UE depende dos Estados-membros para dar um passo de gigante contra a desflorestação
Há cerca de um ano, a Comissão Europeia (CE) apresentou uma proposta de regulamento para produtos livres de desflorestação, procurando minimizar o contributo da União Europeia (UE) para a desflorestação e degradação florestal mundiais, reduzir as emissões de gases com efeitos de estufa associadas à UE, assim como travar a perda de biodiversidade e acabar com as violações aos direitos humanos.
De certa forma, pretende-se finalmente responsabilizar as empresas e o setor financeiro para que os produtos que diariamente encontramos nas prateleiras dos supermercados não contribuam para processos de desflorestação.
Neste âmbito, a agricultura voltada para a exportação é, sem dúvida, o principal motivo de desflorestação no mundo, com estimativas variáveis que podem chegar aos 90%. Entre as mercadorias de maior risco, contam-se a carne de bovino e derivados da produção de gado, o óleo de palma, a soja e o cacau (dados da Organização para a Alimentação e Agricultura, FAO – desflorestação entre 2001 e 2015).
É aqui que a UE terá de ser chamada à sua responsabilidade. A UE é o principal exportador e o terceiro maior importador de alimentos em termos de valor, o que claramente nos responsabiliza face às consequências da produção doméstica e daquela desenvolvida nos países de origem. Só o consumo da UE é responsável por até 16% da desflorestação tropical.
E será que os portugueses se preocupam com a origem dos produtos que chegam diariamente ao seu prato? O reconhecimento do problema da desflorestação é grande. Os cidadãos portugueses, numa sondagem realizada recentemente, mostraram um apoio bastante alto (mais de 80% dos inquiridos) a uma regulamentação que garanta que produtos que causam desflorestação não chegam à sua mesa, identificando os grandes agentes económicos como os maiores responsáveis pelos impactes nas florestas. Perante a ineficácia de medidas de auto autorregulação , é necessária regulamentação.
Para a Zero e a Deco, a participação muito positiva dos deputados portugueses no Parlamento Europeu (PE), que, numa votação favorável em plenário, contribuíram de forma inequívoca para as alterações aprovadas, são um sinal de esperança no sentido de maior ambição do regulamento para efetivamente contribuir para a redução da desflorestação e degradação florestal global sem esquecer a componente de direitos humanos.
As alterações apresentadas no PE foram mais além do que foi apresentado na proposta da Comissão Europeia ao permitirem fortalecer a proteção aos direitos humanos, aludindo ao direito internacional e particularmente aos direitos consuetudinário e de consulta e consentimento prévio, livre e informado.
Para além disso, a inclusão de outras mercadorias, como o milho, a borracha, aves de capoeira, carne de porco e de cabra e carvão (acrescem ao óleo de palma, à soja, à madeira e à carne de bovino, e alguns produtos derivados), permitem aumentar o leque de mercadorias de elevado risco para a desflorestação efetivamente abrangidas por este regulamento. A inclusão do setor financeiro foi crucial de modo a que instituições bancárias não financiem investimentos e operações que resultam na desflorestação e degradação das florestas.
Reforçaram-se, ainda, as definições de “desflorestação” e “degradação florestal”, a rastreabilidade, a frequência de ações de fiscalização e as penalizações em caso de incumprimento, assim como a consideração de uma data de referência (quanto à deflorestação e degradação florestal) antecipando por um ano a proposta da CE (dezembro de 2019).
Na etapa final de negociação dos trílogos, já sob a presidência da República Checa, em que será definido o teor final do diploma, os Estados-membros desempenharão um papel central nas negociações. Nesta fase, esperamos que o Governo português tenha um papel ativo e represente os seus cidadãos na defesa de uma legislação forte e eficaz na proteção das florestas, dos direitos humanos e dos interesses dos consumidores.
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico