Consultório: Monção e Melgaço foi sempre sinónimo de Alvarinho?

Questões pertinentes e dúvidas persistentes, respondidas pela jornalista de vinhos Ana Isabel Pereira.

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Historicamente, na sub-região de Monção e Melgaço predominavam castas tintas como o alvarelhão e o pedral, assim como algum vinhão. Rui Oliveira/Arquivo Público
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Parece, não é? Mas não, Monção e Melgaço não foi sempre sinónimo de Alvarinho. Na verdade, e tal como os restantes terroirs da Região dos Vinhos Verdes, aquela sub-região encostada ao rio Minho foi historicamente terreno fértil... para vinhos tintos.

Ali predominariam castas tintas como o alvarelhão e o pedral e também haveria algum vinhão. Por altura da Guerra dos Cem Anos, quando Inglaterra escolheu Viana do Castelo para instalar a sua primeira feitoria em Portugal, os vinhos que os ingleses enviavam a partir desse porto para casa eram tintos do Minho. Na mesma altura, como nos explica o historiador Gonçalo Maia Marques, os ingleses chegaram a ter um armazém em Monção e Melgaço.

“No século XIV, encontramos referências nas chamadas Crónicas da Guerra dos Cem Anos, de [Jean] Froissart, à vinda do duque de Lencastre, John of Gaunt — vem a ser depois o pai de D. Filipa de Lencastre e sogro de D. João I —, a Monção e Melgaço, na altura precisamente em que se dá o auge da crise [dinástica] de 1383-85, e nós percebemos que nessa altura já havia interesse dos britânicos em se instalarem em Portugal. Nos arquivos do Public Record Office encontramos menção aos portuguese red wines. E os portuguese red wines não são outros, como aliás depois vem a ser referidos por Charles Sellers no Oporto Old and New, [se não os tintos do Minho]", recorda o autor e professor no Instituto Politécnico de Viana do Castelo.

Séculos depois, ainda se bebia sobretudo tintos quando o branco de festa, como é recordado localmente, começou a ganhar pontos. Era o que se servia à mesa das famílias em dias especiais. Com queijos, fumeiro e outros mimos da gastronomia minhota.

Os Vinhos Verdes foram uma região sobretudo de tintos até à década de 1990, mas o fenómeno alvarinho começa a ganhar forma na primeira metade do século XX. A primeira marca a focar-se na casta foi a Cepa Velha. A Adega Cooperativa de Monção surgiria mais tarde e, pelo meio, o fenómeno Palácio da Brejoeira põe o vinho de alvarinho na boca de meio mundo.

A entrada em cena do alvarinho

O boom do alvarinho dar-se-ia nos anos 1980, mas a notoriedade começou ali, quando o enólogo Amândio Galhano, que apoiava a produção de vinhos na Brejoeira, percebeu que a variedade tinha uma expressividade aromática que a distinguia dos restantes vinhos brancos produzidos à época em Portugal. Mandou arrancar as castas tintas e apostou no alvarinho. Outras propriedades fizeram o mesmo.

Na altura, a sub-região chamava-se apenas Monção — só na década de 1990 é que o Vinho Verde passaria a ter nove em vez de seis sub-regiões, uma delas Monção e Melgaço.

Em 1974, João António Cerdeira, fundador da marca Soalheiro (1982), plantou a primeira vinha contínua de Alvarinho em Melgaço. A empresa a que deu origem foi uma das responsáveis pelo alargamento do fenómeno alvarinho a Melgaço. Anselmo Mendes, com as suas vinhas em patamar, numa propriedade adquirida no final dos anos 1990, foi outro.

Hoje a sub-região é sobretudo alvarinho. Não é só alvarinho, mas o sucesso da casta levou a que as empresas inovassem e pagassem mais pelas uvas, enfim, para que todo o território ganhasse.

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Este artigo foi publicado na edição n.º 14 da revista Singular.
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