A formação profissional visa a qualificação e o desenvolvimento do trabalhador e é transversal a todas as áreas laborais. No mundo empresarial, a formação contínua reveste-se de uma importância estratégica, por um lado, para as empresas que procuram qualificar e melhorar as competências dos seus recursos humanos, com vista à melhoria da sua produtividade e a sua competitividade; por outro lado, para os profissionais que, mais bem preparados para o mercado de trabalho em constante evolução, enriquecem o seu currículo e aumentam as oportunidades de ocuparem melhores cargos ou melhores empregos noutras empresas. Já para não falar da formação que, voluntariamente, e a título particular, os profissionais desenvolvem em percursos formativos de curta duração ou de aprofundamento, realizando licenciaturas, pós-graduações, mestrados ou doutoramentos.
Se a pandemia veio dar visibilidade às fragilidades e às forças do mercado de trabalho, também precipitou e redesenhou a rede de empregos, ditos tradicionais, fazendo soar o alarme para aquelas atividades laborais, cuja extinção se previa há vários anos.
Os professores, enquanto profissionais, não se subtraem às regras formativas, até porque ser professor se torna, cada vez mais, uma arte exigente e trabalhosa, que requer uma formação contínua sólida e com impacto efetivo junto dos alunos que, diariamente, representam a evolução tecnológica do Mundo em que se insere a Escola.
Assistimos a uma evolução e um desenvolvimento social e empresarial que decorrem de uma aposta forte e impactante das tecnologias digitais e que a pandemia acelerou e difundiu por todos os setores laborais. Nem a atividade da pesca, em pleno alto-mar, escapa a uma nova aplicação digital de venda direta do pescado, mesmo antes dos navios chegarem a terra. Devido ao uso desta tecnologia, os compradores poderão licitar o peixe em tempo real, sem fronteiras e sem nacionalidades.
Ser professor pressupõe uma constante atualização tecnológica e pedagógica, sob pena de se ver ultrapassado por uma sociedade que não abranda, só porque uma pandemia se instalou no mundo. Pelo contrário, cabe à Escola, como baluarte da ciência e da formação do indivíduo, modernizar-se para acompanhar o avanço da sociedade e compreender em que medida pode e deve responder aos desafios e às dinâmicas permanentes daqueles que, diariamente, lhe entram pela porta adentro: os alunos.
Ser professor requer visão e acompanhamento de uma realidade em constante mutação. Para tal, importa apostar numa formação contínua, encarada enquanto necessidade normal e óbvia pela inerência da responsabilidade da missão da Escola para com cada aluno e para com a sociedade. Realizar formação contínua, para o professor, não pode ser uma obrigação. É, diríamos, natural e imprescindível. Neste ponto reside uma das principais causas da estagnação do processo de formação e desenvolvimento profissional no ensino que é a dificuldade em compreender que estamos em plena aprendizagem ao longo da vida e que não deveria depender de uma obrigação. A realização de formação na Educação é parte integrante da consciência ética de cada professor face às necessidades inerentes à sua função pedagógica e à oferta que visa complementá-lo. Constata-se que o processo está pervertido por uma lógica absurda de avaliação docente e progressão na carreira, sem que se tenha a consciência dos porquês dessa formação, o que não contribui, por este motivo e de forma generalista, para uma real operacionalização e transformação do seu modus operandi pedagógico.
Se a didática é importante, a pedagogia e a compreensão do mundo são, no século XXI, essenciais a uma arte que requer muito mais para lá da mera transmissão dos conteúdos. Hoje, saber aprender autonomamente tornou-se mais urgente e necessário do que alguma vez foi. Também é importante desmistificar que aprender de forma autónoma, ou por si, não é o mesmo que aprender sozinho, porque há uma monitorização e acompanhamento do professor.
Ser professor é muito mais do que “dar a matéria”. É levar o aluno a gostar de aprender, a envolver-se num processo de enriquecimento pessoal e dar significado àquilo que aprende para o seu quotidiano, conjugando ciência e humanismo, com sensibilidade, dedicação, amor - como diria tão bem Sebastião da Gama, no seu maravilhoso Diário, datado de 1948 e 1949. Um diário que muito nos ensina e nos inspira a sermos mais e melhores professores para preparar os homens e as mulheres de amanhã.
Esta arte passa ainda pelo trabalho colaborativo efetivo entre professores. Uma colaboração que quebra as barreiras da solidão de ser professor. Essa prática contribui para a formação continuada dos professores, no sentido de um exercício mais criativo e mais adequado às características dos alunos e do mundo tecnológico, humano e sustentado para o qual os devemos preparar. Para além das Aprendizagens Essenciais, é urgente saber conjugá-las com as competências previstas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória.
