Distopia e tecnologia em tempos de guerra
A tecnologia permite que um número reduzido de pessoas controle máquinas militares com um poder de destruição imenso, tornando o “dano colateral” um elemento central do conflito.
Num recente post na rede social X, o bilionário Elon Musk criticou o programa de desenvolvimento e produção dos caças F-35 de nova geração, afirmando que os caças tripulados são armas de guerra do passado, com tecnologias limitadas ou mesmo obsoletas na era dos drones. O argumento de Musk, que mantém uma relação próxima com Donald Trump e já foi confirmado como membro da sua equipa com responsabilidades para "reformar" o aparelho estatal, sinaliza o que aparenta ser uma nova era nos conflitos bélicos. Musk reforça a hipótese de que, caso estejamos a caminhar para uma Terceira Guerra Mundial – o que parece estar a acontecer a um ritmo acelerado – poderemos assistir a um formato de guerra em que o envolvimento direto de seres humanos no manuseio de armas será cada vez menor.
A tecnologia da guerra segue, assim, a lógica da evolução tecnológica sob o capitalismo: o aumento relativo do capital fixo – o investimento em máquinas – e o crescimento da produtividade do trabalhador que opera estas máquinas. Neste caso, o trabalhador é o soldado cada vez mais especializado; a maquinaria são as armas cada vez mais sofisticadas; e o "valor de uso" produzido é a destruição. A guerra, por conseguinte, tende a envolver cada vez menos militares, enquanto a destruição não só persiste como aumenta. O alvo dessa destruição passa a ser predominantemente os civis e as suas infraestruturas. A tecnologia permite que um número reduzido de pessoas controle máquinas militares com um poder de destruição imenso, tornando o "dano colateral" um dos elementos centrais do conflito. Assim, a guerra evolui de um confronto entre militares para uma guerra de militares contra civis.
Neste contexto, a compreensão de "Guerra Total" altera-se, dado que já não é necessária a mobilização total da sociedade ou uma militarização em massa. Também se perde o elemento “democratizador” que a guerra por vezes teve – consequência da necessidade de legitimação popular e o papel do povo em armas. Esta nova fase reflete uma tendência genocida, já visível em conflitos passados como a Segunda Guerra Mundial – com bombardeamentos massivos de civis pelos Aliados, genocídios cometidos por regimes fascistas – e, mais recentemente, nas guerras coloniais.
Com a revolução da inteligência artificial, que permite que máquinas tomem decisões e sejam capazes de eliminar autonomamente partes significativas da população, esta distopia atinge um patamar mais elevado. A situação em Gaza é ilustrativa dessa nova realidade, sendo um exemplo extremo de como os conflitos modernos se afastam de combates diretos entre exércitos e se concentram na destruição de populações civis e infraestruturas. A relação entre vítimas civis e combatentes atinge, neste caso, níveis genocidários.
Ainda assim, tal como o famoso ditado do general Pershing – “a infantaria ganha batalhas, a logística ganha guerras” – continua a ser a lógica dos interesses socioeconómicos a determinar as guerras. As desigualdades globais moldam tanto a estrutura legal quanto o valor atribuído à vida humana em contextos de guerra.
Numa recente passagem por Portugal, o professor de Direito Internacional da Universidade de Liverpool, Robert Knox, destacou como o direito internacional reflete esta relação profundamente colonial e desigual no que diz respeito à tecnologia e à guerra. Por exemplo, grande parte do armamento "inteligente" e "de precisão" usado por Israel é considerado legal, enquanto os rockets rudimentares utilizados pelo Hamas, devido ao seu caráter “primitivo” e não direcionado, são considerados ilegais e seu uso é classificado como um crime contra a humanidade.
Enquanto isso, a administração Biden, apesar de ter perdido as eleições e a legitimidade democrática para tomar tais decisões, está a usar os seus últimos meses no poder para intensificar conflitos militares globais – sem envolver diretamente soldados da sua metrópole. É notável não apenas o envio massivo de novas quantidades de armamento para a Ucrânia — e, consequentemente, o investimento de bilhões de euros na indústria de defesa norte-americana — mas também a exigência de que o país sacrifique os seus jovens, agora obrigados a alistar-se a partir dos 18 anos, em vez dos 25. Isso ilustra como os neocons na administração Biden continuam a apostar no baixo custo da "carne de canhão", mantendo a estratégia de prolongar a guerra "até ao último ucraniano".
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico