Figuras do PS em “estado de choque” após “condenável” acção policial no Martim Moniz
Santos Silva, Ferro Rodigues e António Vitorino criticam operação no Martim Moniz. Esquerda exige explicações ao Governo e presidente de junta pede demissão de ministra. À direita, fazem-se reparos.
As reacções às imagens de dezenas de imigrantes com as mãos na parede no Martim Moniz, em Lisboa, a serem revistados pela PSP esta quinta-feira à tarde, sucedem-se. Três figuras do PS não poupam o Governo e uma operação que o primeiro-ministro, Luís Montenegro, enquadrou considerando que “quanto maior for a capacidade fiscalizadora”, também maior será “a capacidade de tranquilizar os cidadãos”.
Para o ex-presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, é “evidente” que o episódio configura uma instrumentalização das forças de segurança. O socialista Eduardo Ferro Rodrigues, também antigo presidente da Assembleia da República, diz-se “em estado de choque”. E António Vitorino, que preside ao Conselho Nacional para as Migrações e Asilo, “a tentativa de criar a ideia de que essas acções policiais visam um determinado grupo, é verdadeiramente errada”.
"A operação policial de ontem [quinta-feira] é condenável a todos os títulos, incluindo do ponto de vista técnico. Não é assim que se faz aumentar o sentimento de segurança das pessoas. Pelo contrário, pôr pessoas encaradas para a parede, dezenas de pessoas para revistar, para serem revistadas por polícias fortemente armadas, lembra imagens de pelotões de fuzilamento e coisas semelhantes", considerou Augusto Santos Silva, em declarações à TSF.
O antigo ministro de vários governos do PS entende que o Governo, com o episódio desta quinta-feira, "está a instrumentalizar as forças de segurança com um objectivo político errado, ilegítimo, mas também bastante – não queria dizer estúpido – perverso. Porque, ao mesmo tempo que esta operação se faz, criando junto da comunidade migrante um sentimento de que não é bem-vinda em Portugal, de que é criminalizada como tal em Portugal, as imagens também circulam internacionalmente e uma das grandes vantagens comparativas do nosso país, que é de ser um país tranquilo, seguro e que acolhe bem as pessoas vindas de todo o lado (...) essa imagem é torpedeada”.
Em entrevista à SIC Notícias, António Vitorino defendeu que "tanto aparato para tão pouco resultado" – duas detenções – "não ajuda a credibilização das operações de segurança". O socialista admite que "a existência de operações policiais que têm como objectivo perseguir criminosos, faz todo sentido, numa sociedade democrática é assim mesmo”, porém deixa críticas duras a esta operação em concreto, considerando haver aqui uma tentativa de resposta do executivo da AD ao Chega.
"É verdadeiramente errado” tentar “criar a ideia de que essas acções policiais visam um determinado grupo (...). É evidente que o Governo está acossado por um partido à direita que utiliza estes temas como arma de arremesso. Mas isso faz parte do jogo político, desde que aí não resulte nenhuma discriminação negativa em relação aos imigrantes”, concluiu Vitorino.
Foi precisamente o aparato e as imagens da operação que deixaram Eduardo Ferro Rodrigues “em estado de choque”: “Dezenas de pessoas encostadas às paredes perante polícias armados, como se estivessem numa guerra.” Sobre as declarações do primeiro-ministro, considerou-as, numa mensagem enviada à Lusa, como “indecorosas e irresponsáveis”. “Agora sim, é caso para dizer vergonha".
Já o presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, Miguel Coelho, onde se situa o Martim Moniz, pede a demissão da ministra da Administração Interna, Margarida Blasco. O autarca, em declarações à Lusa, afirma que “aquilo que aconteceu ontem [quinta-feira] é típico de uma ditadura islâmica ou de uma ditadura da América Latina". "Julgo, como cidadão e como autarca, que não há condições para a senhora ministra da Administração Interna continuar e os comandos da polícia têm de explicar porque é que fecharam uma rua inteira e encostaram pessoas à parede. Seriam capazes de fazer isto em Campo de Ourique, nas Avenidas Novas, no Lumiar?”, questionou.
Miguel Coelho considera ainda necessário um pedido de desculpas a esta comunidade e deixa uma crítica implícita a Marcelo Rebelo de Sousa. “Já que não vai lá o senhor Presidente da República, vou lá eu”.
O ex-secretário de Estado do Ambiente no Governo de Durão Barroso, José Eduardo Martins, em declarações ao PÚBLICO, diz acreditar que a intenção do primeiro-ministro era "seguramente boa", mas admite ter ficado "bastante intranquilo" quando viu a imagem "só de pessoas que não eram brancas encostadas à parede" numa rua onde passa todos os dias. E considera "errada" a ideia "que ainda parece arreigada na cabeça das pessoas que a criminalidade está associada à imigração". Além disso, nota que "das duas uma: ou a polícia não tem a mais pequena ideia de onde está o crime, ou então não havia crime nenhum".
"Ou seja, na soma de todas as partes eu não fiquei mais tranquilo, não acho que tenha sido uma boa ideia, mas concordo que, em geral, a prevenção do crime é sempre importante", rematou.
Também ouvido pelo PÚBLICO, Francisco Mendes da Silva, fiscalista que fez parte da comissão política nacional de Assunção Cristas – tendo sido um dos seus conselheiros –, mas que deixou o CDS em Junho de 2021, confessa que há "uma questão que o incomoda de sobremaneira" e que considera ser "bastante problemática". Se o primeiro-ministro diz que a operação foi feita seguindo instruções do Governo, essa mesma operação, "segundo as notícias, foi resultante de um mandado do Ministério Público, significará isto que o Ministério Público actua sob mando directo do Governo?", questiona.
Mendes da Silva diz que não vê "como é que esta forma de actuar aumenta o sentimento de segurança", considerando que a acção possa ser uma consequência da "negligência do próprio policiamento". Se há maior sentimento de insegurança, sublinha, "talvez as queixas dos moradores devam ser atendidas quando dizem que é preciso mais policiamento". Certo é que a sensação do advogado é a de que a polícia "actuou sem indícios especiais ou, pelo menos, sem indícios concretos".
O primeiro-ministro Luís Montenegro considerou "muito importante que estas operações decorram e que haja visibilidade e proximidade no policiamento e na fiscalização de actividades ilícitas". "Quanto maior for a capacidade fiscalizadora e, portanto, a capacidade de tranquilizar os cidadãos, demonstrando-lhes que a preocupação de segurança está assumida como prioridade", disse Montenegro.
PCP chama ministra ao Parlamento
Para BE, Livre e PCP importa perceber “se estas operações são verdadeiramente necessárias”. Enquanto Rui Tavares quer esclarecer se a acção da PSP foi movida “por um interesse de vantagem político-mediática”, Fabian Figueiredo, do BE, diz ser “inaceitável que o Governo tenha embarcado numa campanha de perseguição aos imigrantes e que, para isso, instrumentalize as forças de segurança”. E o PCP quer ouvir a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, no Parlamento. “As imagens que chegaram dessa operação policial suscitaram-nos dúvidas quanto à sua adequação e à sua proporcionalidade”, afirmou o deputado António Filipe.
Também a deputada do PS, Isabel Moreira, reagiu na rede social X: "Operação 'preventiva' no Martim Moniz? Pessoas de costas contra a parede? Em que década do século 20 estamos, @LMontenegropm?".
*Notícia actualizada às 16h10 com declarações de José Eduardo Martins e Francisco Mendes da Silva