Dieta flexitariana: não é preciso ser vegan para salvar o planeta
A dieta flexitariana consiste preferir alimentos de origem vegetal sem cortar de vez a carne. Ao contrário dos apelos que associam a acção climática à ideia do sacrifício pessoal, esta abordagem permite reduzir emissões sem cortes drásticos.
A nutricionista Dawn Blatner lutou anos a fio para ser vegetariana, passando pelo desejo ocasional de um cachorro-quente num estádio desportivo ou mesmo uma carne assada numa data festiva. “Sempre pensei que eu era apenas uma vegetariana preguiçosa”, diz Dawn Blatner. “Até que me deparei com a palavra ‘flexitariana’.”
Isso foi em 2003. Desde então, Blatner apresenta-se como uma flexitariana. “Acordar todos os dias com a intenção de comer mais vegetais – é isto ser um flexitariano”, explica. Mas, basicamente, “não há como cortar grupos de alimentos”.
Comer alimentos de origem vegetal na maioria das vezes – o pilar da dieta flexitariana – é uma ideia que surgiu, passou e voltou ao longo dos anos. É fácil encontrar uma grande variedade de livros, blogues, receitas e estudos científicos dedicados ao assunto.
Embora as dietas à base de plantas sempre tenham oferecido benefícios significativos à saúde, assim como a diminuição do risco de doenças cardíacas e diabetes, estes regimes alimentares também são cada vez mais reconhecidos como uma forma de combater a crise climática. E, ao contrário dos apelos que associam a acção climática à ideia do sacrifício pessoal – abdicar da carne, do carro, do plástico e das viagens aéreas –, a abordagem flexitariana destaca-se precisamente por ser… flexível. As pessoas podem experimentá-la sem abandonar os pratos favoritos.
Não há uma definição fixa para flexitarianismo, e até mesmo as origens do termo são um pouco nebulosas. (Algumas referências na Internet atribuem erroneamente a designação à própria Dawn Blatner.) Desde que a American Dialect Society elegeu “flexitarian” como uma das palavras do ano em 2003, este estilo de alimentação tornou-se cada vez mais popular. Está longe de ser o único estilo que gravita em torno dos alimentos de origem animal versus vegetais. Aqui está um resumo rápido:
- Veganismo: uma dieta totalmente baseada em vegetais, sem carne, lacticínios ou outros produtos de origem animal;
- Vegetarianismo: uma dieta baseada principalmente em vegetais com lacticínios e ovos, mas sem consumo de peixe ou carne;
- Piscitarianismo: uma dieta com vegetais, lacticínios, ovos, peixes e outros frutos do mar – mas sem carne vermelha ou branca;
- Dieta climática: escolher alimentos tendo em conta a redução da pegada de carbono, evitando principalmente carne bovina e ovina;
- Dieta redutora: aposta na redução do consumo de carne, na medida em que a pessoa escolher;
- Dieta flexitariana: uma dieta baseada principalmente em vegetais, embora nenhum alimento esteja proibido. Também conhecida como dieta vegetariana de meio período.
Existem hiatos consideráveis entre o que cada uma dessas dietas recomenda e o que as pessoas realmente comem na prática, principalmente nos Estados Unidos. Os norte-americanos consumiram cerca de 24 quilos de carne suína, 26 quilos de carne bovina e 51 quilos de frango per capita em 2020. As directrizes alimentares dos EUA são de até 750 gramas de carne, aves e ovos por semana (cerca de 38,5 quilos por ano de todos os três combinados) e até 225 gramas de peixe.
Enquanto isso, proliferam os estudos favoráveis à moderação da ingestão de carne e lacticínios. Demonstrou-se que uma dieta baseada em alimentos integrais “reduz o risco de doenças crónicas, como diabetes e doenças cardíacas, e certos tipos de cancro, como o de cólon e da próstata”, diz Dana Hunnes, nutricionista e investigadora da Escola de Saúde Pública de Los Angeles, na Universidade da Califórnia. Até mesmo para quem já tem diabetes ou doenças cardíacas, a dieta é aconselhada, uma vez que ajuda reverter estes problemas. “É uma dieta mais saudável, rica em fibras, vitaminas e minerais e com propriedades anti-inflamatórias”, afirma.
Depois, há o planeta. O sistema alimentar é responsável todos os anos por cerca de um terço das emissões globais – mais do que a siderurgia, aviação e transporte combinados. Essa estimativa leva em consideração todo o ciclo de vida de um alimento – do cultivo até ao prato, incluindo o transporte e a distribuição mundial.
Criar e alimentar grandes quantidades de gado é a parte que mais contribui para a pegada de carbono, sendo a carne bovina o alimento mais pesado em termos de emissões. Quando as vacas arrotam, elas liberam metano, um gás de efeito estufa mais potente do que o dióxido de carbono. E criar vacas requer terra abundante para os próprios animais e os alimentos que comem.
