Conservação da natureza em Portugal: uma miragem
Há poucas coisas no mundo capazes de inspirar e maravilhar o ser humano como o mundo natural. Ver aves a voar alto no céu, o espanto de ver um animal aparecer no mato, a beleza do céu estrelado. Surpreende por isso a nossa falta de amor e cuidado com o mundo natural. Em Portugal a conservação da natureza vale pouco ou nada, merece pouca ou nenhuma atenção mediática, está esquecida dos programas políticos e a sociedade em geral desconhece a sua riqueza e importância.
A condenação do Estado português pelo Tribunal Europeu por falhar na proteção da natureza comprova esta realidade, assim como a incapacidade e incompetência do Estado e do ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas) de restaurar e proteger espécies e habitats ameaçados. A falta de visão para a proteção e preservação do mundo natural é clara, desde as mudanças ao papel dos vigilantes da natureza, à gestão de áreas protegidas, a que espécies priorizar.
Ao invés de ver a expansão natural de animais como o urso pardo ou várias espécies de abutres como uma oportunidade, a resposta é apatia.
Ao invés de reintroduzir espécies chave com um impacto grande no ecossistema como o castor, a cabra montesa ou o cavalo e restabelecer funções ausentes, são subsidiadas práticas agrícolas ou ações de “gestão da paisagem” para replicar funções e manter a necessidade da mão humana no ecossistema. Apostar em paisagens humanizadas como estratégia para áreas naturais não faz sentido economicamente nem ambientalmente, é caro, tem fracos resultados e não é sustentável a longo prazo, contudo é a estratégia.
Coisas simples como monitorizar o estado de habitats e seres vivos ou controlar e diminuir a poluição luminosa são raras. Tendências internacionais como a remoção de barragens obsoletas e excessivas não é tema em Portugal. Imaginar uma área protegida daqui a dez anos é algo raramente feito. O compromisso com florestas “vivas” ou de “conservação” na realidade são mais licenças para plantações florestais de eucaliptos e/ou a “gestão do abandono”. A solução para aproveitar terras agrícolas marginais passa por subsidiar práticas agrícolas e não por aproveitar o espaço para criar novas áreas protegidas. Leis ambiciosas, como em Espanha, de proteção e restauro de espécies e ecossistemas, em Portugal não são tema de discussão. O turismo de natureza, com imenso potencial para promover a proteção do mundo natural, em Portugal, salvo algumas exceções, são passadiços e baloiços, com impactos negativos cada vez mais claros.
Conservação “à la terreno do vizinho” é um clássico de Norte a Sul do país: o ICNF não tem terrenos próprios, por isso tem que fazer ações de restauro e conservação da natureza em terrenos de terceiros. Assim que o proprietário decide mudar a gestão da propriedade, por exemplo com o objetivo de maximizar o lucro através de olivais intensivos, como acontece nas planícies alentejanas, a conservação da natureza fica ameaçada. Existe o mesmo perigo com o lince no Alentejo, que está a ser reintroduzido em terrenos de privados.
A sede do ICNF é no Saldanha [em Lisboa], uma das zonas mais urbanas do país; o evento de “novas estratégias para a conservação da natureza” foi realizado há poucos meses no Palácio de Queluz. São pequenas situações que demonstram um grande problema, o distanciamento dos altos cargos do instituto à natureza e à realidade no terreno.
O custo de construção de uma barragem, como por exemplo a do Baixo Sabor, é provavelmente maior do que o gasto total em conservação e restauro da natureza desde o começo da terceira República em Portugal. Para destruir e explorar há notas grandes, para cuidar e restaurar há moedas pequenas.
O quadro está feio, mas há histórias de esperança. O lince ibérico mostra que é possível recuperar espécies perto de extinção ou os sucessos das organizações sem fins lucrativos dedicadas à conservação da natureza, o trabalho da SPEA nas Berlengas, da Rewilding Portugal no Côa ou da LPN no Alentejo. Ou ainda bons exemplos no mundo, a African Parks em África e a Rewilding Argentina na América do Sul são estratégias de sucesso, é só preciso estar atento e replicar.
Para a vida selvagem continuar a existir e prosperar em Portugal, a conservação da natureza não pode ser uma miragem. Tem de ser clara e ambiciosa, completa e sonhadora. Precisamos de um Portugal mais selvagem.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico