Produtores de vinho no Algarve esperam “muito menos” produção este ano
A maioria arrancou a vindima nesta primeira quinzena de Agosto. Há quem espere qualidade e quem se sinta menos entusiasmado. Certo é já que a quantidade de produção deverá ser menor.
Ainda não são 9h e já praticamente todos os cachos estão colhidos. Na Quinta dos Vales, as vindimas arrancaram a 27 de Julho numa pequena vinha que os proprietários têm em Silves. Durante três dias, colheram-se as castas Aragonês e Cabernet Sauvignon para rosé e Sirah para branco. “Se fosse para tinto teríamos de esperar mais um bocadinho”, aponta a enóloga residente, Marta Rosa. Foi o ano em que a vindima “começou mais cedo” nos 14 que leva de trabalho na quinta algarvia, sublinha. Nos últimos três, a colheita adiantou-se uma semana em relação ao que seria normal no passado, mas nunca tinham vindimado tão cedo.
A chuva tem sido pouca (“uns dias no início de Março, basicamente”) e o calor muito, especialmente durante o mês de Junho, com noites invulgarmente “também muito quentes”, o que fez com que “a evolução da maturação da uva se tenha desenvolvido muito rapidamente”, nota a enóloga, de saída do projecto no final da temporada para a quinta Breijinho da Costa, no concelho de Grândola.
No dia em que estivemos na Quinta dos Vales, a vindima também já tinha arrancado na maior propriedade, com 18 dos 20 hectares, localizada em Estombar (Lagoa). Naquela manhã, colhiam-se os cachos da casta Viognier de um dos primeiros clientes do projecto The Winemaker Experience que, desde 2018, permite alugar ou comprar uma parcela de vinha e participar na elaboração do próprio vinho (seja apenas na definição do perfil ou no acompanhamento de todo o processo, dependendo do interesse do cliente).
Como a micro-parcela está ligeiramente mais elevada e exposta ao sol, “já está com os 12,5 graus [de álcool previsto] que se pretende”, enquanto as fileiras seguintes, também de Viognier, propriedade da Quinta dos Vales, ainda estão “um bocadinho atrasadas”, apontava Marta Rosa, enquanto se colhiam os últimos cachos. Esta semana, a colheita retomou na quinta-feira, com Sirah para rosé e, se tudo se mantiver como previsto, a vindima vai continuar “sem paragens” até ao final da próxima semana.
“Este ano, não vamos fazer vinho tinto produção Quinta dos Vales porque temos bastante em cave, e vamo-nos focar no que se vende no Algarve: rosés e brancos”, revelava a enóloga. Entre os planos, contava, está um rosé de Cabernet Sauvignon e um branco de Alicante Bouschet, que há-de ser lançado no mercado em garrafas Magnum, tal como em 2019.
Quebras de “10 a 15 por cento"
Na Paxá Wines, também em Lagoa, a aceleração do processo de maturação das uvas devido à seca e às temperaturas elevadas é “controlada com a rega”, aponta o produtor Tiago Lopes, e este ano até esperam um volume de produção “talvez um pouco acima do ano passado”. “Estamos a apontar para 110 mil garrafas, cerca de 70 ou 80 mil litros.”
É uma excepção entre os produtores e enólogos contactados pelo Terroir no Algarve. Na Quinta dos Vales, Marta Rosa tem “notado uma menor produção” em termos de rendimento líquido, com quebras ligeiras sucessivas nos últimos anos. No entanto, acredita que 2022 “vai ser um bom ano”, uma vez que a qualidade “está excelente”. “A uva está limpinha”, sem notas de pragas ou escaldões, aponta. Dá o exemplo dos cachos de Viognier colhidos: estão com 12,5 graus “mas uma acidez de sete”. “Chega à adega e não precisa de ser corrigido, está óptimo.”
De acordo com a presidente da Comissão Vitivinícola do Algarve (CVA), Sara Silva, “as elevadas temperaturas registadas em Julho resultaram em alguns casos pontuais de escaldão na vinha”, mas as expectativas para a campanha são “positivas”, podendo vir a traduzir-se “num aumento até 5 por cento relativamente a 2021 em termos de vinho apto a Denominação de Origem Protegida / Indicação Geográfica Algarve em 1,6 milhões de litros declarados”.
Na quinta algarvia da Artemis, no concelho de Tavira, onde produzem os vinhos Monte da Ria, “nota-se sempre o impacto” da seca, afirma o enólogo António Narciso, mas “menos porque [as vinhas] são todas regadas” e “não tem faltado água por enquanto”. “Nas vinhas que temos noutras regiões, como o Dão, por exemplo, em que não temos muita água para regar, nota-se que as plantas estão com muito mais dificuldades em ter uma boa maturação, com qualidade”, compara.
“Quando a temperatura é muito alta, a maturação também não se faz muito, porque a planta pára de trabalhar. Pode haver um acelerar de maturação mais por desidratação do próprio bago e aí estamos forçados a vindimar, se calhar, mais cedo, para não perder muito mais a produção ou por algumas castas que possam vir a sofrer muito mais e secar.” No entanto, não é o caso das vindimas da Artemis este ano, que arrancaram com a colheita de Arinto nos primeiros dias de Agosto, como tem acontecido desde que começaram a produzir nesta quinta, em 2019.
75 por cento da vinha com rega
No total, de acordo com o Instituto da Vinha e do Vinho, esta cultura ocupava no Algarve pouco mais de 1400 hectares em Julho de 2021 (0,7 por cento da área total de vinha em Portugal). Segundo dados da CVA, “desde 2017 foram plantados mais de 200 hectares de vinha” na região, tendo havido distribuição de fundos, nos últimos 12 anos, de Apoio à Reconversão e Reestruturação de “cerca de 213 hectares de vinhas”. Cerca de 75 por cento de toda a vinha no Algarve é regada, acrescenta. “As vinhas de sequeiro existentes são normalmente as mais antigas, de alguns viticultores, mas que, em muitos casos, compromete a rentabilidade”, nota a presidente da CVA.
Apesar da rega, a estimativa é que, este ano, haja quebras de produção, em termos de quantidade, entre “10 a 15 por cento”, aponta António Narciso. “Da experiência que tenho do país todo, irá haver muito menos líquido, muito menos rendimento”, aponta. Na quinta da Artemis em Tavira, as primeiras colheitas não trouxeram previsões animadoras. “Num ano normal, faríamos na base dos 75 por cento [rácio entre o total de uvas colhidas e o vinho gerado]. Este ano, andará nos 65 por cento, algumas castas vão cair para 60 por cento.”
Nuno Gonzalez, enólogo na Adega do Convento do Paraíso, em Silves, e na Herdade da Malhadinha Nova, em Albernoa (Alentejo), assume “não ter grandes expectativas”. “Não estou nada entusiasmado nem com a qualidade nem com a quantidade”, reconhece. “Mas isso também faz parte da vida do enólogo. Tem de se tentar dar sempre a volta por cima, principalmente nestes anos que não são tão favoráveis em termos da qualidade da uva.”
Uma das particularidades na produção deste ano, nota, tem sido a grande “heterogeneidade das vinhas”. “Não me lembro de um ano em que houvesse, na mesma parcela de vinha, plantas com cachos completamente maduros e a planta ao lado estivesse numa fase fenológica completamente diferente, muito mais atrasada”, aponta, não encontrado forma de explicar o fenómeno. “É um ano complicado.”