revela que o progresso feito desde a última COP é mínimo e que, com as políticas atuais, caminhamos numa trajetória de aumento de 2,8º Celsius até final do século.
Após 13 dias (e mais qualquer coisa) de negociações, eventos, marchas, compromissos e ultimatos, as Partes falharam em retirar a rampa de lançamento da “autoestrada para o inferno climático com o pé no acelerador”, em que o Secretário-Geral das Nações Unidas corretamente nos situa.
A COP da implementação, como foi perspetivada pela presidência egípcia, ficou aquém de efetivamente fazer cumprir os compromissos necessários para enfrentar a crise climática em que nos encontramos. As negociações políticas (que já se iniciaram numa fase muito tardia) foram pautadas por clivagens acentuadas entre países, sobretudo numa lógica de cisão entre o Norte e Sul Globais, e resultaram numa estagnação em termos de ambição.
Mas nem tudo foi péssimo: a vitória histórica da sociedade civil e das comunidades mais vulneráveis relativamente à compensação por perdas e danos decorrentes do agravamento das alterações climáticas é de louvar. Mas será que foi suficiente para resgatar esta COP do falhanço? Vejamos.
O bom
A COP27 abriu com uma boa notícia que elevou os ânimos de todos aqueles que têm vindo a reivindicar financiamento para perdas e danos há largos anos (a ideia foi originalmente apresentada em 1991, três anos antes da entrada em vigor da Convenção das Nações Unidas para as Alterações Climáticas!) — pela primeira vez, este item fundamental foi incluído na agenda.
As negociações foram complexas, repletas de ultimatos, bate-pés e cedências, chegando-se mesmo a declarar que esta COP seria um falhanço se esta reivindicação não fosse atendida. Contudo, tudo acabou em bem quando, após dias (e noites) longos (e apressados), as Partes chegaram a acordo: habemus fundo para perdas e danos! As Partes comprometeram-se a criar um mosaico de modalidades de financiamento novo e adicional que inclui um fundo específico para lidar com perdas e danos, direcionado para países em desenvolvimento particularmente vulneráveis aos efeitos adversos das alterações climáticas.
A operacionalização destas modalidades de financiamento, incluindo o fundo, ficará a cargo de uma Comissão de Transição que deverá, inter alia, elaborar recomendações relativas à definição da estrutura, modalidades, governança e termos de referência do fundo, para serem aprovadas na COP28.
Todos sabemos que a criação de um novo fundo é um processo moroso, mas este é um sinal político particularmente importante numa ótica de justiça climática: não faz sentido que os países e comunidades mais pobres, que mais sofrem os impactos devastadores de eventos climáticos agravados pelas alterações climáticas e que menos contribuíram para a crise climática, sejam obrigados a arcar sozinhos com as consequências físicas, sociais e económicas.
Esta foi uma vitória histórica da sociedade civil, em particular das populações mais vulneráveis que lutaram arduamente e elevaram bem alto as suas vozes durante a COP27 pela justiça climática e pela criação do fundo para perdas e danos.
O mau
Por outro lado, a atenção redobrada (e devida!) à questão do financiamento para perdas e danos foi, de certa forma, aproveitada para desviar a atenção da restante agenda do financiamento climático, que, nesta COP27, ficou praticamente estagnada.
O financiamento devido aos países em desenvolvimento para que sejam capazes de se adaptar às alterações climáticas e reduzir emissões só se deverá materializar em 2023 e não se viram garantias de que os países desenvolvidos estejam dispostos a aumentar as suas contribuições. A questão permaneceu contenciosa, havendo alguma relutância por parte de alguns países, incluindo da União Europeia (UE), de garantir que os 100 mil milhões de dólares que os países falharam em entregar a partir de 2020 sejam pagos na sua totalidade até 2025.
É absolutamente crucial que a dívida continue a ser passada de ano para ano até ser saldada na totalidade, o que na prática significa um total de 600 mil milhões de euros entre 2020 e 2025. Infelizmente, o Plano de Implementação de Sharm El-Sheikh não inclui linguagem neste sentido, e continuamos a ver uma lacuna muito grande em termos de financiamento climático.
Ainda assim, o texto final inclui linguagem mais positiva relativamente à transformação do sistema financeiro global, que é crucial para que se possam diversificar as fontes de financiamento climático, incluindo desbloquear novos fluxos financeiros direcionados para esforços de mitigação, adaptação e perdas e danos através do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional e outros bancos multilaterais de desenvolvimento.
