Portuguese Girls, essa grande tendência que pode não ser assim tão grande
Onde andam essas girls arrojadas e aparentemente bem arranjadas? Ninguém sabe porque, além das fotografias nas zonas beto-indie-alternativas das cidades, não se encontram em lado nenhum.
Chegámos ao momento dos balanços, apanhados e previsões e, nisto da moda, entre a ideia do que foi e virá a ser, prevalece sempre a segunda, numa espécie de antecipação necessária do que vai estar a dar. O que vai estar a dar é o que queremos que dê, ou nos dê, porque sobre tendências, se não nos serve, não será para nós.
No Pinterest, ponto de encontro de todos os que inspiram ou querem ser inspirados, o caminho é o da audácia e maximalismo, contrariando a moderação e sobriedade de outros anos, sobretudo de um guarda-roupa cápsula, tendencialmente clássico, contemporâneo, monocromático, bem como a simplicidade associada a um consumo consciente, ou o novo riquismo que se quer fazer passar por dinheiro de família, adoptando um estilo que dispensa ostentação.
Se a cor do ano é um chocolate que apetece usar sem cansar, no Pinterest o vermelho-cereja está no topo das pesquisas e serve tudo e todos, incluindo maquilhagem. Destaca-se o olhar que se torna o centro da cor e do risco, numa abordagem que se quer cuidada mas exuberante. A tendência marítima, inspirada no estilo do pescador, sereias e o seu ar etéreo, trazem o mar para a moda. Já o moto boho é o seu contrário, arrojado nos apontamentos em pele ou nas biker boots.
Onde nos leva tudo isto? À rua porque, de facto, as tendências estão por aí mas a grande maioria das pessoas continua a usar aquilo que tem. Ou gosta. As tendências são apenas isso, apontamentos de um caminho que uma determinada área apresenta, válido para a forma como falamos, maneirismos, alimentação, música ou qualquer outro aspecto simbólico da nossa sociedade e cultura.
E se há mais calças cor de chocolate nas lojas, estas não querem dizer que adoptemos a cor, mas quer dizer que é mais difícil encontrar alternativas. Ou seja, em muitos casos, mesmo que queiramos ignorar a tendência, somos de tal forma bombardeados com essa informação e limitados na opção que, ou não compramos, ou trazemos aquilo que está disponível nas lojas. Assim se alimenta uma cultura de consumo rápido, na qual, por vezes, não temos grande escolha, sobretudo se estivermos limitados nas nossas opções financeiras.
O que há em cada marca de fast fashion (a baixo preço) é diferente mas igual: o corte e as cores são semelhantes, variando muito pouco na cor. O fenómeno extravasa para quase tudo, incluindo os outfit checks que são tanto vaidade individual quanto fonte de inspiração. Nestes, a tendência, agora, é ver mulheres em roupa interior a comporem o seu look, enquanto vão adicionando peças ao ritmo da música, também ela tendência, no Instagram. Porquê e para quê? A quem servem estes outfit checks? Adoro tudo mas dispenso a parte da roupa interior. Faltam as rendas e a cuequinha de algodão com florzinhas. Sim, todas as usamos, algum dia.
Fiz umas perguntas a utilizadoras de Instagram e Tik Tok de diversas idades. Mesmo não sendo uma amostra representativa, mostra que há muito conteúdo inútil que se torna extremamente popular.
O que o torna popular? A surpresa, o inesperado, a inspiração e, muitas vezes, o toque de ridículo que nos faz querer ver. Porque sim, a mente humana é suficientemente retorcida para querer parar e ver o acidente na auto-estrada. Ou no Instagram.
Uma das tendências que tem dado que falar chama-se #portuguesegirls e catapultou umas quantas produtoras de conteúdo para a ribalta. As que já eram conhecidas passaram a ser muito conhecidas e, outras, aproveitaram para ganhar notoriedade. Seguiram a tendência. Será contudo, que esta tendência representa exactamente uma tendência, ou apenas um grupo de mulheres que posa para as redes sociais na exuberância que é, também tendência, com conjuntos de roupa altamente improváveis, cores berrantes e arrojo nas combinações? Será que vão vestir-se sempre assim ou esta é uma tendência das redes sociais, a materialização do maximalismo que encontramos no Pinterest?