Se, em 2017, este documento pareceu a (quase) todos uma miragem e umas linhas orientadoras utópicas, em 2021, o mesmo texto configura uma realidade assustadoramente palpável e inexorável a que a Escola não (se) pode negar. Ou seja, a ação dos professores deve adequar-se à exigência dos desafios colocados pela sociedade. Se a função da Escola sempre foi liderar o avanço das sociedades, como se pode pensar que possa, agora, ser a sociedade a marcar o ritmo de uma Escola que tarda a compreender a missão que sempre lhe coube e lhe cabe?
Na verdade, e estando nós em pleno processo de capacitação de professores no atual Plano de Ação para a Transição Digital, é também momento de reflexão sobre os modelos de formação contínua de professores. Se, por um lado, temos um regime regulado por um Conselho Científico Pedagógico da Formação Contínua de professores; por outro, temos toda uma gigante operacionalização de Oficinas, Cursos de Formação e Ações de Curta Duração, implementadas pelos Centros de Formação de Agrupamentos de Escolas, que oferecem, grosso modo, as três modalidades mais utilizadas na formação de professores, que obrigatoriamente perfazem 25 horas anuais ou 50 horas por biénio avaliativo.
Importa referir que, nestes modelos, não cabem formação adequada aos contextos, visto que se pretende, muitas vezes, iniciar processos de transformação pedagógica com apenas 25 ou 50 horas de formação. Tudo isto sem libertar os professores para realizarem a formação em tempo útil, ora porque é feita num volume e numa intensidade que não se adequa ao tempo para aplicar com alunos, ora porque é feita no final de um longo dia de trabalho. No caso concreto da capacitação digital, frequentemente, os recursos tecnológicos nem existem nas escolas para que os professores possam implementar as aprendizagens nas suas aulas e assim conseguirem algum impacto junto dos seus alunos.
A falta de coerência e os avanços e recuos da regulamentação no que toca ao processo formativo docente vai ao ponto de ter sido publicada uma carta-circular pelo Conselho Científico, em outubro de 2021, que encerrava o período excecional das ações de formação em “regime a distância”. Incongruência total por estarmos num momento de capacitação digital em que os benefícios de formação, a qualquer hora e em qualquer lugar, seriam restringidos, impedindo, assim, os diferentes e diversos professores de responder a uma oferta que nem sempre tinham nos seus locais de trabalho. Entretanto, essa carta-circular é revogada e substituída por outra, em novembro de 2021, voltando a autorizar os Centros de Formação a oferecerem a possibilidade da formação a distância.
Acresce que estes processos formativos estão, em muitos Centros de Formação, em desacordo com as políticas de aprendizagem ao longo da vida, uma vez que se mantêm o formato analógico e um tipo de formação, completamente, instrucional para professores. Na verdade, estes precisam de momentos de reflexão e de redefinição das práticas pedagógicas, ao invés de uma formação técnica, que explica em modelos de tutorial o funcionamento de ferramentas e aplicações, que poderiam, perfeitamente, ser aprendidos numa modalidade assíncrona. Ou seja, a formação deve acentuar a tónica na pedagogia, em vez de sobrecarregar os professores com uma sobrevalorização de ferramentas digitais, que acumulam a carga de trabalho e as curvas de aprendizagem, quando deveria facilitar o processo da transformação pedagógica tão necessária à realidade atual.
Sabemos que, desde março de 2020 e devido à pandemia e aos consequentes confinamentos, muitos professores perceberam o real impacto de fazerem formação, porque tiveram a necessidade de a aplicar em contextos práticos, desde logo correspondendo ao objetivo da formação contínua. Esta consciencialização ética realizada pelos professores é fundamental num processo de aprendizagem ao longo da vida e, portanto, deveria existir a possibilidade de combinar os diferentes modelos e horas de formação, permitindo, desta forma, percursos personalizados. Por iniciativa própria, muitos professores realizam formação do tipo MOOC (Massive Open Online Courses), por exemplo, promovidos pela Direção-Geral de Educação, perfazendo horas e horas de formação, personalizada e ao seu ritmo de aprendizagem, e acabam por não ver reconhecidas essas aprendizagens no seu processo de avaliação e de (a)creditação de formação para a progressão na carreira.
A formação em modalidade de e-learning e b-learning é cada vez mais uma realidade que deverá ser incluída nos planos de formação das respetivas escolas. Impõe-se uma reflexão sobre as razões que levaram milhares de professores a realizar processos de autoformação e que não têm qualquer valor para as instituições, provavelmente, porque grande parte da formação contínua em Portugal se baseia “apenas” em estar presente em formação e tão pouco em “operacionalização prática”.
Enfim, o percurso formativo docente e o seu reconhecimento carecem de uma ponderação séria e de uma revisão adequada aos tempos e a propósitos concretos que sirvam uma política de formação e de educação dos jovens que serão os adultos do século XXI.
Os autores escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico.