São nove quilómetros de areal dourado. O cartão-de-visita do Porto Santo, que o projecto Life Dunas que tornar mais resiliente às alterações climáticas e à acção humana.
O projecto, que arrancou no final de 2020, é coordenado pela Secretaria Regional de Ambiente, Recursos Naturais e Alterações Climáticas, e tem como parceiro científico a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Engloba várias acções. A mais visível é a recuperação e construção dos característicos muros de croché, feitos em pedra aparelhada, que protegem as explorações agrícolas dos ventos atlânticos, e ajudam a sustentar a integridade do cordão dunar.
No local da intervenção, na zona da Calheta, no extremo Oeste do Porto Santo, já são bem visíveis os muros a proteger as vinhas rasteiras que crescem junto à areia, numa área anteriormente coberta por infestantes: canavieira, tamargueira e chorão-das-praias.
“Está concluída a primeira fase de plantação, estando estas primeiras plantas prontas para a enxertia no início de 2023”, adianta ao PÚBLICO, fonte da Secretaria Regional do Ambiente, pormenorizando que toda a área plantada está a ser cercada com muros de croché, e será depois dividida de acordo com a propriedade dos terrenos privados que estão a ser intervencionados.
As vinhas são de Caracol e Listrão, duas castas autóctones da ilha, e que nos últimos anos foram redescobertas por gente vinda de fora e que nelas viu potencial para fazer vinhos tranquilos distintos. Pela mão do produtor e enólogo António Maçanita, a transformação dessas uvas tem resultado em vinhos que estão a ser recebidos com entusiasmo pela crítica. O Listrão dos Profetas 2020 e o Listrão dos Profetas – Vinho da Corda 2020, ambos assinados por Maçanita, foram avaliados este ano com 94 e 95 pontos (em 100), respectivamente, pelo crítico norte-americano Robert Parker na Wine Advocate. O segundo é o vinho branco português com a melhor pontuação naquela publicação. Também foi reconhecido pela jornalista e crítica de vinhos Jancis Robinson, que lhe atribuiu 19 pontos (em 20) — e deu 17,5 pontos ao Listrão dos Profetas 2020.
Apesar da atenção crescente que as uvas brancas da ilha têm conquistado junto de produtores de vinho, para já não está prevista a produção de vinho a partir das cepas plantadas as dunas, enquadra o gabinete da secretária regional do Ambiente, Recursos Naturais e Alterações Climáticas, Susana Prada: “o objectivo é a produção de uva de mesa, de castas tradicionais do Porto Santo.”
As uvas do Porto Santo têm essa particularidade. Vão tão bem numa travessa sobre a mesa como no copo. E o interesse nas duas castas autóctones por parte de vários produtores de vinho veio dar outro fôlego a esta componente do Life Dunas. Para além de António Maçanita, que abriu no Porto Santo a Companhia de Vinhos dos Profetas e dos Villões de propósito para produzir os seus vinhos tranquilos, também a Justino’s Madeira e a Quinta do Barbusano têm olhado com mais interesse para o potencial das uvas do Porto Santo, que até há meia dúzia de anos eram trabalhadas apenas por produtores locais, como o casal Fátima e José Diogo, que escoam a produção praticamente toda no 3V's, o bar que têm no centro da vila baleira.
Todos os terrenos onde está a ser recuperada a actividade agrícola são privados. Enquanto o projecto estiver a ser implementado, o cultivo ficará a cargo da Secretaria Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural, que irá também “dinamizar” a utilização das uvas durante esse período. No final, e durante cinco anos, os proprietários continuarão a receber apoio técnico dos parceiros do Life Dunas. Um projecto que ascende a 3,1 milhões de euros e é co-financiado pela União Europeia em 55 por cento.
A estratégia regional
O ponto de partida foi o trabalho técnico-científico realizado para a implementação da Estratégia de Adaptação às Alterações Climáticas da Região Autónoma da Madeira (Estratégia Clima-Madeira). Nesse processo, foram feitas análises de risco e vulnerabilidade a várias zonas do arquipélago e os ecossistemas dunares do Porto Santo foram identificados como zonas susceptíveis a potenciais impactos das alterações climáticas, como o aumento do nível médio das águas do mar. Dentro do cordão dunar, a zona da Calheta foi considerada a mais degradada e, por isso, escolhida para o “restauro ecológico e geomorfológico”.
A intervenção, destaca o gabinete de Susana Prada, será feita através de uma abordagem integrada, assente nos ecossistemas e recorrendo a soluções “baseadas na natureza e na utilização sustentável a longo prazo das áreas pré-dunares”.
Além da reintrodução das práticas agrícolas nas zonas pré-dunares, o projecto contempla a restauração do ecossistema nativo, controlando as espécies exóticas invasoras e plantando espécies autóctones, e a reconstrução das zonas mais degradadas, recorrendo a 90 mil metros cúbicos de areia de outros pontos da ilha. Sempre envolvendo a população em acções de sensibilização e voluntariado activo.
“O projecto, que pretende ser de demonstração, prevê a posterior replicação de várias acções para várias outras das áreas identificadas”, aponta o governo madeirense, ressalvando que só depois de “comprovados os resultados” na área que está a ser intervencionada é que avançam para outras zonas da praia.