Garantir um planeta biodiverso e saudável
O mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC) descreve com maior precisão os impactos das alterações climáticas e reforça os alertas que já conhecemos: tempestades mais frequentes e mais severas, inundações, secas, incêndios florestais e outros eventos climáticos extremos. A mensagem é mais tangível do que nunca; o aquecimento é uma ameaça crescente ao nosso bem-estar e à saúde do planeta, sendo manifesta a interdependência entre o clima e a biodiversidade (1).
Ainda neste relatório, a ciência confirma que o aquecimento está a provocar mais extremos compostos, isto é, múltiplos riscos climáticos (por exemplo, temperatura extrema e precipitação) ocorrem simultaneamente no mesmo local, afetam várias regiões ao mesmo tempo ou surgem em sequência. Por exemplo, temperaturas mais altas e contínuas podem diminuir a humidade do solo, o que irá inibir o crescimento das plantas e diminuir a precipitação local, levando assim a maior seca. Os impactos continuarão a aumentar se adiarmos uma redução radical das emissões de carbono, com profundas implicações sobre todos os aspetos da vida humana: disponibilidade de recursos alimentares e hídricos, as infraestruturas e a economia, a saúde e o bem-estar.
Enfrentamos riscos que podem ser mitigados através da redução das emissões e do reforço das iniciativas de adaptação. Precisamos de uma mudança radical e profunda no consumo de energia e temos de acelerar a transição global para as energias limpas, investindo na natureza como garante da resiliência. Precisamos de adaptar as sociedades aos impactos das alterações climáticas em curso e trabalhar com as comunidades mais vulneráveis – uma mudança que exige maior financiamento público e estratégias de financiamento privado, como os mercados de carbono. Embora se verifiquem progressos, a adaptação é ainda insuficiente. Segundo o relatório do IPCC, “a maioria das medidas de adaptação é fragmentada, em pequena escala, adaptada aos impactos atuais e aos riscos de curto prazo, e mais focada no planeamento do que na implementação”.
A pandemia de covid-19 expôs a vulnerabilidade das nossas sociedades a crises sistémicas. As alterações climáticas têm o potencial de ser igualmente disruptivas, e não podemos ter a certeza de que os atuais sistemas sociais se conseguem adaptar gradualmente à medida que os impactos se agravam. São por isso necessários modelos de governança e compromissos globais para reforçar a capacidade de colaboração internacional e o apoio público a uma ação rápida. As alterações climáticas ameaçam a saúde humana e o ambiente, mas também promovem mais desigualdades sociais e contribuem para uma maior injustiça intra e intergeracional.
Os impactos das alterações climáticas podem criar um novo normal disruptivo. Pandemias, eventos climáticos extremos, desigualdades crescentes, crises financeiras e outros choques globais e sistémicos ameaçam profundamente as fundações das sociedades do século XXI, incluindo os nossos sistemas alimentares, a disponibilidade hídrica e energética, e os sistemas de transportes. As pegadas humanas e ecológicas disruptivas destes sistemas, e a instabilidade a elas inerente, são obstáculos a relações sociais justas e exigem uma resposta global.
Precisamos de um acordo global para enfrentar de forma coordenada os riscos globais, implicando novas narrativas e uma perceção moral da justiça climática, um acesso justo aos recursos do planeta, bem como equidade nos direitos humanos à saúde e ao bem-estar. As novas ideias para um futuro sustentável que se afastem dos atuais modelos de consumo e produção terão de inspirar políticas inovadoras em todos os níveis da governação. É importante que este caminho de construção de um novo futuro para um planeta habitável, sustentável e resiliente envolva realmente os jovens de todo o mundo.
1) Ao longo das últimas semanas de março, reuniram-se na Suíça representantes de 150 países, naquele que deveria ter sido um tempo de preparação da 15.ª Conferência Mundial das Nações Unidas sobre biodiversidade (COP15). Os debates terminaram a 29 de março e avançaram a um ritmo muito mais lento do que o esperado, dando origem a frustração e preocupação em relação ao futuro. No final dos trabalhos, os 2000 delegados não chegaram a um acordo sobre um texto que seria negociado e depois adotado pelos chefes de Estado e de Governo para pôr fim à destruição da biodiversidade.
Espera-se que a COP15 adote um novo roteiro para travar a erosão da biodiversidade até 2030. Especialistas e observadores ambicionam que esta reunião suscite uma convergência semelhante à causada pelo acordo climático de Paris em 2015. Entre outras metas, a questão da partilha justa e equitativa de informações e benefícios, além dos recursos genéticos, foi debatida até às últimas horas. O objetivo de proteger 30% da terra e do mar até 2030 parece reunir um apoio consensual.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico