Pedro Nuno Santos questiona legalidade do “espectáculo degradante” no Martim Moniz

À esquerda, partidos exigem explicações do Governo e, em particular, da ministra da Administração Interna. O Chega não só apoia este tipo de acção policial, como diz que deve ser mais frequente.

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Pedro Nuno Santos, secretário-geral do PS, diz que o actual Governo "é o mais extremista das últimas décadas" RODRIGO ANTUNES / LUSA
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A operação conduzida esta quinta-feira pela PSP no Martim Moniz, em Lisboa, resultou, para Pedro Nuno Santos, num "espectáculo degradante e deprimente". O secretário-geral do PS tem "dúvidas sobre a legalidade" da acção policial, considera que o Governo da Aliança Democrática é o "mais extremista das últimas décadas" e quer explicações sobre "os fundamentos que justificaram aquela operação", incluindo do director da PSP.

Em declarações aos jornalistas ao final da manhã desta sexta-feira, no Parlamento, o líder socialista disse que não há nada que o leve a pensar, perante o discurso do executivo, que não voltem a acontecer operações semelhantes. Os restantes partidos da esquerda parlamentar exigem que o executivo da AD, e em especial a ministra da Administração Interna, devem dar explicações, ao passo que o Chega defende a realização deste tipo de operações.

"As acções preventivas estão previstas na Lei de Segurança Interna, mas elas têm de cumprir um conjunto de condições, desde logo de proporcionalidade. Nós temos fundadas razões para ter dúvidas sobre a legalidade daquela operação. E é por isso que é muito importante que o Governo e que a Direcção Nacional [da PSP] expliquem quais foram os fundamentos para aquela operação", afirmou Pedro Nuno Santos, em declarações transmitidas pela RTP3, considerando que "há um limite que foi ultrapassado".

O líder socialista retomou depois a acusação de que o executivo liderado por Luís Montenegro age com base em percepções: "Nós temos um Governo que só governa para as percepções. Só que o que os portugueses precisam é de um Governo que resolva os problemas reais, não os problemas imaginários. E, portanto, sim, o Governo tem instrumentalizado as forças de segurança e o tema da segurança, pelo qual não faz nada de verdadeiramente efectivo."

O secretário-geral do PS sugeriu algumas medidas: videovigilância, policiamento de proximidade, iluminação pública e cuidar do espaço público. "O que não acontece em algumas zonas de Lisboa", criticou o socialista, acrescentando às críticas a gestão municipal do social-democrata Carlos Moedas.

Com acções como as desta quinta-feira, "a mensagem que está a passar aos portugueses e às nossas crianças é a de que elas devem temer quem tem uma cor diferente e quem tem uma origem diferente e isso é inaceitável num país que queremos que seja humano", criticou Pedro Nuno Santos.

"Temos a obrigação de respeitar quem vive e quem trabalha em Portugal, sem nos terem de confrontar com o espectáculo degradante, deprimente, com que nos confrontaram", insistiu, acusando de seguida o Governo de "alimentar um clima de divisão, um clima de ódio e a cultura de uns contra os outros".

BE e PCP falam em "instrumentalização" da PSP

Mariana Mortágua, líder do BE, anunciou que o partido vai chamar ao Parlamento a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, e o director da PSP, Luís Carrilho. Em linha com as declarações de Pedro Nuno Santos, Mortágua quer que seja explicada a operação desta quinta-feira, “injustificada e inédita na democracia portuguesa”, imputando responsabilidades ao primeiro-ministro, Luís Montenegro.

A líder do Bloco acusou o Governo de ter definido a população migrante que vive na zona do Martim Moniz como “um alvo particular”. “Tenhamos isto claro: um Governo que mobiliza politicamente forças de segurança para atacar indiscriminadamente um alvo como a população migrante é um governo perigoso”, criticou.

Afirmou ainda que o Governo mobilizou as forças de segurança para fazer propaganda, defendendo que em democracia “não se montam encenações para ganhar votos”, nem se faz “uso autoritário e indiscriminado das forças de segurança”.

Do PCP, António Filipe afirma, em declarações transmitidas pela CNN Portugal, que “se a operação desencadeada teve aspectos lamentáveis, as declarações do primeiro-ministro não são menos lamentáveis”. O deputado, que falava na Assembleia da República, concorda com Mariana Mortágua, afirmando que “mais do que uma operação de combate à criminalidade, foi mais uma vez uma instrumentalização da PSP para fins políticos”.

“Portanto, quando o senhor primeiro-ministro fala em policiamento de proximidade e transmitir um sentimento de segurança, perante uma operação está completamente enganado e demonstra, de facto, que o Governo tem uma visão instrumentalizada lamentável daquela que deve ser a actuação das forças policiais”, concluiu. O partido também já requereu uma audição da ministra Margarida Blasco no Parlamento.

"Mudança de rumo" no Governo

O Livre e o PAN, pela voz de Rui Tavares e Inês de Sousa Real, respectivamente, acusam o Governo de estar a agir em linha com a agenda do Chega.

Para Rui Tavares, episódios como os desta quinta-feira, com a presença da PSP no Martim Moniz, e a aprovação de propostas na Assembleia da República, que restringem o acesso de cidadãos estrangeiros não residentes ao SNS, são sinónimo de uma “mudança de rumo” do Governo, “dentro e fora do Parlamento”.

Por isso, o partido pediu uma audiência ao Presidente da República, com a expectativa de que esse encontro possa ser agendado no início de Janeiro, anunciou o líder do Livre, em declarações transmitidas pela CNN Portugal.

Inês de Sousa Real, líder do PAN, considerou que o recado de Marcelo Rebelo de Sousa ao Governo “está dado” quando pediu o respeito por “regras constitucionais e legais”. A deputada única partilha a visão do Livre sobre o executivo de Luís Montenegro, considerando que o PSD está “a afastar-se valor constitucionais” e “a ir atrás da agenda do Chega”.

Já o líder do Chega, André Ventura, diz concordar com acções como a que teve lugar no Martim Moniz, sugerindo a necessidade de “ir mais longe e acontecer mais frequentemente”. Ventura defende a acção da PSP, dizendo que “houve o cumprimento de vários mandatos judiciais” e que, por isso, “a polícia estava no exercício do cumprimento das suas funções”, estando assim dentro da legalidade.

“O que aconteceu durante meses à volta de Lisboa é inaceitável. Nós tivemos ameaças directas à nossa segurança, à segurança de todos, destruição de edifícios públicos, destruição de infra-estruturas, se a polícia não faz nada em relação a isso, então, de alguma forma, estaria a ser branda com este tipo de acções. Ao agir, e ao agir dentro da lei – sublinho, dentro da lei –, muitas vezes no cumprimento de mandatos judiciais, a polícia está a mostrar autoridade. Repito, não só concordamos com estas acções, como achamos que elas iam ir mais longe”, concluiu.

Pelo Governo, foi o secretário de Estado da Administração Interna a reagir nesta sexta-feira, sustentando que as críticas das forças políticas de esquerda "não fazem sentido", mas reconhecendo que fazem parte do debate político e democrático.

"Na minha opinião não fazem sentido [críticas], mas isso é o debate político, é o debate democrático, há sempre quem se queixe de falta de polícia e há sempre quem se queixe quando aparece a polícia", disse Telmo Correia.

O governante, que falava à agência Lusa em Portalegre, à margem da cerimónia de compromisso de honra de 447 guardas provisórios da GNR, considerou que a polícia fez o seu trabalho e tem o "todo o apoio" do Governo. "Os portugueses podem confiar nas suas forças de segurança", acrescentou.

No entanto, Telmo Correia alertou que "não compete" ao Governo comentar operações policiais em concreto. "Não compete ao Governo comentar operações policiais em concreto, isso cabe à GNR na sua área, teve de resto uma operação também muitíssimo importante no norte de combate ao tráfico de droga, ontem mesmo (quinta-feira), ou à PSP definirem o carácter operacional e a forma como actuam operacionalmente", defendeu.

Notícia actualizada às 15h20 com declarações do PCP, Livre e PAN