Não obstante, é crucial destacar que a reforma do sistema financeiro global e a diversificação necessária dos fluxos de financiamento não é, nem pode ser de forma alguma, um veículo para a desresponsabilização dos países desenvolvidos no contexto de financiamento climático. Há um elemento de responsabilidade histórica que não pode ser descurado e é fundamental continuar a chamar os países desenvolvidos a cumprir com as suas obrigações neste contexto.
O péssimo
O verdadeiro falhanço da COP27 reside na forma como as questões relativas à mitigação (redução de emissões) foram refletidas (ou não) na decisão final.
Alguns aspetos cruciais da mitigação não foram consignados no Plano de Implementação de Sharm El-Sheikh e não se progride em relação a Glasgow, como sejam o garantir um pico de emissões antes de 2025, a necessidade de metas mais ambiciosas por parte de todos os países, ou o abandono progressivo ou definitivo dos combustíveis fósseis.
Aquilo a que assistimos no decorrer da COP27 foi uma tentativa de corroer a confiança no limite de aquecimento global de 1,5ºC, apontando antes para o limite de 2ºC que está igualmente previsto no Acordo de Paris. Países como a China e a Índia têm procurado evidenciar que o objetivo real do Acordo de Paris seria limitar o aumento de temperatura a 2ºC, sendo então possível cumprir com o Acordo se se alterasse a meta. Esta é uma tentativa verdadeiramente nefasta de justificar e prolongar a aposta em combustíveis fósseis e era, portanto, vital que o Plano de Implementação de Sharm El-Sheikh fosse inequívoco na necessidade de fazer cumprir o limite de 1,5ºC. Não foi.
Igualmente preocupante é o facto de o Plano de Implementação de Sharm El-Sheikh não refletir a necessidade de eliminar gradualmente todos os combustíveis fósseis, condição essencial para assegurar um aquecimento não superior a 1,5°C em relação à era pré-industrial. Por momentos, anteviu-se uma brecha de esperança, quando a Índia, ainda que com motivações inteiramente egoístas, defendeu a inclusão da eliminação gradual de todos os combustíveis fósseis no texto de conclusões finais da COP27. Este apelo foi (cautelosamente) apoiado por outros países, como a UE e os Estados Unidos da América, mas a presidência egípcia não resistiu à enorme pressão imposta por Estados produtores de petróleo (leia-se Arábia Saudita).
Aquilo de que o mundo precisava era de um avanço relativamente a Glasgow com um texto que impregnasse linguagem clara e sem subterfúgios relativamente ao fim dos combustíveis fósseis. Ao invés, temos uma reciclagem do texto de Glasgow que não é aceitável e que é absolutamente insuficiente para combater um dos principais problemas na génese da crise climática: a exploração e dependência excessiva dos combustíveis fósseis.
Além disso, a referência positiva às energias renováveis (que já não acontecia desde a COP21!) é ofuscada pela sua associação às energias de “baixas emissões” como fontes de energia do futuro. Esta referência a energias “de baixas emissões” apresenta uma lacuna significativa e abre caminho a modos de produção insustentáveis.
Prognósticos e prospetiva
No rescaldo da COP27, é primeiramente necessário reconhecer a grande vitória da justiça climática no sentido de ajudar as comunidades que estão já a sofrer perdas e danos, fazendo os grandes poluidores históricos pagar pelos impactos das alterações climáticas. Este foi um avanço significativo, justo e necessário. Contudo, não podemos esquecer que, se os países não avançarem significativamente no sentido da redução de emissões, corremos o sério risco de desperdiçar todo o financiamento climático: falhar em agir já e em eliminar uma das principais causas da crise climática é falhar em parar as alterações climáticas e em garantir um planeta habitável para nós e para as gerações futuras.
Não podemos perder 2030 de vista. Até lá, o mundo tem de reduzir as emissões globais de GEE em, pelo menos, 43% para limitar o aquecimento global a 1,5ºC. É preciso um esforço global, concertado e muito mais ambicioso para atingirmos este objetivo vital.
Todos os olhos estão agora postos na COP28, que será realizada nos Emirados Árabes Unidos, um dos maiores produtores de petróleo do mundo, mas enfim… esqueçamos isso!
Ironias à parte, é fundamental que se aproveite o ímpeto criado em torno da justiça climática, direcionando agora a luta para a tarefa árdua de garantir, na COP28: maior ambição e manter vivo o limite de 1,5ºC, concretizar o financiamento climático e consignar linguagem relativa à necessidade de eliminar gradual e definitivamente todos os combustíveis fósseis.