Ponto d’Orvalho: o festival que nos quer pôr a pensar como uma floresta
Concertos, performances, caminhadas, refeições comunitárias. Em Montemor-o-Novo, na terceira edição do festival Ponto d’Orvalho que se faz entre 16 e 18 de Setembro, vai reflectir-se sobre um planeta em colapso mas sobretudo lançar ideias sobre como é que ele se pode regenerar. O primeiro passo talvez seja pensar como uma floresta.
As florestas são sistemas inteligentes, um conjunto de ecossistemas complexos que ligam insectos, fungos, aves, plantas. O que podemos aprender com elas? “Da mesma forma que a natureza pode regenerar, as sociedades também têm a imensa capacidade de se adaptar, regenerar e transformar”.
É esse o lema inscrito no manifesto da terceira edição do Ponto d’Orvalho, um festival multidisciplinar que nasceu em 2020, em Montemor-o-Novo, que apresenta propostas artísticas híbridas e formatos inesperados, pensados para serem experienciados num contexto natural. Depois de as duas primeiras edições terem sido realizadas na Herdade do Freixo do Meio, este ano o festival realiza-se de 16 a 18 de Setembro na Herdade do Barrocal de Baixo, que permite que grande parte dos participantes possa também ficar alojada no local.
“Até temos pudor em chamar-lhe festival, porque é muito importante que a escala seja de intimidade. Em muitos sítios é até difícil ter rede de telefone”, explica Sérgio Hydalgo, um dos programadores do festival, em conjunto com Leonor Carrilho e Joana Krämer Horta.
Foi de resto da experiência pessoal de Joana Krämer Horta, que cresceu em Montemor-o-Novo, que nasceu a ideia de um festival que colocasse a arte como ferramenta de consciencialização ecológica. Depois de uma temporada na Herdade do Freixo do Meio, onde observou de perto um exemplo de práticas de regeneração dos solos e o restauro ecológico em sistema agro-florestal de produção de alimentos, Joana procurou espalhar a mensagem usando a arte como veículo.
“Temos todos muita informação, muitos dados. A nossa proposta, não sendo muito directa e literal na acção, é capaz de gerar reflexões”, explica Leonor Carrilho. “A arte tem poder muito grande porque mexe com as nossas emoções. São sinapses de que muitas vezes não nos apercebemos”, acrescenta Sérgio Hydalgo, ex-programador da Galeria Zé dos Bois, em Lisboa. “A arte permite compreender o que é invisível, o que nos é diferente, distante”, diz.
A proposta do festival é a de mergulhar através da arte na realidade climática que já vivemos. “Este Verão, com as ondas de calor, acho que a realidade deixou de ser invisível. Está mesmo à frente dos nossos olhos. Mas a arte é uma ferramenta necessária para abrirmos ainda mais os olhos”, defende Joana Horta.
No manifesto da edição deste ano do festival, destacam-se os “fenómenos como mutações ecológicas, verões demasiado longos, quentes e secos, solos altamente degradados e consumo contínuo de água não medido”, a que todos assistimos. No Ponto d’Orvalho, explicam, o objectivo é “abordar a importância de aprender novas formas de habitar a Terra e de gerar alternativas que respondam à crise ambiental e ao desequilíbrio territorial.”
Curiosos na Herdade do Barrocal
No festival, juntam-se “curiosos, artistas, pessoas da ecologia, ciência”. Não mais de 150 pessoas, entre artistas e público, para que a escala de proximidade permita uma experiência enriquecedora. E sempre em sintonia com o meio natural envolvente.
No sábado, dia 17, uma caminhada pela Herdade do Barrocal de Baixo vai juntar a artista Gabriela Albergaria e António Mira, biólogo e chefe do Laboratório de Biologia da Conservação da Universidade de Évora. Na sexta-feira à noite, após o concerto de Coby Sey, músico, produtor e DJ de Londres, Djaimilia Pereira de Almeida irá ler um texto, escrito por si para o festival, debaixo do céu nocturno do Barrocal.
“É diferente estar no contexto da natureza, com sons do campo e uma sala que é um anfiteatro natural”, defende Leonor Carrilho. “Isso diz muito sobre como apreendes a proposta artística”.
Temas como a agro-ecologia ou a alimentação vão estar em destaque. Inês Neto dos Santos, que trabalha no campo da performance e instalação, investigando as relações entre o que comemos e como comemos, vai propor ao público um exercício colectivo que usará o que está a crescer na agro-floresta do alemão Marc Leiber, que trabalha na adaptação da Agricultura Síntrópica ao clima mediterrânico.
Na Quinta das Abelhas, no Freixo do Meio, foi lançado um grande campo de ensaio durante o último ano e meio onde foram plantadas cerca de 50.000 árvores, juntamente com outros elementos florestais, gramíneas e legumes. Este campo de ensaio está dividido em três partes: o campo de 2020, e depois dois campos que foram instalados em 2021, um deles sem irrigação. No festival, Marc Leiber propõe uma caminhada silenciosa pelos campos.
“Os formatos híbridos [deste festival] potenciam a troca, a proximidade, a partilha”, explica Sérgio Hydlago. Uma metáfora para o que vemos numa floresta. “Árvores e fungos comunicam de forma invisível, e essa ideia de troca, de só em conjunto podermos ver uma transformação real, é muito forte”.
No Ponto d’Orvalho, acredita-se que a colaboração entre todos os que participam é a grande arma que pode inspirar mudanças maiores. No “menu manifesto” do chef Diogo Noronha - que trabalha com ingredientes provenientes dos princípios da agricultura regenerativa - utilizam-se ingredientes de fornecedores locais.
Os hortícolas, frescos e ervas aromáticas serão fornecidos pela Cooperativa Integral Minga, entidade parceira do evento, que tem como uma das missões apoiar e fomentar o desenvolvimento da agricultura local de Montemor-o-Novo, essencialmente constituída por pequenos agricultores que cultivam sem agroquímicos.
Há também uma proximidade com a comunidade local. Entre os artistas convidados está, por exemplo, o Grupo Coral Feminino Ecos do Monte, de Montemor-o-Novo, que vão cantar músicas tradicionais da região e de manifestação popular, reforçando a forte identidade deste lugar, do seu património e da sua história. Há até um bilhete para residentes em Montemor-o-Novo a um preço mais acessível: 15 euros, em vez dos 55 euros de bilhete único que dá acesso ao festival.
A encerrar haverá uma discussão aberta com os artistas, toda a equipa e quem se quiser juntar, sobre o que ali se viveu durante três dias. O debate final servirá, acredita Joana, para “levar o espírito do Ponto d’Orvalho para casa”.
Artigo actualizado às 13h55 com informações sobre a Cooperativa Integral Minga