Onde andam essas girls arrojadas e aparentemente bem arranjadas? Ninguém sabe, ninguém as vê porque, além das fotografias nas zonas beto-indie-alternativas das cidades, não se encontram em lado nenhum. E, mesmo nos locais nos quais se fotografam, ou onde filmam os vídeos com as trends sobre café e frases-tendência que animam os reels no Instagram, também não as encontramos.
Sair pela cidade procurando #portuguesegirls é como encontrar uma agulha no palheiro, talvez porque o detalhe do estilo é tudo, menos prático ou confortável. Sobreposições, cintos que ficam a bambolear em cima das saias ou calças, mangas exageradamente compridas ou outros detalhes que ajustamos para a fotografia mas que, no dia-a-dia são só uma dor de cabeça, não.
Cabelos impecavelmente penteados com acessórios que, para quem tem cabelos lisos como algumas destas girls, aguentam-se no sítio durante o tempo que demoramos a filmar ou fotografar. Malas que temos de segurar com uma mão, enquanto a outra segura o café ou o matcha latte são tudo, menos reais, prova do que a trend dificilmente sai do rectângulo imaginário a que chamamos TikTok ou Instagram. Bonito de ver, não tão bonito de usar.
Para que serve e a quem serve este conteúdo? A avaliar pelo número de seguidores e investimento das marcas, parece que para tudo e para todos. Mas, no final do scroll pelo feed será que servem, de facto, alguém, ou estão no domínio tão comum de inspiração e aspiração, fazendo-nos sonhar, sem nada acrescentar? Acredito no poder de um guarda-roupa coerente, construído com peças intemporais que nos fazem sentir bem durante anos, ao qual podemos adicionar um elemento da tendência da estação e refrescar as nossas opções e looks.
O segredo e o desafio é este, o de identificar as peças-chave que duram uma vida, quer pela sua qualidade, quer pela sua intemporalidade. Então, o que comprar? Seguramente tudo o que faça parte da tendência mas não esteja, literalmente, em todo o lado (pensemos na tendência que passou a decadência), apontamentos (maquilhagem, por exemplo, com menor investimento financeiro) e peças-tendência que sejam intemporais.
Por outras palavras, uma peça que tenha elevada longevidade, se for na cor tendência, corremos o risco de não a usar na próxima estação ou no próximo inverno porque… “já não se usa” ou “usou-se demasiado” e agora está na terra de ninguém em que já não é mas não deixou de ser. Uns Samba, por exemplo. Só de si já são a tendência a pecar pelo excesso mas se, em cima da sua notoriedade lhes adicionarmos a cor da moda, então arriscamos a colocá-los de parte em muito pouco tempo. E uns sapatos desportivos tendem a durar mais do que uma estação.
É apostar nos intemporais que estão sempre bem ou nos Samba, se isso nos apaixonar, com uma cor discreta. E como saber quais os intemporais? No calçado desportivo, são como os básicos: nunca baixam de preço e nunca têm promoção. Os clássicos de qualquer marca têm uma curva de vendas relativamente estável e o seu preço também define o seu posicionamento, enquanto as cores da estação, temporárias ou edições especiais têm, ou um preço mais elevado ou são fáceis de encontrar em promoção e em saldo.
De resto, é olhar em redor e perceber o que nos aquece a alma, não defrauda expectativas, ou a carteira, e faz-nos feliz. Por isso, pergunto-me, de que servem perfis que mostram algo que não se concretiza e não é real, e que influência ou impacto conseguem ter as marcas que neles investem? Do ponto de vista prático, não terão grande utilidade mas, nisto de roupa, ideias e inspiração, bem como no sonho e na aspiração que as redes sociais sobretudo são, servem tudo, mesmo que não sirvam para nada. Por isso, nisto de moda e sustentabilidade na moda, mais estilo e menos compras, ou as mesmas compras, mas com mais estilo.