Joaquim já tem um contador na vinha para o ajudar a poupar água
Em Reguengos de Monsaraz, escassez de água deixa agricultores a sonhar com abundância do Alqueva, ali ao pé, mas iniciativa Gulbenkian Água quer incentivá-los a gerir melhor a que têm disponível.
Por estes dias, Joaquim Pio, viticultor de Reguengos de Monsaraz, já sabe quanto gastou na campanha de rega de seis dos hectares de vinha que possui: 400 metros cúbicos de água por hectare. Tudo porque foi um dos escolhidos por um dos projectos financiados pela iniciativa Gulbenkian Água para instalar um contador na sua propriedade. Até aí, fazia parte da enorme percentagem de agricultores que “apenas abriam a torneira e deixavam regar”, sem se preocupar com os consumos. Com a escassez que se sente no país, e sobretudo no Alentejo e Algarve, tenta-se traçar um caminho para contrariar esse cenário.
O agricultor está integrado no projecto VinAzReg, promovido pela Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA), e que foi um dos cinco que a Gulbenkian apoiou, no âmbito da iniciativa Água, depois de avaliadas as várias propostas que se apresentaram ao concurso aberto pela fundação. Esta quarta-feira, decorreu a última acção de demonstração do projecto, destinada aos agricultores da região, com o objectivo de lhes apresentar – e os cativar – para os benefícios de uma melhor gestão de água.
A vinha de Joaquim Pio foi um dos três exemplos apresentados aos cerca de 30 agricultores que se reuniram na cooperativa Carmim, para depois partirem à descoberta do que podem fazer para gerir de forma mais eficaz o uso de água nas suas propriedades. A instalação de um contador é “o nível mais básico” desse processo, como explicou Marta Santos, do Centro Operativo e de Tecnologia de Regadio (COTR), um dos parceiros da CVRA no projecto financiado pela Gulbenkian, a todos os que se reuniram junto à vinha do agricultor, sob uns escassos e rápidos pingos de chuva grossa.
Um contador pode parecer pouco, mas, além de dar a Joaquim Pio a noção exacta de quanta água está a gastar, permitir-lhe-á, ao longo do tempo, comparar os gastos que precisa de realizar, consoante as condições do ano agrícola que enfrenta, o que só traz vantagens. E com alguns dos presentes a garantirem que a percentagem dos agricultores de Reguengos de Monsaraz que não têm um contador andará acima dos 75%, podendo chegar aos 90%, percebe-se que há ainda muito por fazer.
Mas os promotores do projecto não se quiseram ficar pela demonstração do que de mais básico se pode fazer, pelo que os participantes puderam ainda ouvir José Cartaxo, da empresa agro-pecuária Jóia Aromática, explicar como a colocação de uma sonda no seu olival recente já lhe está a trazer vantagens. “Colocando a sonda, consegue-se verificar os níveis hídricos com que o solo se encontra, se está muito seco ou não. Como a rega aqui é um bocado deficitária, verificar esses resultados permite-me poder regar no limite”, disse.
O défice de água foi uma constante ouvida aos agricultores durante toda a manhã, a par com um outro termo: Alqueva. É que a enorme massa de água da albufeira do Alqueva está a poucos quilómetros de distância, mas ainda não chega aos agricultores de Reguengos de Monsaraz. E mais uma promessa de que a obra que o irá permitir vai, finalmente, avançar não convence os participantes na iniciativa, cansados de esperar.
Por isso, não é de admirar que alguns olhem com desconfiança para as medidas de gestão de água que lhes vão sendo apresentadas. O investimento para instalar um contador pode começar nos 400 euros, mas uma sonda com as respectivas aplicações de leitura já será um pouco mais, e quando se passa para o tipo de trabalho desenvolvido pela última propriedade visitada nesta manhã – a Ritmo Campestre, Exploração Agrícola – então passa-se para a ordem dos muitos milhares de euros.
