A geodiversidade em Portugal é elevada ou baixa? Encontra-se distribuída de forma homogénea por todo o país ou há regiões com maior diversidade geológica do que outras? E como se reflecte a geodiversidade nas paisagens e na cultura do país?
Numa viagem do Minho ao Algarve, e não esquecendo os Açores e a Madeira, é fácil constatar que Portugal é um país de elevada geodiversidade: observem-se as diferenças na paisagem e no relevo ou repare-se nas rochas com que são construídas as casas tradicionais em zonas rurais. A geodiversidade é, directa e indirectamente, uma das principais razões pelas quais Portugal é um país com forte atracção turística, apesar de não existir uma percepção generalizada de que os elementos naturais de um país, assim como alguns culturais, são condicionados pela geodiversidade existente.
Vamos então conhecer como é constituída a geodiversidade em Portugal, um exercício arriscado e necessariamente não exaustivo, dada a limitação no número de palavras disponíveis para este texto.
Rochas
Começamos pelas rochas, provavelmente aquilo que todos associam, desde logo, à geologia. Existe em Portugal uma grande variedade de rochas representativas dos três grupos principais: magmáticas ou ígneas, metamórficas e sedimentares (ver mapa em baixo).
Na metade Norte da parte continental, predominam as rochas magmáticas intrusivas (formadas pelo arrefecimento do magma em profundidade). Os granitos, e suas variedades, são, provavelmente, das rochas mais conhecidas: com cerca de 300 milhões de anos, são há muito usadas na construção de monumentos como o Bom Jesus, em Braga, a Torre dos Clérigos, no Porto, ou a Sé Catedral, na Guarda, e na edificação do casario tradicional em aldeias como Soajo ou Monsanto, entre muitas outras. Existem outras rochas magmáticas intrusivas no país, como dioritos, gabros e sienitos.
Para observarmos a diversidade de rochas magmáticas extrusivas (formadas pelo arrefecimento do magma à superfície), teremos de visitar os arquipélagos dos Açores e da Madeira, apesar de no Continente também existirem rochas basálticas na zona de Lisboa, Mafra, Rio Maior e Lagos. Nas ilhas ocorrem, por exemplo, basaltos, andesitos, traquitos, tufos vulcânicos, ignimbritos e piroclastos como bombas, lapili e cinzas.
As rochas metamórficas ocupam uma boa parte de Trás-os-Montes, Beira Alta e Alentejo. São rochas tão diversas como xisto, quartzito, mármore e gnaisse, formadas em profundidade por modificação de rochas pré-existentes, devido a um aumento de temperatura e pressão.
A rocha mais antiga em Portugal é metamórfica: trata-se de um granulito, em Bragança, com cerca de 1100 milhões de anos (ainda relativamente jovem se compararmos com os 4600 milhões de anos da idade da Terra). Nesta região, e na zona de Macedo de Cavaleiros, ocorrem rochas metamórficas exóticas, como anfibolitos e metaperidotitos, que resultaram do metamorfismo de rochas pré-existentes que formaram uma antiga bacia oceânica e que, devido a movimentos tectónicos, se deslocaram sobre a crusta continental permitindo a sua observação à superfície (processo de obducção).
Convém recordar os menos familiarizados com temas de geologia que, com base na teoria da tectónica de placas que enquadra actualmente todo o conhecimento geológico, a distribuição das massas continentais varia ao longo do tempo geológico. Assim, por exemplo, quando nos referimos a uma rocha metamórfica com cerca de 300 milhões de anos, temos de pensar que a área que hoje identificamos como “Portugal” estava localizada perto da linha do equador, e nela existiam florestas tropicais húmidas luxuriantes (que deram origem ao carvão que foi explorado, até há algumas décadas, em São Pedro da Cova e no Pejão).
Finalmente, as rochas sedimentares, formadas à superfície pela acumulação de sedimentos em ambientes marinho, fluvial e lagunar, ocupam grande parte das regiões litorais ocidental (a sul de Aveiro) e meridional, e das bacias dos rios Tejo e Sado. De uma forma geral, são as rochas mais recentes do país (formadas durante os últimos 220 milhões de anos) e apresentam igualmente uma grande variedade, como calcários, margas, arenitos e conglomerados.
Também estas rochas têm uma forte representação no património cultural português; basta referir, como exemplos, os calcários usados na calçada portuguesa ou nos mosteiros dos Jerónimos e da Batalha, ou os arenitos avermelhados que conferem ao castelo de Silves um aspecto distinto.
Directamente relacionados com os vários tipos de rochas, temos os solos; também eles fazem parte da geodiversidade. Os solos resultam da lenta transformação das rochas à superfície da Terra, condicionada pelo clima e pela topografia.
Existindo uma grande variedade de rochas, a que se aliam diferenças climáticas e de relevo entre Norte e Sul, litoral e interior do país, vamos encontrar uma diversidade de solos com características bem distintas (solos podzolizados, halomórficos, mólicos, litólicos, argiluviados, calcários, entre outros). Por exemplo, os solos são mais argilosos no Sul do país, mas mais ácidos e com maior teor de carbono orgânico no Norte.
Minerais
Para além dos vários minerais que formam cada uma das rochas (quartzo, feldspato, mica, calcite, olivina, anfíbola, entre muitos outros), existem concentrações de minerais em alguns locais, resultantes de determinados processos geológicos.
No grupo dos minerais metálicos estão documentadas mineralizações de, por exemplo, chumbo, cobalto, cobre, crómio, estanho, ferro, lítio, manganês, níquel, ouro, prata, terras-raras, titânio, tungsténio, urânio e zinco.
Quanto a minerais não metálicos, existem registos de asbesto, apatite, bário, caulino, diatomito, feldspato, flúor, grafite, quartzo, talco, entre outros.
Alguns destes minerais são, ou podem vir a ser, explorados para fins económicos de forma a satisfazer as necessidades da vida humana, tema já abordado em texto anterior.
Fósseis
Os fósseis correspondem a qualquer registo de vida do passado geológico preservado em rochas (ossos, dentes, pegadas, pistas de locomoção...). São testemunhos cruciais que permitem reconstituir a origem da vida no planeta e a sua evolução até à biodiversidade hoje existente.
Os fósseis mais antigos encontrados em Portugal terão cerca de 539 milhões de anos: são associações de microalgas preservadas em rochas metamórficas na região de Monfortinho-Salvaterra do Extremo. A diversidade dos fósseis mais antigos é muito grande e inclui um vasto conjunto de organismos, como trilobites, braquiópodes, bivalves, gastrópodes, equinodermes, graptólitos e esponjas, que habitaram os oceanos há 400-500 milhões de anos. Na zona de Gondomar, foram identificados fósseis de plantas continentais e insectos com cerca de 300 milhões de anos.
Nas rochas formadas entre há cerca de 200 e 100 milhões de anos, existe uma grande variedade de fósseis de organismos marinhos (amonites, braquiópodes, bivalves, gasterópodes, corais, equinodermes, crinóides, foraminíferos, entre outros) e também de grandes animais que viviam nas zonas litorais e perto da costa, como os dinossauros e outros répteis antepassados dos actuais crocodilos. Só na região da Lourinhã já foram identificadas mais de dez espécies de dinossauros, algumas das quais ainda só conhecidas em Portugal.
Todo este conjunto de rochas ricas em fósseis ocorre basicamente no litoral entre o Cabo Mondego e o Cabo Espichel, incluindo as zonas das serras do Sicó, Aire e Candeeiros, e em alguns sectores do litoral algarvio.
De salientar ainda os fósseis de espécies ancestrais de rinocerontes, elefantes, hipopótamos e leopardos em rochas com menos de um milhão de anos no vale do Tejo e litoral alentejano. Nos Açores, ilha de Santa Maria, estão também documentados inúmeros fósseis de algas, moluscos, equinodermes, braquiópodes, crustáceos, ostracodes, cetáceos e seláceos, formados durante os últimos cinco milhões de anos. Na ilha da Madeira, a ocorrência de fósseis é mais limitada, mas também existem exemplos de algas, equinodermes, bivalves e corais.
Relevo
O relevo e as paisagens são, possivelmente, a face mais visível da geodiversidade. O relevo de uma região está largamente condicionado pelo tipo de rocha predominante e pela existência de estruturas geológicas como falhas e fracturas. Claramente, a metade Norte do país é, de um modo geral, mais montanhosa do que a metade Sul, característica que se reflecte no tipo de clima dominante.
Na previsão meteorológica para Portugal Continental, é habitual escutarmos que, a norte do sistema Montejunto-Estrela, há maior probabilidade de ocorrer céu nublado e precipitação do que a sul. As formas de relevo (geoformas) podem ser caraterizadas a diversas escalas e, como já foi referido, dependem muito do tipo de rocha.
Por exemplo, nas serras do Gerês e da Estrela, temos toda uma variedade de geoformas graníticas (blocos arredondados, pias, etc.) e nas serras de Aire e Candeeiros encontramos uma diversidade de formas cársicas (dolinas, grutas, etc.). No litoral Sul alentejano e cabo de São Vicente, as imponentes falésias litorais contrastam com o relevo aplanado das costas baixas nas zonas de Melides, Mira ou Aveiro.
Água
A circulação da água nos poros e fracturas das rochas provoca a lenta dissolução de alguns dos seus minerais, dando origem a água com uma composição química condicionada pelo tipo de minerais que foram sendo dissolvidos. Apesar de, por definição, a água ser insípida, certamente todos conseguimos sentir a diferença entre uma água com origem na serra granítica do Gerês e outra proveniente da serra de Monchique, onde o sienito nefelínico é a rocha dominante.
A circulação da água ao longo de falhas e fracturas profundas dá origem a água muitas vezes quente e com propriedades medicinais nas cerca de 50 termas do Continente e ilhas. O tipo de água que existe num determinado local é, assim, mais uma manifestação da geodiversidade da região.
Processos geológicos
Uma última nota relativa aos processos geológicos activos que ocorrem a uma velocidade e numa escala que é facilmente apreendida pelos seres humanos e que também fazem parte da geodiversidade. No caso de Portugal, referimo-nos a fenómenos vulcânicos (nos Açores), actividade sísmica, movimentos de vertente (desabamentos, deslizamento de blocos, etc.), erosão costeira, dinâmica fluvial e inundações, entre outros, que ocorrem um pouco por todo o país.
Com (apenas) 92.225 quilómetros quadrados de superfície terrestre, Portugal encontra-se, em termos de área, na posição 109 entre 195 países. Não temos ainda conhecimento suficiente para construir uma lista dos países com maior geodiversidade, mas certamente que o resumo muito incompleto aqui apresentado dá boas pistas para adivinhar a posição de Portugal nessa lista.
Geólogo da Universidade do Minho e membro da Associação Portuguesa de Geólogos
Agradecimentos a Luís Lopes e Teresa Salomé Mota pela leitura e revisão crítica do texto