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Partilharam conteúdo falso sem o terem lido antes: como os jovens se comportam online
Um quinto dos 600 jovens que participaram num estudo já partilhou informação falsa. Nove em cada dez usam as redes sociais, sobretudo as raparigas, que estão também mais expostas aos riscos online.
Mais de um quinto (22%) dos quase 600 jovens que participaram num estudo sobre literacia digital afirmou já ter partilhado nas redes sociais informações que não tinham lido na íntegra e que depois perceberam ser falsas. Há um agravamento da situação desde 2021, traduzido num aumento de cerca de 10%. Apesar de estarem a crescer numa cultura digital, estes adolescentes revelaram ainda dificuldades na pesquisa e na análise de informação que encontram online.
Estas são algumas conclusões de um estudo longitudinal feito em três anos — de 2021 a 2023 — que integra o projecto europeu ySKILLS (Youth Skills) e que pretende fazer um retrato das competências digitais dos adolescentes. Para tal, em 2021, alunos do 7.º ao 10.º ano responderam a um inquérito sobre o tema, que depois repetiram em 2022 e 2023 exactamente com as mesmas perguntas.
Além de Portugal, este inquérito foi também colocado a alunos da Alemanha, Estónia, Finlândia, Itália e Polónia. E a conclusão é transversal: apesar de os níveis de literacia digital terem evoluído à medida que os alunos cresceram, persistem algumas debilidades. “Os adolescentes têm menos competências na análise, na pesquisa de informação e na navegação. E isto acontece em todos os países”, nota a coordenadora do estudo em Portugal, a investigadora do Instituto de Comunicação da Nova (ICNOVA) Cristina Ponte. “Pode parecer estranho porque faz parte dos currículos da escola trabalhar estas questões. Podemos perguntar o que é que está a falhar aqui.”
Por cá, em 2023, os autores conseguiram chegar a 598 adolescentes que permaneciam nas oito escolas (cinco públicas e três privadas) de Cascais que entraram no estudo. E é evidente o maciço uso que os jovens fazem das redes sociais: em 2023, nove em cada dez adolescentes disseram usá-las diariamente. Se, em 2021, os adolescentes mais novos ainda não as usavam, dois anos depois esses casos praticamente desapareceram, realça o estudo.
Quem usa mais as redes sociais?
Há uma “plena hegemonia do telemóvel” em detrimento do computador portátil. Rapazes e raparigas passam quase o mesmo tempo em frente ao ecrã nas mesmas actividades. No conjunto dos três anos, a média do tempo online reportado pouco oscilou, entre 3,76 horas em 2021 e 3,63 horas em 2023. E foram os alunos com menos recursos económicos os que disseram passar mais tempo online, provavelmente por terem menos actividades extra-escola.
São as raparigas quem mais usa as redes sociais: em 2023, 92% assinalavam usá-las diariamente, enquanto esse valor era de 87% nos rapazes.
Ainda em matéria de desinformação, 9% dos adolescentes admitiram ter tomado várias vezes decisões incorrectas sobre saúde, condição física ou dieta com base em informações encontradas na Internet — sobretudo as raparigas, que estão também mais expostas a riscos na Internet.
Melhorar as competências digitais
Em todos os países, os resultados são mais elevados no conhecimento digital (que avalia, por alunos, o que os alunos sabem sobre pesquisa de informação) do que nas competências digitais (como saber verificar se a informação que encontraram é verdadeira), com excepção da Estónia, onde os valores são semelhantes. Em geral, em ambas as áreas, os jovens progridem, mas a evolução feita ao longo dos três anos é mais modesta na área das competências, o que, alerta Cristina Ponte, merece atenção.
Olhando para a situação dos adolescentes portugueses, seis em cada dez revelaram, por exemplo, não saber identificar e usar conteúdos com direitos de autor e cerca de metade admitiu ter dificuldades na pesquisa de conteúdos. Há ainda 35% dos jovens que revelaram, por exemplo, não saber que as empresas pagam aos influenciadores digitais para usarem os seus produtos nos conteúdos que criam.
