Portugal é o terceiro país europeu que mais captura tubarões e raias. Como proteger os “guardiões dos oceanos”?
Relatório da Associação Natureza Portugal diz que há uma “protecção inadequada” das 117 espécies de tubarões, raias e quimeras existentes no mar português. Autores urgem governos, pescadores e consumidores a mudar comportamentos.
A pesca excessiva e as elevadas capturas acidentais estão a ameaçar a sobrevivência dos tubarões e das raias e a causar o declínio de muitas populações. A crise que os “guardiões dos oceanos” enfrentam não está a acontecer só em águas internacionais. Portugal é o terceiro país a nível europeu e o 12.º a nível mundial que mais captura estas espécies — estima-se que cheguem a ser pescados cerca de 1,5 milhões de animais por ano.
Estes números (e preocupações) são avançados esta quinta-feira no relatório “Tubarões e raias: Guardiões do oceano em crise”, da Associação Natureza Portugal (ANP), que trabalha com a organização ambientalista internacional World Wildlife Fund for Nature (WWF).
Além do problema da sobrepesca, Ana Henriques, autora do relatório, diz que, apesar de estas criaturas marinhas serem “essenciais à saúde e bem-estar do oceano”, há uma “protecção inadequada” das 117 espécies de tubarões, raias e quimeras existentes no mar português. Estas questões, diz a especialista, colocam “os mares” e “os portugueses que deles dependem em risco”.
“Um oceano sem tubarões e raias é um oceano vazio e moribundo. Estas espécies são fulcrais para uma boa gestão dos ecossistemas marinhos – são verdadeiros guardiões do oceano. Reduzir o seu consumo, aumentar o conhecimento sobre as espécies, reduzir capturas acidentais e formular um plano integrado baseado no nosso relatório e que contemple as várias ameaças a par com a conservação é uma abordagem estratégica, urgente e muito necessária”, explica a especialista em oceanos e pescas.
Para lá da pesca, Portugal é também o oitavo país que mais importa carne de tubarão a nível mundial e o sexto nas exportações, ainda que, segundo o documento da ANP, neste momento exista um maior mercado nacional para a raia, que registou um pico de consumo em 2018.
Das 117 espécies de tubarões, raias e quimeras que habitam as águas do Continente, mas também dos Açores e da Madeira, 11 estão classificadas como “criticamente em perigo” (categoria anterior à extinção), como duas espécies de tubarões-martelo, o tubarão-de-pontas-brancas, a raia-oirega e a viola-de-barba-negra.
Comércio de barbatanas e consumo escondido
O relatório denuncia que a prática do finning, que consiste no corte das barbatanas dos tubarões, continua a ocorrer em território português. “A nível europeu, Portugal e Espanha são dos únicos países que praticam a remoção de barbatanas. Segundo os dados oficiais, em Portugal existem 47 embarcações, que operam tanto na ZEE como em águas internacionais, autorizadas na prática de finning. O valor das barbatanas é cerca de 11 vezes superior ao da carne e algumas espécies, como o tubarão-anequim, são muito apreciadas pelas suas barbatanas.”
Além disso, a autora afirma que, muitas vezes, estamos a consumir produtos derivados de tubarões e raias sem o sabermos por terem outra designação comercial. “Além das barbatanas e da carne, também são utilizadas outras partes do corpo destes animais, desde mandíbulas, brânquias, pele e fígado. O óleo de fígado de tubarão, principalmente proveniente de tubarões de profundidade, é utilizado na indústria alimentar, farmacêutica e cosmética para fazer cremes hidratantes e suplementos alimentares. Nestes casos, no rótulo, quando se lê ‘esqualeno’ ou ‘óleo de fígado’, estamos também a consumir tubarões.”
Mas há solução à vista
Em Portugal, não existem pescarias dedicadas exclusivamente a tubarões e raias. Estes animais são capturados quando o alvo são outras espécies. A pesca dirigida ao peixe-espada-preto, espadarte e atum captura também elevadas quantidades de tubarões. “Pode não ser necessário deixar de pescar outras espécies, mas é definitivamente necessário alterações à forma como se pesca e que haja medidas a bordo dos barcos de pesca para reduzir a captura dos tubarões e aumentar a sua sobrevivência quando têm de ser libertados. Enquanto não são implementadas, o consumo de espadarte, atum e peixe-espada-preto é até desaconselhado devido ao impacto elevado nos tubarões”, lê-se no documento.
As medidas de protecção que existem actualmente estão principalmente relacionadas com limites na quantidade que se pode pescar, mas a autora do relatório afirma que são precisos mais passos em frente. E aponta como possível solução a definição de áreas marinhas protegidas para os tubarões e raias “para que existam zonas de refúgio no mar e sejam protegidos habitats importantes para o ciclo de vida destas espécies”.
“Como um dos principais países europeus produtores, exportadores e importadores de tubarões e raias, Portugal deve assumir um papel de liderança na sua conservação e gestão e iniciar rapidamente a elaboração e implementação do seu Plano de Acção Nacional para a gestão e conservação dos tubarões e raias”, pede-se, no relatório.
Além de governos e pescadores, os consumidores também podem contribuir para a protecção destas espécies. “Devemos diversificar mais o nosso consumo de peixe e marisco, reduzindo assim as quantidades pescadas de cada espécie e, por consequência, a captura acidental de tubarões e raias, mas também é imperativo que digamos ‘não’ ao consumo directo de tubarão e raias, pelo menos até sabermos que estas pescarias são comprovadamente sustentáveis.”
No fim de Março, o PAN dirigiu ao Ministério da Agricultura várias questões relacionadas com a captura destas espécies em território português (número total de exemplares capturados nos últimos cinco anos, por exemplo) e sobre as medidas adoptadas até agora para as proteger. O partido diz ao PÚBLICO que, até agora, “não recebeu qualquer resposta”.
Artigo actualizado às 17h08 do dia 8 de Abril: foi acrescentado o parágrafo sobre as perguntas do PAN