A relevância natural e cultural do Parque Nacional da Peneda-Gerês
O Parque Nacional da Peneda-Gerês engloba extensas manchas de granito, com pequenas faixas xistosas, de grande parte das serras da Peneda, do Soajo, da Amarela e do Gerês, com alguns dos pontos mais altos do continente português: Giestoso (1337 metros), Outeiro Alvo (1314 metros), Pedrada (1416 metros), Louriça (1355 metros), Borrageiro (1433 metros), Nevosa (1545 metros) e Cornos da Fonte Fria (1456 metros).
Os aspectos dominantes que caracterizam a morfologia da área são essencialmente condicionados pelas estruturas geológicas, pelas consequências da sua meteorização e pelos efeitos da glaciação do Würm.
Os efeitos desta glaciação (circos glaciares, moreias, rochas aborregadas, etc.) podem observar-se nos pontos elevados das serras da Peneda, do Soajo e do Gerês, nos quais existiram glaciares nas cabeceiras de alguns rios (Vez, Homem, Couce-Coucelinho).
A constituição geológica do solo, a variedade de microclimas e a humanização da região conferiram-lhe características muito particulares.
O Parque Nacional da Peneda-Gerês é ainda uma das raras regiões do Norte de Portugal onde se podem encontrar grandes extensões de carvalhais – Quercus robur (carvalho-alvarinho) e Quercus pyrenaica (carvalho-negral) –, embora muito alterados por acção antrópica.
Na verdade, as condições edafo-climáticas e altimétricas existentes permitem que aqui se encontrem espécies que variam desde as das regiões mediterrânicas – exemplo: o sobreiro (Quercus suber) e o medronheiro (Arbutus unedo) – e subtropicais – exemplo: o loureiro (Laurus nobilis) e o azereiro (Prunus lusitanica) – até às das euro-siberianas e alpinas – exemplo: o pinheiro-de-casquinha (Pinus sylvestris) e o teixo (Taxus baccata).
Dos bosques climácicos destacam-se a Mata do Ramiscal na serra da Peneda, com azevinhos (Ilex aquifolium) de grande porte; a Mata do Cabril na serra Amarela; a Mata de Albergaria e o Beredo na serra do Gerês e o rio Mau na região da Mourela.
Entre as espécies lenhosas mais importantes associadas aos carvalhais, estão o azevinho (Ilex aquifolium), a torga-arbórea (Erica arborea), o medronheiro (Arbutus unedo) e o amieiro-negro (Frangula alnus).
Acima dos 900 metros ocorre também o vidoeiro (Betula pubescens), espécie já característica da zona euro-siberiana, tal como o pinheiro-de-casquinha (Pinus sylvestris) e o teixo (Taxus baccata), localizados em altitude, nos vales mais húmidos e abrigados.
De entre as espécies alpinas destacam-se o zimbro (Juniperus communis alpina, Minuartia recurva e Armeria humilis humilis).
O carácter fitogeográfico do Parque Nacional da Peneda-Gerês é-lhe conferido por elementos euro-siberiano-boreo-americanos (subelementos centro-europeus 40%; subelementos atlânticos 23%; espécies mediterrânico-atlânticas 11%); elementos mediterrânicos (espécies submediterrânicas 6%); endemismos (locais e hispano-lusitânicos 20%).
O número de endemismos é notável; ele envolve, além de orófitos locais, outras espécies, uma grande parte das quais apresenta na Península Ibérica, sobretudo na sua parte setentrional, carácter também montano.
Das plantas do Parque Nacional, 19 espécies são raras, duas são vulneráveis – o teixo (Taxus baccata) e o lírio-do-gerês (Iris boissieri) – e duas estão em perigo de extinção – o pinheiro-de-casquinha (Pinus sylvestris) e o Narcissus asturiensis.
A zona média, entre os 1200 e 1400 metros, é caracterizada pelo predomínio dos arbustos e de algumas árvores como o teixo (Taxus baccata).
Uma das particularidades do Gerês é podermos encontrar, em zona relativamente pouco extensa, bosques mediterrânicos, como o Sobreiral da Malhadoura, bosques caracteristicamente atlânticos como a Mata de Bouça da Mó e a Mata de Albergaria, e vestígios de flora alpina, como a Thymelaea broteriana e Armeria humilis, em Carris, por exemplo.
Para além de todas as espécies citadas muitas outras existem. Uma dentre elas merece referência especial, pela sua raridade, pois é um endemismo geresiano: o lírio-do-gerês, Iris boissieri.
O Parque Nacional da Peneda-Gerês não é apenas floristicamente importante, é-o, também sob o ponto de vista zoológico. Tanto assim que possui áreas classificadas como Reservas Biogenéticas do Conselho da Europa, como 1650 hectares da Mata de Albergaria.
Infelizmente alguns animais estão já extintos, como o urso-pardo (Ursus arctos) desaparecido há cerca de três séculos e a cabra-do-gerês (Capra pyrenaica lusitanica), a última das quais foi capturada e, felizmente, fotografada há cerca de 132 anos (20 de Setembro de 1890), e outros estão em vias de extinção como o lobo (Canis lupus), inscrito no Anexo II da Convenção de Berna, e a águia-real (Aquila chrysaetus), conhecida na Peneda-Gerês por ave-gardunha ou apenas águia. Alguns mamíferos, dados como extintos, reapareceram na área do Parque Nacional, como o esquilo (Sciurnus vulgaris). Entre os mamíferos, podem ainda ser observados, com relativa facilidade, o corço (Capreolus capreolus) o javali (Sus scrofa), a raposa (Vulpes vulpes), o texugo (Meles meles), a gineta (Genete geneta) e populações de garranos-selvagens (Equus caballus) da raça luso-galega. A lontra (Lutra lutra), assim como micromamíferos como a rara toupeira-aquática (Galemys pyrenaicus), é de difícil observação.
São conhecidas na área do Parque Nacional cerca de centena e meia de aves, algumas extremamente raras, como o pardal-alpino (Montifringilla nivalis) e o tartaranhão-ruivo-dos pauis (Circus aeruginosus).
Entre os répteis, além do lagarto-de-água (Lacerta screiberi), o Parque é célebre pelas suas víboras, Vipera seoanei (víbora-negra) e Vipera latastei latastei (víbora-cornuda), que não são agressivas, não atacando o seu agressor nem o perseguindo.
Dos batráquios, são relativamente frequentes a rã-verde (Rana ridibunda peresi), a rã-castanha (Rana iberica), o sapo (Bufo spinosus) e até o sapo-parteiro (Alytes obstetricans). Difíceis de observar são os tritões (Triturus), a salamandra (Salamandra salamandra) e a protegida quioglossa (Chioglossa lusitanica).
Os invertebrados do Parque estão ainda mal recenseados, embora da lepidofauna (borboletas) sejam conhecidas mais de três centenas de espécies.
O património arqueológico e cultural do Parque Nacional da Peneda-Gerês é excepcionalmente rico, devido ao longo período de humanização da área (mais de 7000 anos).
É suposto que a humanização se processou ou acelerou especialmente a partir do início da fase climática do período Atlântico (cerca de 5000 a.C.). São disso testemunho os túmulos megalíticos (mamoas, antas e mesmo cistas) dos planaltos elevados de Castro Laboreiro e da Mourela, ou as chãs das serras da Peneda, do Soajo, da Amarela e do Gerês.
As oito rochas da Bouça do Colado (Lindoso, Ponte da Barca), ricamente gravadas com insculturas tipologicamente enquadráveis no grupo de arte rupestre galaico-português, ou a estátua-menir da Ermida (Ponte da Barca), são monumentos importantes para a compreensão da mentalidade dos povos dos últimos tempos da pré-história recente.
Os castros da Calcedónia, do Outeiro do Castro, do Crestelo (Tourém) e da Ermida, perto do qual foi encontrada a chamada Pedra dos Namorados, são alguns dos povoados que exemplificam o tipo de habitats indígenas que, a partir do final da Idade do Bronze, durante toda a Idade do Ferro e mesmo ainda em plena dominação romana, ocuparam e fortificaram inúmeros montes da área do Parque.
No Gerês, existem os restos de um dos mais notáveis percursos da rede viária romana do Noroeste, o troço da via militar n° 18, segundo o Itinerarium Antonini, que ligava Bracara Augusta (Braga) a Asturica Augusta (Astorga), através de um percurso de 215 milhas, popularmente conhecida por Geira romana no seu traçado pela serra do Gerês.
Finda a ocupação romana, é a Igreja que passa a desempenhar o importante papel de coesão social e de povoamento. Ter-se-ão, assim, originado velhos povoados, hoje abandonados, como a Cidade (Cidadelhe, Lindoso), Torre Grande (Lindoso) ou o Juriz (Aldeia Velha de Pitões das Júnias), como as ruínas do mosteiro românico de Santa Maria das Júnias o testemunham.
Restam ainda no Parque duas guardas avançadas das nossas defesas medievais (sentinelas fronteiriças): o castelo de Castro Laboreiro, cuja fundação remonta ao século XI, e o de Lindoso, erguido talvez no século XIII e alterado pelo restauro e construção de uma cintura de muralhas.
No século XVI, a introdução da cultura do milho favorece a economia de subsistência, secularmente dependente de inúmeros abusos senhoriais. Da luta pela conquista das liberdades municipais são testemunhos o característico pelourinho do Soajo, do século XVII, restaurado em 1980, e o de Castro Laboreiro, erguido no século XVI e demolido em 1860.
O incremento da cultura do milho no século XVIII criou a necessidade de arranjar instalações para a sua armazenagem e defesa contra ratos, normalmente junto de uma eira comunitária. São os espigueiros, geralmente de granito e em grupos em torno da referida eira (exemplo: Soajo e Lindoso) e os canastros de verga ou madeira e telhado de colmo.
Para cultivar o milho é necessária muita água no Verão. Para que a água chegasse para todos os agricultores, foi implantado um sistema periódico de rega controlado por relógios de sol e relógios de água, que ainda se podem observar em muitas aldeias.
Como a região é montanhosa, para atenuar as encostas, evitar a erosão e permitir nelas a agricultura, o terreno foi armado em socalcos, circundados por sebes vivas, onde dominam árvores, algumas remanescentes dos carvalhais, constituindo a paisagem de “bocage” (do francês bois: bosque; bocage: arvoredo mata ou souto). Mantem-se ainda uma forma de irrigação multicentenária nos prados dos terrenos de encosta onde não há perdas de água. Consiste num sistema de valas principais ao longo da encosta donde partem outras secundárias e destas vários regos laterais que permitem a distribuição equilibrada e ininterrupta da água sobre o terreno (água de lima), de forma a irrigá-lo totalmente e não a deixando congelar nas épocas frias. São os conhecidos prados-de-lima ou lameiros. Como água é vida, estes prados-de-lima são ecossistemas de elevada biodiversidade herbácea e zoológica.
Havia o hábito de toda a população que vivia, no Inverno, nas aldeias dos vales (inverneiras), abandonar esses aldeamentos, indo, durante o Verão, para as povoações mais rústicas (verandas ou brandas) localizadas nas partes mais elevadas e frescas.
As vezeiras eram uma forma comunitária de pastoreio muito utilizada nas regiões montanhosas do Noroeste em que os animais (bovinos, caprinos e ovinos) se deslocam em conjunto para as áreas elevadas e eram guardados “à vez” por um dos vários proprietários e um pastor. Por isso, quando, no Verão, se percorrem as regiões elevadas do Parque, podem observar-se muitas cabeças de gado que “parecem” abandonadas na montanha. O lobo era aí um predador frequente e, por isso, próximo de alguns aldeamentos, como em Fafião, ainda se podem observar um ou outro fojo-do-lobo, forma encontrada pelas populações da montanha para a captura dos lobos. Noutras, como em Pincães, ainda as ruas são ladeadas de paredes elevadas, com passadiços por cima, para, à noite, ser possível visitar os vizinhos sem encontros desagradáveis com os lobos. Um dos testemunhos da ocorrência do urso-pardo no Gerês são as silhas, que são áreas circulares onde se colocavam as colmeias, protegidas por um muro alto, formado por pedras sobrepostas, para, assim, as colmeias não serem devastadas pelos ursos.
Todo este património cultural (paisagem de bocage, prados-de-lima, inverneiras, brandas, vinhas em latada, vinhas em bardo, vinhas de enforcado, silhas, etc.) tem vindo a perder-se. Não se entende como os socalcos do vale do Douro (sem uma erva pelo uso e abuso de herbicidas) são Património da Humanidade e os socalcos da paisagem de bocage não o são, quando são de elevada biodiversidade e testemunho da vida rural, anterior à agricultura mecanizada.