Ali, a vontade do proprietário de investir numa agricultura assente na sustentabilidade levou à instalação de uma estação meteorológica, contadores, sondas, um sistema de descalcificação (para aproveitar em pleno a água das charcas da propriedade, uma das quais aberta recentemente), entre outras iniciativas, incluindo a produção de diferentes culturas, tudo em regime biológico e amigo do ambiente. Todos estavam atentos à descrição que Filipe Gomes, da área da gestão da propriedade, fez destes investimentos, mas, no final, nem todos ficaram convencidos.
Investir sem água?
“Já tenho esta tecnologia toda, mas temos um grande handicap: quando não temos água, o que fazemos com todos estes aparelhos? Eu muitas vezes estou condicionado à água da chuva. E tenho a água do Alqueva a 50 metros de uma das minhas terras, sem lhe poder mexer”, dizia, no final, Mário Ramiro, director agrícola da propriedade Castas Novas, no Redondo. “Se estiver dois anos sem chover, para que quero os aparelhos que custam tantos milhares de euros? Se não tenho água...”, insistia.
Ainda antes de partirem para o terreno, João Barroso, coordenador do programa de sustentabilidade da CVRA, explicava que ter acesso à água do Alqueva e introduzir tecnologias que permitam uma gestão mais eficiente do seu uso na agricultura não se excluem. “Programas como este, da Gulbenkian, fazem sempre sentido. A educação e a sensibilização são essenciais, mas elas têm de ser alicerçadas em ferramentas que permitam que o que se aprende seja posto em prática. A disponibilidade financeira, como a que tivemos com este programa, que permita trazer para o terreno a tecnologia, da mais complexa à mais simples, é muito bem-vinda”, disse, acrescentando: “Uma coisa é a disponibilidade de água, outra é o uso da água. Às vezes, quanto mais se dá, mais displicente é o uso. É o facto de haver pouco que obriga as pessoas a serem mais cuidadosas. Se a água do Alqueva vier, espero que seja usada com responsabilidade.”
A iniciativa Gulbenkian Água começou em 2019, com a encomenda de um estudo sobre o uso da água em Portugal, que revelou alguns dados preocupantes. Apesar de o sector agrícola ser responsável pelo consumo de 75% da água no país, o estudo revelou que 71% dos agricultores não tinham algo tão básico como um contador de água e apenas 3% deles foram considerados pela Gulbenkian como tendo potencial para serem “mentores” dos restantes, por já incluírem na sua actividade ferramentas para um uso sustentável da água.
Os cinco projectos financiados pela fundação no âmbito desta iniciativa – e que se estenderam do Douro ao Vale do Mondego, Vale do Tejo, Oeste, Ribatejo e Alentejo – estão agora a chegar ao fim, e Rosário Paiva, gestora de projectos do Programa de Desenvolvimento Sustentável da fundação, diz que ainda é cedo para fazer um balanço. “Temos um parceiro externo a trabalhar connosco, a Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, que irá avaliar estes projectos e perceber qual é o caminho a seguir. Se é de repetir ou fazer algo diferente. Estamos mesmo num momento de reflexão”, disse, no final das actividades desta quarta-feira.
Mas de uma coisa está certa: “É difícil medir o impacto, porque é um processo demorado. É exigente para os agricultores. Apesar de estarem muito motivados, porque de facto percebem que não há água, passar à adopção de tecnologia, saber utilizá-la, e, utilizando-a, saber quão eficientes estão a ser é difícil de medir.”
Ainda assim, acrescenta, há já dados positivos: “Dizem-nos que depois destas acções de demonstração já há quem esteja a comprar tecnologia, e é isso que queremos.”
Dados fornecidos pela Gulbenkian indicam que houve mais de 1200 participações nas acções de demonstração dos cinco projectos apoiados, e que em dois deles se notou essa procura por mais tecnologia. “Um dos projectos afirma que 20% dos agricultores envolvidos já estão a implementar novas práticas, enquanto 97% dizem ter vontade de o fazer”, garante a fundação.
Vai ser preciso esperar para perceber se esta vontade se transforma em acções concretas.