Uma grande parte do solo necessário à pecuária vem de florestas, o que significa que os sumidouros naturais de carbono estão a ser eliminados para dar lugar a pastagens e terras agrícolas (cultivos esses que não são tão eficazes em absorver o carbono do ar). Cerca de 45 milhões de hectares de terra em todo o mundo foram desmatados para criar gado entre 2001 e 2015, de acordo com o World Resources Institute, com a floresta amazónica do Brasil entre as mais afectadas.
Em seguida, na lista de alimentos intensivos em carbono, está o cordeiro e a ovelha, seguidos por carne de porco e aves, diz Stephanie Roe, cientista especializada em clima e energia da organização World Wildlife Fund (WWF). Os lacticínios também têm uma pegada relativamente alta, embora menos do que a carne bovina, “porque o consumidor obtém mais calorias por unidade do que com a carne bovina”, diz Roe. “Depois, vai diminuindo até chegar às leguminosas, que provavelmente são as mais baixas.”
A pegada climática da carne bovina é quase 100 vezes maior do que a de fontes de proteína vegetal, como feijão e leguminosas, diz o investigador climático Marco Springmann, do Instituto de Mudanças Ambientais da Universidade de Oxford. Isto torna a mudança de dieta uma das maneiras mais eficientes de reduzir as emissões rapidamente.
Brian Kateman – co-fundador da Fundação [para a dieta] Redutora em 2015, com o objectivo de defender a redução do consumo de carne por razões ambientais – refere que comer carne também implica um consumo considerável de água. A porção de 170 gramas de carne bovina tem uma pegada hídrica impressionante de 2551 litros, de acordo com a Water Footprint Network, em comparação com 128 litros para uma chávena de café e 79,4 litros para uma porção de salada individual composta de alface, pepino e tomate.
O órgão mundial de referência em ciência climática, o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), recomenda a mudança de dieta como uma solução climática no relatório publicado em Abril de 2022. “A ingestão moderada de alimentos de origem animal e a ingestão reduzida de gorduras saturadas podem levar a reduções substanciais nas emissões [de gases de efeito estufa]”, observa o documento.
Os cientistas também relataram “alta confiança” no facto de que a mudança nas dietas ter o potencial de reduzir anualmente as emissões em 0,7 a 8 gigatoneladas de dióxido de carbono equivalente. Trata-se de um intervalo enorme, no entanto. De acordo com Stephanie Roe, a faixa mais plausível de economia climática devido a mudanças na dieta é entre 1,7 a 2,5 gigatoneladas de CO2 equivalente por ano, o que equivaleria a eliminar metade da pegada climática dos EUA a cada ano.
A conclusão é que, quando se trata de combater a poluição climática causada pela alimentação, a acção individual é importante. “Se todos fizerem algum tipo de esforço, haverá uma soma dos esforços”, diz Hunnes.
Apesar de todas essas provas, os cientistas do clima há muito tempo hesitam em recomendar mudanças no que comemos porque pode ser um tópico muito polémico. “As conversas sobre mudanças na dieta inflamam debates em certas partes do mundo”, diz Roe. “Os cientistas perceberam isso.”
Quando os pedidos para aprovar um novo plano verde no Congresso dos EUA atingiram um pico no início de 2019, os republicanos atacaram-no alegando falsamente que democratas e activistas climáticos queriam na verdade proibir a carne. Agora, praticamente qualquer proposta climática atrai as mesmas críticas. Quando o Presidente Joe Biden anunciou uma meta de reduzir as emissões dos EUA em pelo menos 50% até 2030 em Abril de 2021, por exemplo, Marjorie Taylor Greene, membro da Câmara dos Representantes, referiu-se a ele como “hamburglar” [um trocadilho com as palavras hambúrguer e ladrão (burglar) em inglês].
Não ajuda muito o facto de alimentos ricos em gordura, açúcar e sal serem mais atraentes quando as pessoas estão sob stress (quem nunca teve uma relação emocional com a comida?). Mas aqui também o flexitarianismo tem uma resposta. Alguns estudos mostram que mudanças graduais ou “pequenas” nas dietas podem levar a perder e controlar melhor o peso do que mudanças mais abruptas e drásticas. É por isso que Hunnes, que é basicamente vegan, descreve sua dieta como “baseada em vegetais”.
Usar uma linguagem menos rígida “incentiva as pessoas a envolverem-se mais com essa dieta favorável ao clima e à saúde, sem necessariamente ter que ir dos oito ao 80”. É também por isso que o conselho de Dawn Blatner para quem quer comer mais plantas é simples: “Experimente uma nova receita vegetariana por semana.” Então será possível experimentar cerca de 50 coisas novas até o final do ano. “Refeições preponderantemente à base de plantas são mais fáceis do que ser vegetariano o tempo todo”, diz ela.
Brian Kateman, da Fundação [para a dieta] Redutora, explica isso talvez de forma mais simples: “O consumo de carne não é uma premissa de tudo ou nada”, diz ele. “Não é necessário tornar-se vegan ou vegetariano para aliviar a crise climática.”
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post