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“Manifestação de Interesse 2.0” torna brasileiros imigrantes de 1ª classe em Portugal
Mudanças promovidas na Lei de Estrangeiros pela Assembleia da República colocam os brasileiros em situação de vantagem ante os demais imigrantes. Mas ainda é preciso esperar pela sanção presidencial.
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As mudanças promovidas pela Assembleia da República na Lei de Estrangeiros (23/2007) transformaram os brasileiros em imigrantes de primeira classe em Portugal. Além dos timorenses, que representam um contingente muito pequeno, somente os brasileiros poderão entrar em Portugal sem vistos — ou seja, como turistas —, para, em território luso, requerem a autorização de residência. “Ou seja, com o projeto do Governo, aprovado pelo Parlamento, criou-se a Manifestação de Interesse 2.0”, diz o jurista João Roseira, do escritório de advocacia Martins Castro, com sede em Lisboa, numa referência ao instrumento que foi extinto em junho último e que era o passo inicial para os pedidos de residência em Portugal.
Esse novo status está previsto na alteração do Artigo 75, da Lei de Estrangeiros, que reconfigurou os títulos de residência dos cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Somente eles poderão entrar em território português e pedir a autorização de residência em um canal exclusivo que será aberto, nos próximos meses, no site da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA).
Detalhe importante: tirando os brasileiros e os timorenses, os demais cidadãos da CPLP continuam obrigados a terem vistos de entrada em Portugal, mesmo que de turistas. “Há, com certeza, uma predileção pelos brasileiros, que falam a mesma língua e estão mais próximos culturalmente dos portugueses”, ressalta Roseira.
Para Fábio Knauer, CEO da consultoria Aliança Portuguesa, trata-se de uma virada e tanto no status dos brasileiros como imigrantes e também dos demais cidadãos da CPLP. Ele lembra que, quando o título de residência vinculado ao acordo de mobilidade assinado entre Portugal e a Comunidade foi criado, em 2022, criou-se a percepção de que seus portadores eram inferiores, por uma série de razões. A mais gritante delas: as autorizações de residência eram impressas em uma folha de papel A4, quando todas as outras são emitidas em cartões de plásticos.
Mais: os atuais títulos da CPLP não têm validade nos demais países da União Europeia, restringindo seus portadores ao território português. Há centenas de relatos de pessoas que sequer podem sair do país para visitar familiares ou mesmo fazer turismo pela Europa, sob o risco de serem presas e deportadas. Agora, com a mudança na Lei de Estrangeiros, as autorizações de residência via CPLP seguirão todas as regras da União Europeia e terão validade de dois anos.
“Trata-se de uma conquista gigantesca, pois houve casos de pessoas que perderam empregos, pois os patrões não aceitavam os títulos da CPLP, e de gente que não conseguiu alugar imóveis”, ressalta Knauer. “Agora, com os novos cartões dando acesso a outros países da União Europeia, corrigem-se todas as distorções”, complementa.
Facilidades têm de esperar
Mas será preciso esperar um tempo para que todas essas facilidades entrem em vigor, avisa a advogada Priscila Corrêa. A partir da aprovação das mudanças na lei pelo plenário da Assembleia da República, o texto voltará para a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, onde começou a tramitar, para que tenha uma redação final.
De lá, seguirá para o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que terá 20 dias para sancioná-lo. Durante esse período, em caso de dúvida, ele poderá fazer uma consulta ao Tribunal Constitucional. “Creio que tudo estará devidamente claro depois do primeiro trimestre de 2025”, assinala Priscila. João Roseira prevê um tempo menor, já para o início do próximo ano.
Os brasileiros são, de longe, a maior comunidade de estrangeiros em Portugal. Pelos dados de dezembro de 2023, compilados pelo Itamaraty, há 513 mil cidadãos oriundos do Brasil vivendo legalmente em território luso. Estima-se que cerca de 200 mil ainda esperam pela regularização dos documentos pela AIMA. E há outros 200 mil luso-brasileiros. No mercado de trabalho, os brasileiros só não são maioria na agricultura e na construção civil.
Segundo o Ministério do Trabalho e Solidariedade, no ano passado, os trabalhadores brasileiros contribuíram com mais de 1 bilhão de euros (1 mil milhões de euros ou R$ 6,4 bilhões) para a Segurança Social. Em 2024, as contribuições devem passar de 1,4 bilhão de euros (1,4 mil milhões de euros ou R$ 9 bilhões). Levantamento do Observatório das Migrações aponta que 85% dos brasileiros em idade ativa estão empregados em Portugal.
“Um dos objetivos do governo de atrair os brasileiros e demais cidadãos da CPLP é manter a sustentabilidade, a longo prazo, da Segurança Social. Outro, suprir o mercado de trabalho em setores que enfrentam falta de mão de obra”, reforça João Roseira. Diante dessa realidade, acredita Marcelo Rubin, sócio-diretor do Clube do Passaporte, Portugal tem muito a ganhar facilitando a entrada de brasileiros no país.