“Esta questão das competências de informação é um grande alerta. Hoje, cada vez mais, a informação está a circular no meio digital a uma velocidade estonteante, a desinformação está a grassar nas redes sociais. A capacitação para ser crítico, para ter uma postura mais pausada, mais reflectiva tem que ser trabalhada. Pensamos que é muito importante o trabalho das escolas, porque em casa pode haver famílias que trabalham e outras que não trabalham essas competências”, nota a coordenadora do estudo.
Em relação às pesquisas, mais de quatro em dez adolescentes acreditavam ser verdade que os resultados que aparecem em primeiro lugar são sempre a melhor fonte de informação. Uma parte significativa dos jovens (entre 16 e 12%) admitiu também não saber reportar conteúdos negativos ou reconhecer quando alguém está a ser alvo de bullying em meio digital.
Agressões online
Uma coisa fica também clara: à medida que cresceram, estes alunos passaram a fazer menos actividades digitais — ao mesmo tempo que ganharam conhecimentos (ainda que com as fragilidades relatadas). Ouvem música, vêem vídeos, comunicam com os amigos. É o que mais fazem, ao mesmo tempo que reduzem práticas criativas, de pesquisa de informação e de actividades de participação cívica, como por exemplo a partilha de notícias, músicas ou vídeos com conteúdo social ou político.
Menos de um quinto dos adolescentes diziam ter participado em protestos ou campanhas ou seguir um grupo político nas redes sociais. “São ambas mais comuns entre as raparigas, mas com acentuada descida face a 2021. Nos rapazes, a participação em protestos ou campanhas desceu face a 2021, mas seguir um grupo político nas redes sociais regista uma pequena subida”, refere o estudo.
As raparigas interessam-se menos por jogos e envolvem-se mais a nível cívico, falam mais com a família, “o que poderá ser resultado de uma autonomia de movimentos mais controlada pelos pais do que entre rapazes”, refere o estudo.
Como já se disse, são também elas que vão mais à procura de informação sobre questões de saúde mental e que tomam decisões mais prejudiciais para a sua saúde decorrente da desinformação online, frisa Cristina Ponte. São também elas quem mais reporta incómodo com exposição a conteúdos e mensagens sexuais.
A exposição a conteúdo sexual, de ódio ou prejudicial à saúde são riscos que os adolescentes enfrentam no mundo digital — mais de quatro em cinco admitiram ter estado em contacto com este tipo de conteúdos nos três anos do estudo, em grande parte por "acidente" e não por procura activa.
“No entanto, no último ano, quase metade (45%) declarou procurar activamente conteúdo sobre drogas, álcool, dietas ou outros comportamentos que podem fazer mal à saúde, sendo este o único valor que registou uma subida com a idade dos participantes”, refere o estudo.
São as raparigas que mais dizem estar em contacto com os riscos, com excepção do conteúdo sexual, ao qual os rapazes estão mais expostos, sobretudo porque o procuram.
Há também ainda uma fatia de jovens (19%) que admitiu já ter sido vítima de agressão online. Número semelhante disse também ter sido agressor. As raparigas (21%) reportam ser mais vítimas de agressão online do que os rapazes (18%). É uma ligeira diferença que se acentua olhando para o papel de agressor: os rapazes (26%) assinalam agredir mais do que as raparigas (16%).
O estudo alerta ainda para a necessidade de “contrariar o descompasso entre intervenções educativas e a velocidade da expansão digital”, o que não deve passar apenas pela escola ou pela família, alertando para a necessidade de maior regulamentação das plataformas digitais, o que deve envolver governos, autoridades reguladoras, sociedade civil, as indústrias digitais. “Não se pode pôr a responsabilidade só do lado das crianças”, nota Cristina Ponte.