O que a COP tem que ver com a Coca-Cola
Antes, poucos ligavam à COP. Era uma sigla que ninguém entendia. Bem se podia dizer: “Vou à COP este ano.” E o mais certo era ouvir: “COP o quê?” Hoje é o contrário. Toda a gente pergunta: “Vais à COP?”, “Estás na COP?”, “O que esperas da COP?”
De um simples acrónimo COP transformou-se numa marca, como a Coca-Cola, que patrocinou a 27.ª edição, que agora termina no Egito. Sabemos que COP, mais do que o seu aborrecido significado literal – “conferência das partes” da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas –, é uma espécie de janela para o nosso futuro. Talvez por isso seja vista como um evento anual inescapável, onde todos querem estar, não importa o que nele se venha a decidir.
Cerca de 33 mil pessoas inscreveram-se para esta COP27, em Sharm el-Sheikh, no Egito, conforme contas feitas pelo site de notícias climáticas Carbon Brief. Foi a segunda mais movimentada de sempre, depois da COP26 em Glasgow, no ano passado. Metade dos participantes eram representantes das delegações nacionais, que lá estiveram a partir pedra nas negociações oficiais. A outra metade vinha de organizações não governamentais, empresas, think tanks, entidades internacionais e órgãos de comunicação social, somando 16 mil pessoas que simplesmente tinham de estar presentes.
A COP é um bicho com duas cabeças. O seu lado formal, o das negociações, caminha a passo paquidérmico. As decisões são tomadas por consenso, e basta que alguém levante o braço para parar o comboio. Conjugar o interesse de quase 200 países é uma tarefa quase impossível, uma enorme dor de cabeça.
Alternativamente, no entanto, há um outro universo em movimento. Os eventos paralelos dessas reuniões assumiram vida própria. Na COP3, que aprovou o Protocolo de Quioto em 1997, houve apenas 121, em média 11 por dia, segundo dados da ONU. Os números finais da COP27 não foram ainda divulgados. Mas em Glasgow, no ano passado, foram 1248, quase 100 por dia. Antes, despertavam pouca atenção e eram, por vezes, vistos de lado, como ações de marketing. Agora têm outra relevância: neles forjam-se parcerias, assumem-se compromissos, mostram-se caminhos ou exprimem-se posições.
Muito do que saiu nas notícias sobre a COP27 aconteceu em eventos paralelos. O discurso de Lula da Silva ou a adesão de Portugal ao núcleo duro de uma aliança de países pelo fim da exploração do petróleo e do gás – lançada, aliás, na COP26 – são apenas dois entre muitos exemplos. Embora não tenham influência formal nas decisões, os eventos paralelos hoje funcionam como uma multidão de liliputianos a tentar puxar, cada um para o seu lado, o letárgico gigante das negociações climáticas.
Com os olhos do mundo cada vez mais focados em cada COP, o país anfitrião tenta também fazer um brilharete, procurando contornar a lentidão da agenda oficial. No ano passado, o Reino Unido conseguiu assegurar que compromissos voluntários sobre o metano, a desflorestação ou o financiamento à energia limpa fossem adotados na COP de Glasgow, mesmo fora do âmbito da COP e não envolvendo todos os países.
Este ano, o Egito pôs em prática um vasto programa alternativo em Sharm el-Sheikh, tocando todas as ramificações possíveis das alterações climáticas. O país chamou à COP27 de “COP da concretização” e de uma “COP africana”. Conseguiu trazer 90 chefes de Estado e de governo e os pôs a conversar em mesas redondas, à margem das negociações em si. A presença de líderes mundiais – pouco comum no passado, quando normalmente os países enviavam no máximo ministros – parece, aliás, ter-se tornado uma constante. Cada vez mais, uma COP é uma cimeira. E ai de quem não for.
A COP é a COP. Não precisa de explicação. Já é um termo tão corriqueiro que merecia uma entrada no dicionário. Mas como seria o verbete? Poderíamos sugerir: “Momento anual para salvar o mundo, mas que nunca chega a um remédio definitivo.”
Há uma dose de injustiça nessa proposta. Houve uma evolução significativa nos últimos anos, ainda que insuficiente, conforme lembrou Fiona Harvey, jornalista do Guardian, numa entrevista à BBC esta semana. No pior cenário traçado pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), a temperatura da Terra aumentaria 4,4 graus Celsius até ao final do século, face aos níveis pré-industriais. Mas se tudo o que os países prometeram fazer desde o Acordo de Paris for cumprido, é possível que a subida fique pelos 1,8 graus, segundo o Climate Action Tracker. O ideal será não ultrapassar 1,5.
Nada disso afasta a dimensão dos problemas que temos pela frente. A temperatura global vai subir. E a população também – embora a um ritmo cada vez menor, contrariando a ideia de que o aumento é exponencial. Acabámos de chegar aos oito mil milhões de habitantes. Em 2100, seremos 10,4 mil milhões, na projeção média da Divisão de População das Nações Unidas. A maior fatia desse aumento vai-se concentrar em África, cuja população deverá se aproximar da asiática, onde os gigantes demográficos, China e Índia, sofrerão uma acentuada contracção.
Em números absolutos, África, hoje com 1,4 mil milhões de habitantes, terá 3,9 mil milhões no final do século. Serão 2,5 mil milhões a mais, em países particularmente vulneráveis às alterações climáticas. No ano passado, os desastres naturais desalojaram 2,6 milhões de pessoas no continente, sobretudo devido a secas e cheias, nas contas do Internal Displacement Monitoring Centre. Com uma população largamente dependente da agricultura, os efeitos são avassaladores – fome, desnutrição, migrações em massa para as cidades.
Não surpreende, portanto, que um dos temas centrais da COP27 tenha sido o financiamento das perdas e danos, ou seja, a discussão sobre quem pagará a conta dos efeitos do aquecimento global sobre países que quase nada contribuíram para o problema.
O resultado desta COP reafirma o que são, na sua essência, estas magnas reuniões para salvar o mundo: uma espécie de um animal híbrido, que até se move na direcção certa, mas muito lentamente, mesmo tendo o perigo ali à frente dos olhos.
Mas a COP é a COP, e isso já ninguém tira à ONU. É algo que já nos é familiar, falamos dela como se fosse um primo direito. Possivelmente, o seu magnetismo aumentará, à medida em que o tempo de que dispomos para limitar o aquecimento do planeta se for esgotando. Até lá, a COP continuará a ser um termómetro para aferir a sensibilidade do mundo pela emergência climática – o termo que criámos para dramatizar um problema que já era urgente resolver há 30 anos.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico.