Ministério da Cultura espanhol faz primeira devolução de obras apreendidas na ditadura
Uma pintura retratando Don Francisco Giner de los Ríos foi restituída aos legítimos donos mais de oitenta anos depois de ter sido espoliada na ditadura franquista e guardada na Biblioteca Nacional.
O retrato Don Francisco Giner de los Ríos, criança, de Manuel Ojeda y Siles, espoliado durante a ditadura franquista e depositado na Biblioteca Nacional de Espanha, foi devolvido na quinta-feira pelo Ministério da Cultura espanhol à Fundação Giner de los Ríos.
“É um acto de restituição que faz parte de uma vontade firme deste Ministério da Cultura e do Governo espanhol: fazer cumprir o espírito e a letra da Lei da Memória Democrática e reparar, tanto tempo depois, o verdadeiro estatuto e a propriedade de um património que foi violado e saqueado pela ditadura”, afirmou o ministro da Cultura, Ernest Urtasun, citado num comunicado disponível no site do Ministério da Cultura espanhol.
A cerimónia em que Urtasun entregou esta pintura a José García-Velasco, actual presidente da Fundação Giner de los Ríos, fundada em 1916 para velar pelo legado da Institución Libre de Enseñanza, do professor, filósofo e ensaísta espanhol que morreu em 1915, aconteceu na Biblioteca Nacional espanhola, em Madrid.
O evento decorreu no âmbito do programa Cultura com Memória, que o Ministério da Cultura tem vindo a desenvolver ao longo deste ano relacionado com a Lei de Memória Democrática, que "alarga o estatuto de vítima àqueles que 'sofreram a repressão económica com apreensões e perda total ou parcial de bens'" e estabelece “o direito à indemnização dos bens confiscados”, prometendo ainda uma auditoria aos “bens saqueados durante a guerra e a ditadura” no prazo de um ano, como explica o diário El País.
O Ministério da Cultura espanhol foi o único a fazê-lo até agora, mas o El País revela que a próxima devolução poderá acontecer já em Janeiro e tanto o Museu do Prado, como o Museu do Romantismo e o do Traje estão a estudar possíveis restituições.
No fundo de um armário
Don Francisco Giner de los Ríos, criança, retrato feito pelo pintor Manuel Ojeda y Siles (1835-1904), cujas obras estão representadas na colecção do Museu do Prado, tinha sido apreendido pelo governo do general Franco à Institución Libre de Enseñanza, em 1940, quando o regime ditatorial espanhol declarou esta instituição como ilegal considerando-a “contrária ‘às forças que cooperam com o movimento nacional’”, como se explica no já citado comunicado. O governo de Franco apoiou-se no Decreto 108, de 13 de Setembro de 1936, para transferir todos os bens da instituição para o Ministério da Educação Nacional e desde essa altura o quadro esteve guardado no fundo de um armário na Biblioteca Nacional de Espanha onde foi encontrado nos anos 1960 sem estar guardado nas melhores condições.
Numa ficha de inventário da Biblioteca Nacional de Espanha, datada de 29 de Março de 1985, refere-se que este quadro pertenceu à Institución Libre de Enseñanza e que passou a fazer parte da biblioteca por via da Junta de Incautación y Protección del Patrimonio Artístico, criada em 1936, durante a Guerra Civil Espanhola, e que “tinha como função a apreensão ou conservação, por conta do Estado, de todas as obras móveis ou imóveis de interesse artístico, histórico ou bibliográfico que, devido às circunstâncias do momento, estivessem em perigo de ruína, perda ou deterioração”.
“A pintura regressa agora ao primeiro plano da nossa história, regressa a sua casa”, afirmou Ernest Urtasun durante a cerimónia de restituição, citado pelo El País. Este diário precisa que esta obra não tem nada a ver com o primeiro inventário dos bens provenientes das apreensões franquistas que se encontram nos 16 museus nacionais que estão sob a alçada do Ministério da Cultura e publicado pelo governo em Junho.
Essas serão 5126 peças nas quais se incluem pinturas, jóias, cerâmicas, esculturas, móveis e louças apreendidas e que se encontram nos acervos dos museus espanhóis. Na sua maioria são provenientes de apreensões efectuadas durante a Guerra Civil para proteger a propriedade artística e que após o fim do conflito, a ditadura de Franco nunca chegou a devolver aos seus proprietários.
Neste caso, foi na sequência de um pedido da Fundação Giner de los Ríos ao director da Biblioteca Nacional Espanhola, Óscar Arroyo Ortega, como escreve o El País, que se iniciou o processo de restituição que teve depois de ser autorizado pelo ministro da Cultura.