A ecologia na gestão dos riscos
Estamos num turbilhão de riscos globais: as alterações climáticas, a adulteração das paisagens de naturais a produtivas, doenças epidémicas e segurança alimentar, muito causada por guerras, em particular a da Ucrânia. De entre todos estes riscos, a perda de biodiversidade está na base dos problemas que afectam toda a nossa estabilidade: o surgimento de novas doenças, desastres naturais como incêndios e aumento de aridez, qualidade do ar e da água e também os meios de subsistência de milhões de pessoas, com riscos para a economia.
De acordo com o último Fórum Económico Mundial, mais de metade do produto interno bruto (PIB) total do mundo está altamente dependente do que a natureza oferece, com impactos na produção, cadeias de fornecimento e mercados. Isto devia suscitar preocupação. No entanto, assistimos a pressões internas e externas que nos levam a virar costas.
O aumento do PIB e o desenvolvimento das sociedades são avaliados através da produção, da eficiência em acumular dividendos, seguindo uma lógica linear, embora muito se defenda a economia circular. Uma verdadeira economia circular devia ter por base o conhecimento do funcionamento dos ecossistemas onde as interacções complexas que se estabelecem permite que os desperdícios de uns sejam o alimento de outros, de forma circular, dinâmica e evolutiva.
A pandemia surgida com o SARS-CoV-2 trouxe maior confiança na ciência e nos cientistas, não só em Portugal mas a nível mundial, como confirmou o Welcome Global Monitor 2020. Mas esta avaliação deu-se numa altura especial, quando a sensibilidade e o medo da doença eram maiores.
Agora, neste período de Verão onde os incêndios teimam em avançar, as discussões surgem à volta de “questiúnculas” sobre o combate aos fogos. De 2017 até hoje pouco se aprendeu sobre o papel de como a gestão dos ecossistemas e a decisão sobre os tipos de ecossistemas a preservar geram consequências que podem ser fulcrais para a estabilidade da nossa paisagem. Os incêndios e a seca surgem como uma inevitabilidade, sem parar para pensar sobre as causas e os meios actuais para os minimizar. O problema anda sempre à volta dos combustíveis fósseis e do problema energético como o culpado de todos os males. E isto é de tal modo dito até à exaustão pelo Estado e pelos media que a própria sociedade assimila sem problemas.
Apesar de alguns reconhecerem o perigo da perda de diversidade e da uniformização das paisagens, a grande maioria olha o assunto com alguma “bondade” com uma compreensão limitada sobre a razão dessa importância para a economia e a estabilidade a longo prazo. A sociedade, profundamente antropocêntrica e urbana, sente-se desresponsabilizada. Mantém também uma lógica egocêntrica, muito mais limitada e voltada para si e para os seus. A própria pandemia exacerbou esta necessidade de sobrevivência, de concentração individual.
Paralelamente, estamos na era digital, onde tudo se passa e incentiva a ser realizado num ambiente virtual. O mundo tecnológico é a aposta europeia, as empresas digitais imperam e crescem, a robótica veio para ficar, imitar e prever as reacções humanas. As redes sociais substituem as reuniões familiares, as conversas amenas de fim de tarde ou de fim-de-semana. Criam-se vazios, tempos mortos de solidão, aumenta-se a fragilidade física e mental e as doenças aparecem.
Comparativamente, estamos a gerar sociedades semelhantes aos ecossistemas humanizados de produção: a exploração de áreas extensas com uma só espécie de forma clonal, herbáceas, frutícolas ou florestais, numa lógica linear de economia. Tudo controlado, de forma organizada, as interacções no ecossistema estão simplificadas: as pragas são controladas, a rega é automática, mas controlada por computador ou telemóvel, numa lógica de produção limpa e eficiente. Quando surgem as pragas, seca ou incêndios, surgem os “estados de calamidade”, com mais investimento e subsídios para minimizar os danos.
Quando os riscos ameaçam e os “estados de calamidade” surgem, são consequentemente transmitidos aos mercados financeiros e de seguros. É uma realidade actual que ainda não é vista como novo paradigma social e económico. A abordagem desta nova realidade devia ser articulada com a Agenda 2030 e o Pacto Ecológico Europeu, e exigirá mudanças profundas na relação entre a natureza, as economias e as instituições sociais e governamentais. São novas áreas que mostram como a ecologia, enquanto ciência, pode constituir um valor adicional em termos de ligação social e económica.
A nova abordagem de economia circular proposta por Kate Raworth, economista da Universidade de Oxford que lançou a noção da “economia doughnut”, mostra a importância do conhecimento sobre o funcionamento do ecossistema, como base do desenvolvimento de uma verdadeira economia circular para o século XXI.
Esta proposta evidencia a importância de ter um ecólogo em todos os sectores produtivos, económicos e até de consultoria, empresarial, política ou de saúde pública. O conhecimento transversal e holístico dos ecólogos permite transformar conhecimento em planos de acção que, em conjunto com outros técnicos, podem ser estruturantes e abrangentes. Por isso, cabe aos ecólogos o dever de mostrar o que sabem e contribuir de forma eficaz e assertiva para o desenvolvimento sócio-económico. Não podem continuar inconformados e fechados perante a indiferença pública dos verdadeiros riscos ambientais. Mas os media e os políticos terão de aprender a tirar partido destes profissionais chamando-os e consultando-os, por forma a minimizar os riscos que podem colocar em perigo a sobrevivência do Homem.